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O novo decreto municipal que estabelece rigor nas restrições para imóveis HIS e HMP

Análise técnica das alterações trazidas pelo decreto 64.244/25 sobre limites de venda, locação e fiscalização dos imóveis HIS e HMP na cidade de São Paulo.

29/8/2025

1. Introdução

Historicamente, a política habitacional em São Paulo sempre buscou conciliar o interesse público com a necessidade de promover o acesso à moradia digna. A tradição normativa, consolidada desde o Plano Diretor Estratégico (lei municipal 16.050/14), confere relevância à produção de HIS - Habitação de Interesse Social e HMP - Habitação de Mercado Popular como instrumentos de equilíbrio urbano.

O recente decreto 64.244/25 representa um marco na reafirmação desse compromisso, ao estabelecer parâmetros mais rígidos e mecanismos de fiscalização robustos para assegurar que os benefícios urbanísticos e fiscais se convertam em habitações efetivamente acessíveis às famílias das faixas de renda previstas.

2. Evolução normativa e fundamentos legais

A disciplina da HIS e HMP ganhou corpo normativo a partir do Plano Diretor Estratégico de 2014, que definiu com clareza a diferenciação entre HIS 1, HIS 2 e HMP. Posteriormente, o decreto 63.130/24 inaugurou diretrizes de controle e de destinação.

Agora, o decreto 64.244/25 aprofunda e aperfeiçoa esse arcabouço, ampliando a eficácia das regras já existentes e fechando brechas que permitiam desvirtuamentos, especialmente no mercado secundário e nas locações de curto prazo. O espírito do legislador municipal tenta assegurar que a política habitacional cumpra sua função social, sem se converter em objeto de mera especulação imobiliária.

3. Principais inovações do decreto 64.244/25

O novo decreto trouxe mudanças de caráter prático e coercitivo, com especial ênfase na transparência e no controle. Entre as principais inovações, destacam-se:

Restrição ao valor da locação: O decreto municipal 64.244/25, publicado em 28 de maio de 2025, introduz a regra expressa de que o valor do aluguel das unidades enquadradas como HIS-1, HIS-2 ou HMP não pode ultrapassar 30 % da renda familiar mensal

Em 2025, com base no valor vigente do salário-mínimo, essas faixas correspondem aproximadamente a:

4. Impactos jurídicos e práticos

Do ponto de vista corporativo e jurídico, os impactos do decreto 64.244/25 são expressivos, repercutindo em diferentes segmentos do mercado:

a) Incorporadoras e promotores imobiliários

O Decreto impõe maior rigor documental e de compliance, exigindo controles internos sólidos e políticas de governança mais robustas. A averbação obrigatória da destinação e a comprovação de renda trazem responsabilidades acrescidas, sob pena de sanções administrativas e eventual responsabilização civil. Ademais, os limites de preços e de aluguel podem reduzir margens de rentabilidade, obrigando empresas a readequar seus portfólios e estratégias de lançamento.

b) Compradores e locatários

Para os destinatários finais, as medidas oferecem maior segurança jurídica e previsibilidade, alinhando preços à realidade econômica da população-alvo. Contudo, a possibilidade de reversão de negócios em caso de irregularidade pode gerar instabilidade prática, exigindo do advogado atuação preventiva na análise documental e contratual.

c) Investidores e mercado secundário

As restrições diminuem a atratividade especulativa, especialmente diante da vedação às locações de curta duração. A liquidez dos imóveis HIS e HMP tende a reduzir-se, impactando investidores de perfil financeiro. Por outro lado, reforça-se o caráter social da habitação popular, afastando sua utilização como ativo de mercado e reafirmando sua vocação pública.

5. Desafios de fiscalização pela Administração Pública

Embora o decreto amplie o poder sancionatório da Prefeitura, sua implementação prática enfrenta entraves consideráveis. A eficácia da norma dependerá de investimentos consistentes em estrutura administrativa, tecnologia e capacitação de pessoal, sob pena de fragilizar a fiscalização e transformar as previsões legais em letra morta.

Além disso, o grande volume de transações imobiliárias e a pulverização dos contratos de locação e revenda dificultam o monitoramento integral. Na prática, a Administração tende a atuar de forma reativa, concentrando esforços apenas em casos denunciados ou em empreendimentos de maior visibilidade. Isso cria um risco de fiscalização seletiva, que pode gerar distorções no mercado e insegurança regulatória para os agentes privados.

Portanto, o desafio central da Prefeitura será equilibrar o uso dos instrumentos coercitivos com a capacidade real de acompanhamento e controle, sob pena de comprometer a credibilidade do sistema e a efetividade da política habitacional.

6. Considerações finais

decreto 64.244/25 demonstra o esforço da Prefeitura de São Paulo em resgatar a finalidade social da habitação popular, ajustando práticas e restringindo usos que desvirtuavam o sistema. Para o mercado, o novo marco regulatório eleva o patamar de responsabilidade e transparência, demandando maior profissionalização e rigor no cumprimento das normas.

Para a advocacia, o cenário é fértil em desafios: desde a consultoria preventiva na elaboração de contratos até o contencioso envolvendo reversão de negócios irregulares.

Em última análise, a norma consolida uma agenda de responsabilidade social e corporativa, buscando equilibrar interesses privados e coletivos e reafirmando a função social da propriedade como vetor central da política habitacional paulistana.

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Referências normativas

Decreto municipal 63.130/24 -  https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-63130-de-19-de-janeiro-de-2024 regulamenta aspectos iniciais do controle de destinação de imóveis HIS e HMP.

Decreto municipal 64.244/25 - https://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-64244-de-28-de-maio-de-2025 atual marco regulatório, estabelece limites de preço, locação, averbação e fiscalização.

Priscila Rodrigues Barban
Advogada especialista em planejamento sucessório, holding familiar e direito imobiliário. Atua com regularização de imóveis, palestrante voluntária e integra a Comissão de Diversidade da OAB Ipiranga.

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