A legislação brasileira tem dado passos importantes para proteger crianças e adolescentes dos riscos no ambiente digital. Um exemplo recente é o PL 2.628/22, conhecido como “ECA Digital”, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 20/8/25. A proposta obriga plataformas digitais a adotarem mecanismos de design preventivo, oferecer controles parentais, canais de denúncia e impor limites à coleta de dados de usuários menores de 18 anos. Outro avanço é a lei 15.100/25, que entrou em vigor em 13/1/25, restringindo o uso de celulares nas escolas, uma medida que visa reduzir impactos negativos como distratividade e até formas sutis de adultização infantil.
Ademais, a lei 13.709/18, conhecida como LGPD - Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, vigente desde 2020, estabeleceu diretrizes claras para o tratamento de dados pessoais no Brasil, abrangendo inclusive informações de crianças e adolescentes. Essa legislação reforça pilares como a privacidade, a transparência e o controle dos titulares sobre seus dados sensíveis. Complementarmente, o marco civil da internet (lei 12.965/14) constitui outro referencial normativo essencial, ao assegurar direitos fundamentais no ambiente digital, como a neutralidade da rede, a liberdade de expressão e a proteção da privacidade dos usuários.
Ainda assim, leis e normas têm alcance limitado se não forem acompanhadas pelo desenvolvimento da educação digital crítica. Sem essa base, crianças podem permanecer expostas a conteúdos nocivos, sexualização precoce e exploração, mesmo que legalmente protegidas. A adultização infantil ocorre quando menores são levados a adotar responsabilidades e comportamentos adultos antes da maturidade adequada, comprometendo seu desenvolvimento biopsicossocial. A mera regulamentação não impede que conteúdos impróprios circulem; é preciso que sejam reconhecidos, questionados e repelidos com consciência.
Nesse contexto, a educação digital deve ser incorporada ao currículo escolar como um pilar formativo. Ensinando crianças a identificar desinformação, reconhecer a manipulação algorítmica das redes sociais, entender os riscos da inteligência artificial e o uso indevido de imagem, o ambiente educativo passa de passivo a ativo na construção de defesa pessoal. Projetos como o Programa Cidadão Digital, da SaferNet, já demonstram esse potencial, formando jovens multiplicadores em segurança digital, cidadania e privacidade.
O papel dos pais e responsáveis também é central, mas não deve ser substitutivo à escola. A legislação prevê controles parentais, porém sua eficácia depende da mediação familiar sensível e informada. Quando pais e educadores dialogam sobre tempo de tela, limites, compartilhamento de fotos e privacidade, fortalecem a resiliência das crianças às pressões digitais. Da mesma forma, é importante que as crianças sejam ensinadas a compreender os princípios da LGPD, como consentimento, transparência e o direito de apagar dados, para que se tornem protagonistas da proteção da própria privacidade.
A educação digital não deve ser pontual ou reativa, voltada apenas após incidentes, mas preventiva e contínua. Escolas e famílias devem promover discussões sobre o uso crítico da IA, os riscos de perfis e filtros manipulativos, o impacto da sexualização precoce e a necessidade de construir uma autoimagem livre de imposições adultizantes. Tais ações complementam, reforçam e dão sentido à legislação existente, formando cidadãos digitais conscientes, críticos e protegidos.
A referida adultização, muitas vezes alimentada por algoritmos que promovem conteúdos sensacionalistas ou sexualizados, é agravada pela ausência de orientação crítica quanto ao uso das tecnologias digitais. Plataformas como TikTok e Instagram têm papel central nesse processo, muitas vezes operando com lógicas algorítmicas que priorizam engajamento em detrimento da proteção à infância.
É nesse cenário que se torna urgente compreender e valorizar o papel da educação digital, não apenas como uma disciplina escolar, mas como uma formação transversal e contínua, tanto nas instituições de ensino quanto no ambiente familiar. Mas afinal, o que é educação digital? Segundo a UNESCO, educação digital é o processo de ensinar indivíduos a compreender, utilizar e se engajar criticamente com as tecnologias digitais, abrangendo desde habilidades técnicas básicas (como navegar em plataformas e usar ferramentas) até competências mais amplas, como ética digital, cidadania digital, segurança da informação, proteção de dados e pensamento crítico sobre conteúdos e algoritmos.
Nessa toada, é válido distinguir educação digital de letramento digital. Enquanto o letramento digital foca na capacidade de operar ferramentas tecnológicas (como saber usar um editor de texto, navegar na internet ou enviar um e-mail), a educação digital vai além, eis que ela envolve formação ética, crítica e responsável diante do uso da tecnologia. Uma criança letrada digitalmente pode saber postar vídeos e editar fotos; já uma criança educada digitalmente saberá avaliar se o conteúdo que publica preserva sua dignidade, se respeita sua privacidade e se pode ter consequências futuras em sua imagem pessoal ou segurança.
A importância dessa formação não pode ser subestimada! Quando uma criança compreende como algoritmos funcionam, como por exemplo, que os vídeos que ela vê são recomendados com base em padrões de consumo e não em qualidade pedagógica, ela começa a desenvolver senso crítico. Quando entende o que é um dado pessoal sensível, ela pode pensar duas vezes antes de postar uma imagem íntima ou aceitar um desafio viral que envolve exposição corporal. A educação digital, portanto, funciona como um mecanismo de proteção ativa e não apenas como uma reação a riscos já concretizados.
O ambiente escolar é o espaço ideal para formalizar essa formação. Projetos como o Cidadão Digital da SaferNet e o Connected Schools da UNESCO têm demonstrado que crianças e adolescentes, quando orientados adequadamente, desenvolvem não só habilidades digitais, mas também empatia, consciência de risco e responsabilidade social. Ele se aplica ao ambiente doméstico: pais e responsáveis precisam ser capacitados a mediar o uso das tecnologias com diálogo, escuta ativa e limites saudáveis, e não apenas com controle e proibição.
Por fim, mas longe de esgotar o tema, é imprescindível compreender que o combate à adultização infantil no ambiente digital é um desafio que exige intersetorialidade: leis precisam ser cumpridas, sim, mas também é necessário investir em políticas públicas de formação digital, atualização dos currículos escolares, capacitação docente e fortalecimento da mediação parental. A criança do século XXI não precisa apenas aprender a usar um computador: ela precisa saber viver com responsabilidade, segurança e autonomia em uma sociedade digitalizada, protegendo sua infância de pressões indevidas e escolhas irreversíveis.