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FAQ: A sanabilidade de vícios processuais no STJ

A sanabilidade de vícios no STJ revela tensão entre primazia do mérito e rigor formal: vícios formais podem ser corrigidos, mas os substanciais seguem como filtros intransponíveis de acesso.

19/9/2025

A sanabilidade dos vícios processuais é questão de grande relevância prática na advocacia, sobretudo no âmbito dos recursos excepcionais dirigidos ao STJ.

O CPC de 2015 inovou ao privilegiar a primazia do julgamento de mérito e a instrumentalidade das formas, rompendo com uma tradição de excessivo formalismo.

Contudo, a aplicação desse princípio pela Corte Superior tem se mostrado seletiva, ou seja, admite-se a correção de falhas meramente formais, mas não se flexibilizam vícios de natureza substancial, ligados à própria estrutura dos pressupostos de admissibilidade.

A distinção entre vícios formais e substanciais

O ponto de partida é a diferenciação entre vícios formais e vícios substanciais. Os primeiros correspondem a irregularidades periféricas, que não comprometem a essência do ato processual e podem ser corrigidas sem prejuízo ao contraditório ou ao devido processo legal.

Já os vícios substanciais atingem diretamente requisitos essenciais de admissibilidade e, por isso, não admitem regularização posterior.

O próprio STJ, no enunciado administrativo 6, limitou a aplicação do art. 932, parágrafo único, c/c art. 1.029, § 3º, do CPC/15 às falhas de natureza estritamente formal.

Hipóteses reconhecidas de sanabilidade

A jurisprudência recente do STJ tem reconhecido algumas hipóteses em que a regularização posterior é possível.

Um exemplo frequente é a irregularidade de representação processual: no EDcl no AREsp 2.932.091/SP, rel. min. Herman Benjamin, admitiu-se a validade do recurso ao constatar que a procuração já estava nos autos digitais, afastando o rigor formal da exigência.

Outro caso refere-se ao preparo: no EDcl no AREsp 2.836.746/SP, também relatado pelo ministro Herman Benjamin, foi acolhida a juntada tardia do comprovante, diante de intimação considerada ambígua quanto ao modo de comprovação, em prestígio ao dever de cooperação.

Ainda, em matéria de erro material, o REsp 2.182.201/MG, rel. min. Francisco Falcão, concluiu que a equivocada indicação do Estado de Minas Gerais em lugar do Instituto Estadual de Florestas não comprometia a identificação da parte, configurando falha sanável.

Esses precedentes revelam que o Tribunal se mostra disposto a preservar o mérito quando a falha é meramente instrumental, inexistindo prejuízo à parte adversa.

Hipóteses de vícios insanáveis

Por outro lado, vícios considerados substanciais não são passíveis de correção.

A intempestividade é o exemplo paradigmático. No REsp 1.772.408/PR, rel. min. Raul Araújo, o STJ reafirmou que o prazo é requisito intransponível, insuscetível de flexibilização, salvo a comprovação tempestiva de feriado local ou suspensão dos prazos.

O entendimento segue a linha já adotada no REsp 1.165.828/RS, rel. min. Regina Helena Costa, em que se consolidou a noção de que o comparecimento espontâneo do advogado inicia a contagem do prazo recursal.

Em matéria de representação processual, ainda que o vício seja em regra sanável, a preclusão atua como limite. No EDcl no AREsp 2.732.701/RS, rel. min. Herman Benjamin, a tentativa de regularizar os poderes do advogado somente em sede de embargos foi rejeitada, por já ter havido intimação expressa para correção.

Situação semelhante ocorre com a ausência de impugnação específica: no EDcl no AREsp 2.973.739/SP, o mesmo relator não conheceu do agravo em recurso especial por falta de enfrentamento de fundamentos autônomos da decisão agravada, em estrita aplicação do art. 253 do Regimento Interno do STJ.

Outro vício insanável encontra-se nos embargos de divergência, quando não é juntado o inteiro teor dos acórdãos paradigmas. No EDcl nos EAREsp 2.562.385/RS, rel. min. Herman Benjamin, julgado em 30/8/2024, a ausência de peças indispensáveis levou ao indeferimento liminar.

A Corte Especial reforçou a tese no AgInt nos EAREsp 1.950.564/MS, rel. min. Nancy Andrighi, ao destacar que relatório, voto, ementa/acórdão e certidão de julgamento são documentos obrigatórios, sem os quais não se caracteriza o atendimento ao requisito técnico.

Percebe-se que a jurisprudência do STJ evidencia uma linha de coerência, ou seja, admite-se a regularização quando a falha é meramente instrumental e não compromete a estrutura do recurso; porém, rejeita-se qualquer tentativa de suprir defeitos substanciais, que constituem filtros de acesso à Corte.

É certo que, como corte de precedentes, o STJ não pode se converter em uma instância revisora ampla, sob pena de comprometer sua função uniformizadora e sobrecarregar-se de demandas incapazes de contribuir para a estabilização da jurisprudência.

Ao mesmo tempo, não pode adotar uma postura hermética, alheia à racionalidade cooperativa e substancial do CPC/15.

Uma vez mais, o estudo na sanabilidade de vícios processuais busca compreender como o Tribunal articula, em sua prática decisória, o binômio entre a abertura normativa do CPC/15 e a necessidade de filtragem institucional.

Manasses Lopes
Advogado e professor universitário. Especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília.

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