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Agronegócio: Entre a safra recorde e o passivo oculto. A bússola jurídica para a sustentabilidade do setor

Os riscos ocultos do agronegócio e a consultoria jurídica como pilar da sustentabilidade e proteção empresarial.

25/9/2025

Introdução

O agronegócio é, inegavelmente, a grande locomotiva da economia brasileira, um setor de superlativos que alimenta o mundo e sustenta o nosso desenvolvimento. Contudo, sob a superfície de colheitas recordes e tecnologia de ponta, reside um ecossistema de complexidades e riscos que, se ignorados, podem transformar o sonho do lucro em um intrincado passivo jurídico e humano. A visão romântica da fazenda como um universo à parte, regido por leis próprias e pelo "fio do bigode", já não encontra amparo na realidade. A empresa rural moderna é uma organização complexa, sujeita a uma teia de regulamentações trabalhistas, ambientais, tributárias e contratuais. Nesse cenário, a consultoria jurídica empresarial deixa de ser um luxo para se tornar um instrumento vital de gestão, uma verdadeira bússola que aponta para a segurança, a perenidade e, sobretudo, a humanidade do negócio.

1. O campo minado da atividade rural: Mapeando riscos e cultivando a prevenção

A atividade empresarial no campo opera sobre um terreno fértil não apenas para a produção de alimentos, mas também para o surgimento de litígios. Os riscos são multifacetados e demandam um olhar especializado e proativo. No âmbito trabalhista, as particularidades do trabalho rural, regulado pela lei 5.889/73 e pela NR-31 - Norma Regulamentadora 31, criam zonas de incerteza que são frequentemente judicializadas. Questões como jornada de trabalho, horas in itinere, intervalos, alojamento, alimentação e o uso de equipamentos de proteção são fontes constantes de passivos que podem corroer a saúde financeira da empresa.

Além disso, a linha tênue entre diferentes modalidades de contratos, como parceria, arrendamento e contrato de safra, exige uma formalização impecável para evitar a descaracterização e o reconhecimento de vínculos empregatícios onerosos. Como bem nos lembra a máxima jurídica, "o direito não socorre aos que dormem" (dormientibus non succurrit jus). A negligência na gestão de pessoas e na formalização de contratos é um convite ao litígio.

No campo ambiental, a responsabilidade é ainda mais severa. A legislação brasileira impõe ao produtor rural o dever de preservar áreas de reserva legal e de preservação permanente, além de exigir licenciamentos para diversas atividades. O dano ambiental acarreta uma tríplice responsabilidade - civil, administrativa e penal -, cujas consequências podem inviabilizar a continuidade da própria atividade.

Uma gestão jurídica forte e atuante não espera o problema emergir; ela o antecipa. Ela atua na elaboração de contratos blindados, na implementação de programas de compliance trabalhista e ambiental, e no treinamento de gestores e colaboradores. Investir em uma consultoria qualificada é, portanto, um ato de inteligência estratégica, que protege o patrimônio do empresário e garante a sustentabilidade econômica do negócio a longo prazo (FURLAN, 2020).

2. Além da porteira: A dimensão humana e a função social da empresa rural

Uma empresa não é apenas um CNPJ; é um organismo vivo, composto por pessoas. A CF/88, em seu art. 170, estabelece que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano e tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. A empresa, portanto, possui uma função social que transcende a busca pelo lucro. No agronegócio, essa função ganha contornos ainda mais nítidos.

O trabalho no campo, muitas vezes realizado em condições de isolamento e sob intensa pressão física e climática, impõe um pesado fardo à saúde do trabalhador. Contudo, a preocupação com a saúde não pode se limitar ao corpo. A saúde mental, por muito tempo um tabu, emerge como um fator crítico para um ambiente de trabalho digno e produtivo. A ansiedade gerada pela instabilidade, a pressão por metas e a distância dos centros urbanos e de redes de apoio podem levar a quadros de esgotamento (burnout), depressão e outros transtornos.

É imperativo que a gestão da empresa rural enxergue a saúde, em sua integralidade, como um ativo estratégico. Isso se traduz em ações concretas: oferecer condições de trabalho seguras, promover um ambiente de respeito e diálogo, garantir pausas adequadas e, quando possível, facilitar o acesso a apoio psicológico. Cuidar do colaborador não é apenas uma obrigação legal, mas a base para construir equipes engajadas, reduzir o absenteísmo (turnover) e, consequentemente, aumentar a produtividade.

Essa preocupação, vale ressaltar, deve ser estendida ao próprio empresário e aos gestores. O peso da responsabilidade, a gestão de riscos climáticos, mercadológicos e jurídicos, gera um estresse contínuo que também adoece. Uma assessoria jurídica eficiente atua como um pilar de sustentação, oferecendo a segurança e a tranquilidade necessárias para que o gestor possa focar naquilo que faz de melhor: produzir. Ao mitigar os riscos legais, a consultoria protege não só a saúde financeira da empresa, mas também a saúde mental de quem a lidera. Como adverte Sarlet (2015, p. 78), "a dignidade da pessoa humana" é um princípio que irradia seus efeitos sobre toda a ordem jurídica, impondo um dever de cuidado que é a base para a construção de uma sociedade mais justa e saudável.

Considerações finais

O agronegócio brasileiro está em uma encruzilhada: pode seguir o caminho do crescimento a qualquer custo, ignorando os passivos humanos e legais que se acumulam sob o solo, ou pode escolher a via da sustentabilidade, da governança e da responsabilidade. A segunda opção, sem dúvida, é a mais sólida e promissora.

A advocacia empresarial preventiva surge como a ferramenta essencial para essa transição. Ela permite que a empresa rural se estruture e se organize não apenas para evitar riscos, mas para prosperar com segurança jurídica, econômica e humana. Enxergar o trabalho com olhos de propulsor de dignidade e a empresa como um agente de transformação social não é utopia, mas uma visão estratégica alinhada aos valores de uma sociedade que anseia por mais equidade. Ao investir em uma gestão jurídica qualificada, o empresário do agronegócio não está apenas contratando um serviço; está semeando o futuro, cultivando um legado de prosperidade, respeito e dignidade que se estenderá muito além da próxima colheita.

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

FURLAN, Valéria. Compliance no Agronegócio. 1. ed. São Paulo: Editora D'Plácido, 2020.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.

SCAFF, Fernando Campos. Direito Agrário. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2019.

Andréa Arruda Vaz
Advogada, pesquisadora e escritora, Doutora e Mestre em Direito Constitucional.

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