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COP30 em Belém: Oportunidade para correção de uma injustiça histórica contra a Amazônia

A COP30 em Belém enfrenta críticas, mas oferece legado em infraestrutura, turismo e visibilidade da Amazônia, reforçando seu protagonismo global.

28/8/2025

Desde que Belém do Pará foi confirmada como sede da COP30, a cidade e a região amazônica passaram a ser alvo de inúmeras críticas. Questionamentos sobre a capacidade de infraestrutura, os altos preços da hospedagem, a exclusão social e até mesmo estereótipos preconceituosos sobre a cidade ocuparam espaço no debate público. As críticas são legítimas em parte, mas também precisam ser contextualizadas e relativizadas, sob pena de se repetir um ciclo histórico de invisibilidade da Amazônia e de desqualificação das suas potencialidades.

Entre as principais críticas, destacam-se os altos custos de hospedagem e a suposta insuficiência de leitos para atender as dezenas de milhares de visitantes esperados. Também se questiona o déficit estrutural da cidade em áreas como saneamento e mobilidade urbana e há, ainda, quem insinue que Belém seria incapaz de receber um evento de escala global. Por fim, críticos apontam que a realização de obras preparatórias, como a abertura de vias, acarretaria impacto ambiental contraditório com os propósitos da conferência.

Contudo, ao se analisar mais de perto, muitas dessas críticas não se sustentam ou refletem visões reducionistas e até preconceituosas sobre a Amazônia. Belém, por exemplo, já foi uma das cidades mais avançadas do Brasil na época da Belle Époque, quando o ciclo da borracha trouxe prosperidade e permitiu a implantação de serviços modernos como bondes elétricos, teatros luxuosos e uma arquitetura europeia sofisticada. A capital paraense foi, à época, símbolo de modernidade, cosmopolitismo e riqueza cultural. O que ocorreu ao longo do tempo foi uma redução dos investimentos, concentrados em outras regiões do país, o que explica parte dos déficits atuais, mas não diminui a relevância histórica e o potencial de retomada da cidade.

No que se refere às acomodações, o presidente da ABIH/PA - Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Pará, Antônio Santiago, lembra que 90% da rede hoteleira de Belém é composta por redes internacionais. Em outras palavras, o movimento de aumento dos preços não é um fenômeno local ou exclusivo, mas sim uma prática comum em qualquer cidade que sedia grandes eventos. A própria ONU já registrou dificuldades em outras edições da conferência. Vale lembrar que a COP27, realizada no Egito, enfrentou fortes críticas por restrições à participação da sociedade civil e por limitações impostas pelo governo local a ativistas e jornalistas. Ou seja, não existe sede “perfeita” e cada cidade apresenta desafios próprios.

Sobre os déficits estruturais, é preciso ressaltar que nenhuma cidade se desenvolve sem investimentos e estes só são viabilizados quando há projetos que justifiquem a aplicação de recursos. A realização de grandes eventos, como a COP, cumpre justamente esse papel: abre caminho para obras de infraestrutura, mobilidade e saneamento que permanecerão como legado para a população. Negar a Belém essa oportunidade seria reproduzir a lógica excludente que sempre marginalizou a Amazônia do processo de desenvolvimento nacional. É o famoso “frete grátis para todo Brasil, menos a região norte”, como se o norte não fizesse parte do país. Como bem colocado pela banda Mosaico de Ravena, na música “Belém, Pará, Brasil”: A culpa é da mentalidade criada sobre a região. Por que que tanta gente teme? Norte não é com M.

Não esqueçam que cidades como Rio de Janeiro, São Paulo ou mesmo o Cairo já receberam vultosos investimentos públicos e privados ao sediar grandes eventos, sem que isso fosse colocado em xeque da mesma forma. Dois pesos, duas medidas.

Outro aspecto fundamental é a invisibilidade histórica dos povos amazônicos. São comunidades que convivem diariamente com restrições severas ao uso da floresta, como a obrigação legal de preservar 80% da propriedade rural, ao mesmo tempo em que enfrentam as maiores dificuldades sociais e econômicas. Ouvem acusações internacionais de crimes ambientais e sofrem com bloqueios econômicos travestidos de preocupação com o meio ambiente.

Em que pese o Brasil contribuir com apenas 3% nas emissões globais de gases de efeito estufa, países desenvolvidos (que já exploraram, poluíram e enriqueceram) se acham no direito de dizer como devemos agir. Trazer a COP para Belém significa romper essa barreira de invisibilidade e colocar os povos amazônidas no centro da agenda climática global.

Superados os equívocos e preconceitos, é necessário destacar os benefícios concretos já confirmados para Belém e para o Pará com a COP30. Entre eles, o legado em saneamento, que beneficiará mais de 500 mil pessoas na capital, ampliando a rede de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, um avanço histórico para a saúde pública e para a qualidade de vida. Além disso, o evento impulsiona um conjunto de projetos de infraestrutura urbana e mobilidade, com novos corredores viários, recuperação de espaços públicos e melhoria da acessibilidade.

Outros impactos positivos já são sentidos antes mesmo da conferência. A visibilidade internacional projetada sobre o estado atrai investimentos e reforça o protagonismo da Amazônia no debate climático. Essa visibilidade traz benefícios econômicos, fortalece a imagem do Brasil no exterior e coloca a região no radar de empresas, pesquisadores e organizações que buscam soluções sustentáveis.

Outro ponto relevante é o estímulo ao turismo e à economia local, pois o evento movimentará hotéis, restaurantes, transportes e serviços, criando oportunidades de emprego e renda para milhares de trabalhadores. Mas mais do que isso: deixará como herança uma cidade mais bem estruturada para continuar recebendo visitantes após o evento, fortalecendo o turismo sustentável e cultural na região. E que cultura! Só vindo a Belém para entender.

Portanto, longe de ser um fardo, a realização da COP30 em Belém é uma oportunidade histórica de desenvolvimento. Trata-se de corrigir décadas de marginalização e reposicionar a Amazônia como centro de decisão global em matéria ambiental. É também um ato simbólico: realizar a maior conferência sobre clima no coração da floresta é um gesto que obriga o mundo a olhar para além dos números e enxergar a complexidade da região. A maior biodiversidade do mundo sobreposta à uma das maiores províncias minerais do mundo, mas com uma população pobre e esquecida. Isso precisa mudar e a COP30 é a oportunidade perfeita.

A Amazônia não é apenas uma floresta: é um espaço de vida, de culturas diversas, de desafios sociais profundos e de oportunidades econômicas que precisam ser integradas a uma agenda sustentável.

A COP30 em Belém, portanto, não é apenas um evento internacional. É um marco de reconhecimento da Amazônia e de seus povos, que finalmente terão a chance de mostrar ao mundo que não são obstáculos ao desenvolvimento, mas parte essencial da solução para um futuro sustentável e economicamente viável.

Fábio Flores
Sócio da área ambiental do Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff - Advogados.

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