A regularização de bens, direitos e deveres deixados por um falecido é realizada por meio do procedimento de inventário e partilha, uma obrigação legal prevista nos arts. 1.796 do CC e 610 do CPC. Esse procedimento pode ser feito pela via judicial ou extrajudicial, em cartórios de registros de notas.
Para a efetivação da transferência desses bens aos herdeiros, o ITCMD - Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação é devido ao Estado. Sua apuração e pagamento são realizados em um procedimento específico perante o Fisco Estadual (Secretarias de Fazenda dos Estados da Federação).
Uma recente decisão do STF entendeu ser desnecessária a comprovação do pagamento do ITCMD em um determinado tipo de inventário, mas isso tem gerado dúvidas sobre a aplicabilidade e os limites desse entendimento.
Qual é esse procedimento, como fica a questão tributária (ITCMD), qual a forma de realização e quais são as vantagens dessa conduta são pontos que abordaremos abaixo.
Tipos de inventário: Judicial e Extrajudicial
No Brasil, o procedimento de inventário e partilha pode seguir duas vias:
- Inventário Judicial: Tramita perante o Judiciário e é obrigatório em casos de testamento, herdeiros menores ou incapazes, ou quando não há consenso entre os herdeiros.
- Inventário Extrajudicial: Realizado em Cartório de Notas por escritura pública, exige que todos os herdeiros sejam maiores, capazes e estejam em total acordo sobre a partilha. Essa modalidade é prevista no art. 610, § 1º, do CPC/15 e regulamentada pela resolução CNJ 35/07.
Trata-se de dois caminhos para se alcançar o mesmo objetivo: realizar o procedimento de inventário, apurando os direitos e deveres deixados pelo falecido e partilhando aos herdeiros o saldo positivo dessa equação. A diferença básica se relaciona com o órgão onde será instaurado e tramitará o procedimento, sem em cartório ou perante o Poder Judiciário.
Dentro do inventário judicial, existe uma subespécie chamada arrolamento, que pode ser realizado pelo rito sumário ou comum (também conhecido como sumaríssimo).
É importante ressaltar que o arrolamento é um procedimento exclusivamente judicial.
Procedimento tributário: Apuração, recolhimento e quitação do ITCMD
Paralelamente ao procedimento de inventário e partilha há necessidade de instaurar perante a fazenda estadual um procedimento administrativo para apurar e pagar o imposto (ITCMD).
Neste procedimento o contribuinte deve declarar todos os bens, direitos com valor econômico e dividas, bem como calcular o imposto de acordo com a alíquota, emitir e pagar o documento de arrecadação.
Em caso de inventário negativo (sem bens a partilhar ou sem saldo positivo na herança) ou de isenção tributária, a declaração deve ocorrer da mesma forma, não havendo o pagamento prévio do tributo.
Em ambas as hipóteses de declaração, a Fazenda fará a sua revisão, podendo pedir complementos, restituir excessos ou homologar o pagamento, emitindo a respectiva certidão de pagamento ou desoneração.
Vejamos um quadro esquemático ilustrando a estrutura procedimental dos dois procedimentos (1. Procedimento de Inventário e 2. Partilha e Procedimento Tributário):
As decisões judiciais sobre o ITCMD no arrolamento sumário
A decisão do STF na ADI 5.894/DF reconheceu a constitucionalidade da dispensa do recolhimento prévio do ITCMD no arrolamento sumário judicial.
O STJ já havia firmado o entendimento de que a homologação da partilha e a expedição do formal de partilha não se condicionam ao prévio recolhimento do ITCMD no procedimento de arrolamento sumário.
Vejamos um breve comparativo das decisões, que são complementares:
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Tribunal |
Processo |
Decisão Principal (ITCMD) |
Aplicação |
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STJ |
Resp 1.896.526/DF (Tema 1.074 de Recursos Repetitivos) |
A homologação da partilha e a expedição do formal de partilha **não se condicionam ao prévio recolhimento do ITCMD**. O imposto será apurado e cobrado na esfera administrativa após o processo judicial. |
Exclusivamente ao arrolamento sumário judicial. |
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STF |
ADI 5.894/DF |
Julgou improcedente a ação, confirmando a constitucionalidade da dispensa do recolhimento prévio do ITCMD no arrolamento sumário judicial, chancelando o entendimento do STJ. |
Exclusivamente ao arrolamento sumário judicial. |
O fundamento dessas decisões é a literalidade da norma processual (art. 659, § 2º, do CPC/15) aliada à busca pela celeridade processual, evitando que a discussão fiscal atrase a conclusão do inventário judicial simplificado.
A regra para o inventário extrajudicial: ITCMD ainda exigido para lavratura da escritura e registro
É fundamental compreender que as decisões do STJ e STF mencionadas NÃO se aplicam aos inventários extrajudiciais realizados em cartório. A razão é que esses procedimentos são regidos por normas específicas, como a resolução CNJ 35/07, que regulamenta a prática notarial, ao passo que a previsão de desvinculação da homologação da partilha é norma de direito processual aplicável a processos judiciais.
A resolução CNJ 35/07 exige a comprovação do recolhimento e desoneração do ITCMD para a efetivação da transferência dos bens. O art. 15 é categórico nesse sentido, vejamos:
Art. 15, resolução CNJ 35/07
"A escritura pública de inventário e partilha, para fins de registro e averbação, deverá ser acompanhada da prova do recolhimento do ITCMD - Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação ou da declaração de sua isenção, conforme a legislação tributária estadual."
Isso significa que, no inventário extrajudicial, a comprovação do pagamento ou parcelamento do ITCMD é indispensável para a lavratura da escritura pública e o respectivo registro de transferência dos bens.
O imposto é sempre devido
Independentemente da modalidade de inventário, o ITCMD é um imposto devido ao Estado. A diferença está apenas no momento em que sua comprovação é exigida para a conclusão de determinadas etapas do processo. A dispensa do recolhimento prévio no arrolamento sumário judicial não significa isenção; o imposto será cobrado posteriormente pela Fazenda Pública.
Vantagens e desvantagens dos diferentes tipos de inventário
A escolha da via mais adequada para o inventário e partilha envolve a análise de diversos fatores, incluindo a complexidade do caso, o consenso entre os herdeiros e, claro, os custos e o tempo envolvidos. Abaixo, apresentamos um comparativo - não exaustivo - das principais vantagens e desvantagens de cada modalidade:
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Modalidade |
Vantagens |
Desvantagens |
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Inventário Judicial Litigioso |
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Inventário Judicial Arrolamento Sumário |
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Inventário Extrajudicial |
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Conclusão: A importância da orientação profissional
Para quem busca agilidade e simplicidade no inventário, a via extrajudicial é uma excelente opção, mas não é a única.
O rito de arrolamento sumário pode, em alguns casos, apresentar uma celeridade inicial maior por desvincular a homologação judicial do pagamento prévio do ITCMD. Contudo, é essencial estar ciente de que, tanto na via judicial quanto na extrajudicial, a comprovação do pagamento do ITCMD continua sendo um requisito para o registro e a averbação dos bens. Desta forma, a celeridade procedimental nem sempre corresponde à regularização efetiva e imediata da situação.
A complexidade das regras fiscais e processuais exige a orientação de um advogado especializado em direito de família e sucessões. Esse profissional poderá indicar o caminho mais adequado para cada caso, garantindo que a regularização da herança ocorra de forma eficiente, segura e em conformidade com a legislação vigente.