Migalhas de Peso

Golpe Pix do falso funcionário

O consumidor, por sua vez, deve estar atento a seus direitos e buscar, sem demora, o auxílio jurídico especializado, assegurando a recomposição do patrimônio e a responsabilização do banco.

21/9/2025

Introdução

O sistema de pagamentos instantâneos brasileiro, popularmente conhecido como Pix, consolidou-se como o principal meio de transferência de valores em tempo real no país. Regulamentado pelo Banco Central do Brasil, o Pix trouxe agilidade, comodidade e redução de custos, sendo amplamente utilizado pela população. Entretanto, juntamente com os benefícios, surgiram novas modalidades de fraudes, muitas delas baseadas em engenharia social, como o chamado “golpe do falso funcionário”, que tem causado significativos prejuízos a consumidores em todo o território nacional.

Nesse tipo de crime, criminosos se passam por representantes de instituições financeiras, obtendo dados pessoais das vítimas e convencendo-as a realizar transferências via Pix para supostas “contas seguras”. Uma vez efetuada a transação, o valor é imediatamente pulverizado em diversas contas, dificultando o rastreamento e a recuperação.

Esse fenômeno levanta uma questão jurídica central: qual é a extensão da responsabilidade dos bancos diante desse tipo de fraude? O presente artigo busca analisar o tema sob a ótica do Direito do Consumidor, das normas regulatórias do Banco Central e da jurisprudência dos tribunais superiores, apresentando ainda medidas de prevenção e caminhos jurídicos para reparação de danos.

A dinâmica do golpe do falso funcionário

O golpe geralmente se inicia com uma ligação telefônica ou mensagem eletrônica enviada por indivíduos que se passam por funcionários do banco ou de empresas parceiras. O criminoso fornece informações verossímeis sobre movimentações financeiras do cliente, muitas vezes obtidas por meio de vazamento de dados ou de técnicas de phishing, conferindo credibilidade à abordagem.

A partir desse contato, a vítima é induzida a realizar uma transferência via Pix para uma conta que o golpista denomina como “conta segura”, sob o argumento de que se trata de medida temporária de proteção contra suposta fraude.

A engenharia social desempenha papel fundamental: os criminosos exploram a confiança, o medo e a urgência da vítima, levando-a a agir rapidamente sem refletir sobre a veracidade das informações recebidas.

Após a transferência, os valores são movimentados de forma veloz e fragmentada em diversas contas de “laranjas”, dificultando a recuperação. Esse modus operandi evidencia a necessidade de mecanismos eficazes de monitoramento e bloqueio por parte das instituições financeiras.

A responsabilidade das instituições financeiras

O CDC e a responsabilidade objetiva

O CDC (lei 8.078/1990) dispõe que o fornecedor de serviços responde objetivamente pelos danos causados aos consumidores por defeitos na prestação dos serviços, independentemente da existência de culpa (art. 14).

Aplicando-se esse dispositivo às instituições financeiras, verifica-se que elas possuem responsabilidade objetiva diante de falhas na segurança dos sistemas, na prevenção de fraudes e no atendimento ao consumidor. O STJ consolidou esse entendimento na súmula 479, segundo a qual:

“As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”

Assim, mesmo que o golpe seja praticado por terceiros, se houver falha no dever de segurança ou ausência de mecanismos eficazes de prevenção, o banco poderá ser responsabilizado e condenado a restituir os valores subtraídos, além de indenizar danos morais quando configurada ofensa à dignidade do consumidor.

Regulamentação do Banco Central

O Banco Central do Brasil editou normativas para aumentar a segurança do sistema Pix, como a resolução BCB 1/20 e a resolução 147/21, que estabelecem regras sobre rastreamento, bloqueio cautelar de valores e mecanismos de devolução em caso de fraude.

As instituições financeiras, portanto, não podem se eximir do dever de adotar protocolos eficazes de monitoramento e resposta rápida, sob pena de caracterizar-se falha na prestação do serviço.

Jurisprudência aplicável

Os tribunais têm reconhecido a responsabilidade dos bancos em casos de golpes via Pix, sobretudo quando evidenciada a vulnerabilidade do consumidor e a ineficiência dos mecanismos de segurança da instituição financeira.

Em diversos julgados, o entendimento é no sentido de que a vítima, ainda que tenha sido induzida a realizar a transferência, não pode suportar sozinha o ônus da fraude, já que a instituição financeira é a principal responsável pela segurança do sistema que disponibiliza.

Além disso, o STJ, no julgamento do REsp 1.197.929/PR, reforçou que o risco da atividade econômica bancária inclui as fraudes praticadas por terceiros, não sendo possível transferir integralmente esse risco ao consumidor.

Medidas de prevenção e proteção

Embora os bancos tenham dever de segurança, é importante que os consumidores também adotem boas práticas de prevenção, como:

No entanto, ainda que tais cuidados sejam recomendáveis, sua inobservância não afasta a responsabilidade do banco quando há falha na segurança ou omissão na resposta.

Providências jurídicas em caso de fraude

O consumidor vítima desse tipo de golpe deve agir com rapidez, pois o tempo é fator determinante para tentativa de bloqueio e rastreamento. As medidas jurídicas incluem:

  1. Notificação imediata ao banco para registro do ocorrido e solicitação de bloqueio das transações;
  2. Registro de boletim de ocorrência, fundamental para instrução da demanda;
  3. Atuação de advogado especializado em Direito Bancário e do Consumidor, que poderá:

Conclusão

O golpe do falso funcionário via Pix representa uma das mais sofisticadas modalidades de fraude contemporânea, exigindo resposta rápida e eficaz tanto dos consumidores quanto das instituições financeiras.

A jurisprudência consolidada, o CDC e as normativas do Banco Central deixam claro que os bancos possuem responsabilidade objetiva pela segurança do sistema que administram, sendo obrigados a ressarcir os consumidores lesados quando há falha na prestação do serviço.

Assim, a responsabilização das instituições financeiras não apenas garante a reparação às vítimas, mas também desempenha função preventiva, incentivando os bancos a investirem constantemente em tecnologia e mecanismos de segurança.

O consumidor, por sua vez, deve estar atento a seus direitos e buscar, sem demora, o auxílio jurídico especializado, assegurando a recomposição do patrimônio e a responsabilização da instituição que, por falha em seu dever de segurança, permitiu a concretização do golpe.

Charles Dias
Advogado, especialista reconhecido, com atuação em todo o Brasil. Experiência sólida na defesa de direitos, com postura técnica, estratégica e comprometida com resultados.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

Abertura de empresas e a assinatura do contador: Blindagem ou burocracia?

3/12/2025

Como tornar o ambiente digital mais seguro para crianças?

3/12/2025

Recuperações judiciais em alta em 2025: Quando o mercado nos lembra que agir cedo é um ato de sabedoria

3/12/2025

Seguros de danos, responsabilidade civil e o papel das cooperativas no Brasil

3/12/2025

ADPF do aborto - O poder de legislar é exclusivamente do Congresso Nacional

2/12/2025