Nos últimos anos, milhares de consumidores - pessoas físicas e jurídicas - investiram em usinas de energia solar fotovoltaica para reduzir custos e tornar suas atividades mais sustentáveis. Além de gerar economia, o SCEE - sistema de compensação de créditos de energia elétrica, regulamentado pela lei 14.300/22, permitia que o excedente de energia fosse utilizado em outras unidades consumidoras de mesma titularidade, ainda que em endereços distintos.
Entretanto, em 2023, a ANEEL editou a RN 1.059, alterando as regras do jogo. Entre outras mudanças, passou a restringir a possibilidade de transferência de créditos para unidades diferentes daquela em que a energia foi gerada.
Essa alteração gerou enorme preocupação. Muitos consumidores que já haviam homologado seus projetos e investido valores expressivos em usinas fotovoltaicas se viram surpreendidos com a suspensão unilateral da compensação pela distribuidora de energia, o que fez com que contas de luz, antes reduzidas, voltassem a atingir valores altíssimos.
Direito adquirido e ato jurídico perfeito
O ponto central da controvérsia está na aplicação retroativa da nova resolução. Afinal, pode uma norma infralegal alterar contratos já firmados, comprometendo investimentos realizados sob regras anteriores?
A Constituição Federal (art. 5º, XXXVI) e a LINDB (art. 6º) são claras ao proteger o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, impedindo que mudanças normativas prejudiquem relações jurídicas consolidadas.
Assim, consumidores que implantaram seus sistemas e tiveram seus projetos homologados antes da alteração da resolução da ANEEL possuem expectativa legítima de manutenção das condições originais, não podendo ser surpreendidos com restrições impostas posteriormente.
A posição da Justiça
O Poder Judiciário tem reconhecido essa proteção. Em decisão recente, proferida nos autos do processo 5052471-94.2024.8.08.0024, a Justiça do Espírito Santo concedeu tutela de urgência para determinar que a concessionária restabelecesse o enquadramento de uma empresa, permitindo novamente a compensação de créditos em suas demais unidades consumidoras.
Na decisão, o magistrado destacou que a distribuidora não poderia aplicar de forma retroativa os critérios da nova resolução, sob pena de violar o direito adquirido, a segurança jurídica e a boa-fé objetiva. Além disso, ressaltou que a mudança unilateral compromete o equilíbrio financeiro do contrato e a própria sustentabilidade do investimento em energia limpa.
Por que isso importa?
Esse tema interessa diretamente a consumidores que:
- Possuem usinas de energia solar conectadas antes de 2023;
- Realizam compensação de créditos em mais de uma unidade consumidora;
- Foram surpreendidos pela suspensão unilateral dessa compensação;
- Estão enfrentando aumento significativo nas faturas de energia elétrica.
Nesses casos, há forte argumento jurídico para questionar a medida, já que a proteção ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido não pode ser relativizada por resoluções administrativas.
Conclusão
O avanço da energia solar no Brasil depende não apenas de investimentos privados, mas também de segurança jurídica. Alterações repentinas e retroativas comprometem a confiança dos consumidores e ameaçam a viabilidade de projetos que, além de econômicos, são ambientalmente sustentáveis.
A recente decisão proferida pela Justiça do Espírito Santo no processo 5052471-94.2024.8.08.0024 revela que há respaldo jurídico para garantir a continuidade da compensação de créditos em contratos firmados antes da resolução 1.059/23 da ANEEL, protegendo os consumidores contra mudanças unilaterais.