Nos últimos anos, a negociação coletiva deixou de ser apenas um mecanismo de proteção trabalhista e passou a ocupar um espaço estratégico dentro das organizações. A reforma trabalhista de 2017 (lei 13.467/17) consolidou esse movimento ao reconhecer, em diversos pontos, a prevalência do negociado sobre o legislado. Essa mudança, mais do que jurídica, é cultural - e abre caminhos importantes para empresas que desejam crescer com segurança, previsibilidade e boa governança.
O que significa a prevalência do negociado sobre o legislado?
Na prática, significa que determinados temas da relação de trabalho podem ser definidos por meio de acordos ou convenções coletivas entre empregadores e sindicatos, mesmo que as regras estabelecidas se afastem do que está previsto na legislação. Entre os assuntos que podem ser objeto de negociação, estão jornada de trabalho, banco de horas, plano de cargos e salários, PLR - participação nos lucros e resultados, entre outros.
É importante destacar que essa prevalência não é absoluta: há direitos que continuam sendo indisponíveis, como o salário-mínimo, o FGTS, o 13º salário e normas de segurança e saúde do trabalho. No entanto, há um espaço significativo para soluções criativas e ajustadas à realidade de cada setor.
Por que a negociação coletiva é estratégica para as empresas?
1. Adequação à realidade do negócio
Cada empresa tem sua dinâmica própria. A negociação coletiva permite adaptar regras trabalhistas de forma específica, levando em consideração sazonalidades, processos produtivos e necessidades do setor.
2. Segurança jurídica
Um acordo coletivo válido e bem estruturado reduz riscos de judicialização e oferece mais previsibilidade às decisões empresariais.
3. Fortalecimento do diálogo social
A negociação fortalece a relação entre empresa e trabalhadores, promovendo um ambiente de confiança, cooperação e transparência. Isso tem reflexos diretos na produtividade e no clima organizacional.
4. Flexibilidade com responsabilidade
Ao negociar com o sindicato, a empresa pode ajustar direitos e deveres sem abrir mão da proteção ao trabalhador, o que permite inovação e competitividade com responsabilidade social.
O papel do departamento jurídico nesse processo
Os departamentos jurídicos devem atuar não apenas como validadores de riscos, mas como agentes estratégicos. Isso envolve:
- Identificar oportunidades de negociação que possam gerar valor para a empresa;
- Conduzir (ou apoiar) mesas de negociação com base técnica e sensibilidade institucional;
- Redigir cláusulas claras, coerentes e juridicamente sustentáveis;
- Monitorar decisões judiciais e entendimentos administrativos sobre o tema;
- Capacitar lideranças para que compreendam o papel dos acordos coletivos no dia a dia da empresa.
Jurisprudência e a validação judicial da Negociação Coletiva
A valorização da negociação coletiva é amplamente ratificada pelo Poder Judiciário, com destaque para o STF e o TST.
A tese firmada no julgamento do Tema 1.046 de repercussão geral pelo STF consolidou a constitucionalidade de cláusulas pactuadas entre sindicatos e empregadores, mesmo quando estas limitam ou afastam direitos previstos em lei, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis, conforme exposto.
A seguir, destacam-se decisões relevantes que demonstram como diferentes temas vêm sendo validados pela jurisprudência recente:
Compensação de jornada e regime 12x36 em atividade insalubre
RECURSO ORDINÁRIO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. REGIME DE COMPENSAÇÃO 12X36. ATIVIDADE INSALUBRE. ACORDO COLETIVO. TEMA 1.046 DA REPERCUSSÃO GERAL. 1. No exame da temática atinente à validade de norma coletiva que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente, o Plenário do STF, no julgamento do Tema de Repercussão Geral 1.046 fixou a tese de que " são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis “. 2. A compensação no regime 12X36 em atividade insalubre não envolve direito indisponível, tanto que a lei 3.467/17 (reforma trabalhista) inseriu ao art. 60 da CLT o parágrafo único excepcionando a jornada 12X36 da exigência da licença prévia, enquanto que o inciso XIII do art. 611-A da CLT apregoa a prevalência do negociado sobre o legislado no que se refere à prorrogação de jornada em atividade insalubre sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho . 3. A norma entrou em vigor após o rompimento contratual do autor, mas evidencia que o legislador não considera indisponível o direito negociado (compensação de jornada em atividade insalubre). 4. Assim, em razão do Precedente vinculante fixado no tema no julgamento do Tema 1 .046 da Repercussão Geral pelo E. STF, resulta válida a negociação coletiva que previu regime compensatório 12X36 sem prévia autorização da autoridade competente e, via de consequência, superado o entendimento consubstanciado no item VI da súmula 85 desta Corte. Recurso ordinário conhecido e desprovido . (TST - ROT: 00001095220205230000, Relator.: Amaury Rodrigues Pinto Junior, Data de Julgamento: 3/9/2024, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 6/9/2024)
Intervalo intrajornada reduzido
RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA SOB A ÉGIDE DO CPC/1973. INTERVALO INTRAJORNADA. REDUÇÃO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. INCIDÊNCIA DO TEMA 1.046 DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF. 1. A pretensão rescisória volta-se contra acórdão prolatado em sede de ação coletiva, por meio do qual foi reconhecida a invalidade de norma coletiva que previa a redução do intervalo intrajornada para trinta minutos em jornadas de oito horas, com a consequente condenação da reclamada ao pagamento de uma hora extra diária a todos os substituídos processuais. 2. Tratando-se de matéria de índole constitucional, não incide o óbice da Súmula 83, I, do TST, razão pela qual eventual alteração superveniente do entendimento jurisprudencial até então adotado no âmbito do TST não constitui impedimento para a incidência de corte rescisório, quando efetivamente verificada a ocorrência de violação frontal aos dispositivos da Constituição Federal. 3. No caso, o acórdão rescindendo registra a premissa fática acerca da existência de norma coletiva em que prevista a redução do intervalo intrajornada para trinta minutos . 4. A hipótese atrai a aplicação da tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do tema 1.046 da Tabela de Repercussão Geral, sem modulação de efeitos, no sentido de que "são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao consideraram a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponí veis". 5 . Com efeito, a redução do intervalo para repouso e alimentação está inserida na regra geral de disponibilidade de direitos para fins de pactuação na seara coletiva, destacado que a própria CLT sempre admitiu a possibilidade de flexibilização do limite mínimo de uma hora, conforme disciplina seu art. 71, § 3º, nas hipóteses específicas ali descritas. 6. Ademais, ainda que o caso concreto não comporte aplicação da Lei nº 13 .467/2017, por tratar de fatos ocorridos anteriormente à sua vigência, note-se que o legislador infraconstitucional, ao editar a Reforma Trabalhista, ratificou a tese de disponibilidade relativa do direito ao intervalo intrajornada, dessa vez de forma expressa, ao fixar a prevalência da norma coletiva sobre a lei, desde que respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas (arts. 611-A e 611-B da CLT). 7. Logo, não se tratando de direito de indisponibilidade absoluta, impõe-se o reconhecimento da validade da norma coletiva, à luz da garantia constitucional do art . 7º, XXVI, da CF. 8. Ante o exposto, conclui-se que o Tribunal Regional, ao reputar inválida norma coletiva que previu fixação de jornadas de trabalho com intervalo de trinta minutos, incorreu em violação literal do art. 7º, XXVI, da CF . Recurso ordinário conhecido e provido, para julgar a ação rescisória procedente. (TST - ROT: 0101675-61.2017.5 .01.0000, Relator.: Morgana De Almeida Richa, Data de Julgamento: 20/2/2024, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 23/2/2024)”
Banco de horas e descontos em verbas rescisórias
“AGRAVO EM RECURSO DE REVISTA. REGIDO PELA LEI 13.467/17. DESCONTOS NAS VERBAS RESILITÓRIAS DO SALDO NEGATIVO DE BANCO DE HORAS. COMPENSAÇÃO PREVISTA EM NORMA COLETIVA. VALIDADE. TEMA 1.046 DO EMENTÁRIO DE REPERCUSSÃO GERAL. JULGAMENTO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DO ARE 1121633. DIREITO DISPONÍVEL. PREVALÊNCIA DA NORMA COLETIVA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA NA DECISÃO AGRAVADA . 1. Mediante a decisão monocrática agravada deu-se provimento ao recurso de revista interposto pela Reclamada para, reconhecendo a validade das normas coletivas, restabelecer a sentença, na qual julgado improcedente o pedido de restituição do desconto efetuado no TRCT, em observância à norma coletiva que autoriza compensação do saldo negativo de banco de horas com as verbas rescisórias. 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada em 02/06/2022, apreciou o Tema 1 .046 do ementário de repercussão geral e deu provimento ao recurso extraordinário (ARE 1121633) para fixar a seguinte tese: "São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis". Portanto, segundo o entendimento consagrado pelo STF, as cláusulas dos acordos e convenções coletivas de trabalho, nas quais previsto o afastamento ou limitação de direitos, devem ser integralmente cumpridas e respeitadas, salvo quando, segundo a teoria da adequação setorial negociada, afrontem direitos gravados com a nota da indisponibilidade absoluta. Embora não tenha definido o STF, no enunciado da Tese 1046, quais seriam os direitos absolutamente indisponíveis, é fato que eventuais restrições legais ao exercício da autonomia da vontade, no plano das relações privadas, encontram substrato no interesse público de proteção do núcleo essencial da dignidade humana ( CF, art. 1º, III), de que são exemplos a vinculação empregatícia formal (CTPS), a inscrição junto à Previdência Social, o pagamento de salário mínimo, a proteção à maternidade, o respeito às normas de proteção à saúde e segurança do trabalho, entre outras disposições minimamente essenciais . Nesse exato sentido, a Lei 13.467/2017 definiu, com clareza, conferindo a necessária segurança jurídica a esses negócios coletivos, quais seriam os direitos transacionáveis (art. 611-A da CLT) e quais estariam blindados ao procedimento negocial coletivo (art. 611-B da CLT) . Ao editar a Tese 1.046, a Suprema Corte examinou recurso extraordinário interposto em instante anterior ao advento da nova legislação, fixando, objetivamente, o veto à transação de "direitos absolutamente indisponíveis", entre os quais não se insere a compensação do saldo negativo de banco de horas com as verbas rescisórias. 3. Nesse cenário, a possibilidade de descontos nas verbas resilitórias de eventuais débitos de horas do empregado , quando prevista em norma coletiva, é plenamente válida e deve ser respeitada, sob pena de ofensa ao artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal . 4. A decisão agravada, portanto, encontra-se em consonância com a tese firmada pelo STF. Agravo não provido, com acréscimo de fundamentação. (TST - Ag-ED-RR: 01010043420205010032, Relator.: Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento: 22/4/2025, 5ª turma, Data de Publicação: 28/4/2025)”
PLR - Participação nos Lucros e Resultados
“I - AGRAVO. RITO SUMARÍSSIMO. LEI 13.467/17 . PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. PAGAMENTO PROPORCIONAL. TEMA 1046 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF. PROVIMENTO. Constata-se equívoco no exame do agravo de instrumento, razão pela qual necessário o provimento do agravo para melhor exame do apelo. Agravo a que se dá provimento. II - AGRAVO DE INSTRUMENTO . PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. PAGAMENTO PROPORCIONAL. TEMA 1046 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF . PROVIMENTO. Ante possível violação do artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal, o provimento do agravo de instrumento para o exame do recurso de revista é medida que se impõe. Agravo de instrumento a que se dá provimento. III - RECURSO DE REVISTA . PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. PAGAMENTO PROPORCIONAL. TEMA 1046 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF . PROVIMENTO. 1. Trata-se de controvérsia quanto à interpretação de norma coletiva que prevê o pagamento de participação nos lucros e resultados, à luz da decisão proferida no julgamento do Tema 1046 da Tabela de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal. 2 . No tocante à amplitude das negociações coletivas de trabalho, esta Justiça Especializada, em respeito ao artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal, tem o dever constitucional de incentivar e garantir o cumprimento das decisões tomadas a partir da autocomposição coletiva, desde que formalizadas nos limites constitucionais. 3. As normas autônomas oriundas de negociação coletiva devem prevalecer, em princípio, sobre o padrão heterônomo justrabalhista, já que a transação realizada em autocomposição privada é resultado de uma ampla discussão havida em um ambiente paritário, com presunção de comutatividade. 4 . Esse, inclusive, foi o entendimento firmado pelo excelso Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo 1.121.633, em regime de repercussão geral (Tema 1046), com a fixação da seguinte tese jurídica: "São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuem limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis". 5 . Importante realçar que as decisões proferidas pelo excelso Supremo Tribunal Federal em regime de repercussão geral, por força de sua natureza vinculante, mostram-se de observância obrigatória por parte dos demais órgãos do Poder Judiciário, que devem proceder à estrita aplicação de suas teses nos casos submetidos à sua apreciação, até mesmo para a preservação do princípio da segurança jurídica. 6. Não se desconhece que o entendimento prevalecente nessa Corte Superior é no sentido de que, na rescisão contratual antecipada, é devido o pagamento da parcela referente à participação nos lucros e resultados de forma proporcional aos meses trabalhados, pois o ex-empregado concorreu para os resultados positivos da empresa, conforme dispõe a Súmula nº 451. 7 . O entendimento preconizado no referido verbete sumular, contudo, por possuir natureza meramente persuasiva, deve ser interpretado em consonância com a tese fixada no Tema 1046. Precedentes. 10. Na hipótese , o Tribunal Regional manteve a sentença quanto à condenação do reclamado ao pagamento proporcional da participação nos lucros e resultados referente ao ano de 2022, por considerar inválida a norma coletiva que previu a exclusão do direito à percepção de tal verba aos empregados que pediram demissão . 11. Nesse contexto, o v. acórdão, ao determinar o pagamento da PLR proporcional ao reclamante, não observando a previsão contida na norma coletiva quanto ao tema, destoou do entendimento firmado pelo excelso Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo 1.121 .633, em regime de repercussão geral (Tema 1046). Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (TST - RR-Ag-AIRR: 01010350720225010025, Relator.: Jose Pedro De Camargo Rodrigues De Souza, Data de Julgamento: 27/11/2024, 8ª turma, Data de Publicação: 2/12/2024)”
Prevalência do negociado sobre o legislado
“Recurso extraordinário com agravo. Direito do Trabalho. Processo-paradigma da sistemática da repercussão geral. Tema 1 .046. 3. Validade de norma coletiva que limita ou restringe direito trabalhista. Matéria constitucional . Revisão da tese firmada nos temas 357 e 762. 4. Fixação de tese: “São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuem limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.” 5 . Recurso extraordinário provido. (STF - ARE: 1121633 GO, Relator.: GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 2/6/2022, Tribunal Pleno, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-s/n DIVULG 27-04-2023 PUBLIC 28/4/2023)”
Conclusão
A negociação coletiva não é apenas um instrumento de proteção trabalhista - é também uma poderosa alavanca de desenvolvimento empresarial. Em um cenário de rápidas mudanças econômicas e sociais, contar com acordos coletivos bem desenhados pode fazer a diferença entre sobreviver e prosperar. Mais do que nunca, saber negociar é parte essencial da boa gestão.