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Seguro rural obrigatório e a urgência de produtos claros e confiáveis

O seguro rural obrigatório pode fortalecer o agro, desde que venha com contratos claros, regulação eficaz e indenizações ágeis e transparentes.

27/8/2025

O governo Federal deve anunciar até setembro de 2025 um novo modelo de seguro rural, que poderá se tornar obrigatório para produtores que buscam acesso ao crédito agrícola com subsídios públicos1. Voltada à safra 2025/26, a medida integra a estratégia de fortalecer o Plano Safra e ampliar a resiliência da produção agropecuária frente aos riscos climáticos. Ao atrelar a contratação do seguro ao financiamento, a iniciativa pretende reduzir perdas, ampliar a cobertura e conferir maior previsibilidade tanto aos produtores quanto aos agentes de crédito.

A obrigatoriedade, contudo, traz consigo uma exigência que vai além da simples contratação. Se o seguro rural passar a ser um requisito formal para acessar crédito subsidiado, será indispensável que o produtor tenha clareza absoluta sobre o que está contratando. O modelo regulatório adotado no Brasil mostra que, em contratos complexos, a assimetria de informação entre seguradora e consumidor é um dos principais focos de conflito. Um seguro imposto sem transparência ou compreensão real das coberturas pode gerar desconfiança e judicialização, corroendo justamente os benefícios que a política pública pretende alcançar.

É nesse ponto que se destaca a lei 15.040/24, a nova lei do seguro, que reforça a obrigação de redigir contratos em linguagem clara, acessível e objetiva, vedando cláusulas ambíguas e exigindo equilíbrio entre direitos e deveres. Em linha com os arts. 421 e 422 do CC, que preconiza a função social do contrato e boa-fé objetiva, a nova lei impõe às seguradoras o dever de informação desde a fase pré-contratual até a regulação do sinistro. 

No contexto do seguro rural obrigatório, isso significa que o produtor deve saber, com transparência, quais riscos estão cobertos, quais não estão, como funciona o gatilho da indenização (especialmente nos seguros paramétricos) e em que prazo terá acesso ao valor segurado.

É certo falar que a clareza contratual não é mero detalhe. Ela garante a efetividade da função social do seguro, permitindo que o produtor confie na proteção como ferramenta de continuidade do negócio, em vez de enxergá-la como um custo compulsório. Para que isso ocorra, é fundamental que a SUSEP e o CNSP, no exercício da competência regulatória prevista no decreto-lei 73/1966, estabeleçam parâmetros de padronização mínima, de modo a evitar disparidades que possam gerar confusão ou insegurança jurídica.

Outro ponto essencial é a agilidade. A regulação de sinistros precisa ser célere, especialmente em eventos climáticos extremos que comprometem toda a safra. A boa-fé objetiva (art. 422 do CC) e a própria lei 15.040/24 convergem nesse sentido, impondo que a indenização seja processada com transparência e dentro de prazos razoáveis. Um seguro que demora a pagar não cumpre sua função de estabilizar a atividade agrícola e, no plano jurídico, pode caracterizar descumprimento contratual.

À luz do ordenamento jurídico, a obrigatoriedade não substitui a necessidade de ampliar a capacidade de cobertura do mercado de seguros e resseguros. O risco rural é de natureza catastrófica e exige resseguro robusto, como disciplina a LC 126/07. Se a demanda aumentar sem que haja oferta proporcional de capacidade, o efeito poderá ser o inverso do pretendido: encarecimento do prêmio e exclusão de parte dos produtores. A política pública só será sustentável se houver equilíbrio entre inclusão e viabilidade econômica.

Em última análise, a função social do seguro rural manifesta-se de forma dupla. De um lado, ao proteger o produtor contra perdas climáticas, assegurando a continuidade da atividade agrícola e, por consequência, a preservação de empregos e cadeias produtivas. De outro, ao fortalecer o mercado securitário, estimulando inovação, competição saudável e produtos mais acessíveis. Se a obrigatoriedade vier acompanhada de contratos claros, regulação eficiente e pagamentos céleres, o seguro rural terá condições de cumprir plenamente esse papel de apoio à economia e ao setor do agronegócio.

De acordo com pesquisa nacional realizada em 2024 pelo NCIS - National Crop Insurance Services, o seguro agrícola foi apontado como a principal ferramenta de segurança pelos agricultores norte-americanos, superando programas de pagamentos diretos do governo e iniciativas de conservação. O estudo revelou que 91% dos produtores contrataram seguro agrícola em 2024, sendo que a grande maioria o mantém de forma consistente há pelo menos cinco anos. Além disso, 83% declararam satisfação com o produto, enquanto 85% se disseram satisfeitos com o atendimento recebido em sua última solicitação, o que reforça a confiança no instrumento e confirma seu papel essencial como pilar da política agrícola nos Estados Unidos (NCIS, 2024).2

Em síntese, mais do que um requisito burocrático para acessar crédito, o seguro rural obrigatório pode se transformar em um verdadeiro instrumento de política agrícola. Sua função social não se esgota na proteção individual do produtor: ela se projeta sobre toda a cadeia do agronegócio, fortalecendo a economia nacional frente a riscos climáticos que, cada vez mais, desafiam a previsibilidade do setor. 

Para que esse objetivo se realize, é imprescindível que seguradoras, reguladores e produtores caminhem em sintonia. Isso significa contratos claros, regulação estável, prazos respeitados e produtos que sejam compreendidos como ferramentas de continuidade e não como imposições estatais. Se esse equilíbrio for alcançado, o seguro rural não apenas sustentará a atividade produtiva, mas também consolidará sua posição como um pilar de desenvolvimento e competitividade no mercado brasileiro.

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1 Fonte: Glorual. Disponível em: https://globorural.globo.com/credito-e-investimento/noticia/2025/07/ministro-promete-novo-modelo-de-seguro-rural-para-setembro.ghtml. Acesso em: 22/08/2025.

2 Fonte: National Crop Insurance Services (NCIS). New survey shows crop insurance is farmers’ top priority and widely trusted. Disponível em: https://cropinsuranceinamerica.org/new-survey-shows-crop-insurance-is-farmers-top-priority-and-widely-trusted/. Acesso em: 22/08/2025.

Claudinéia Pereira
Sócia-diretora da Jacó Coelho Advogados. Tem MBA em Gestão Jurídica de Seguro e Resseguro pela FUNENSEG. É pós-graduada em Direito Tributário e Processo Tributário pela Faculdade Atame de Goiânia-GO e Mestranda em Direito do Agronegócio e Desenvolvimento pela UniRV.

Fabricio Muraro Novais
Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP; Professor Adjunto da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) e do Programa de Mestrado Profissional em Direito do Agronegócio e Desenvolvimento da Universidade de Rio Verde (UniRV)

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