A recente decisão do STF na ADI 7.265, que questionou dispositivos da lei 14.454/22 (conhecida como "lei do rol exemplificativo"), representa um retrocesso significativo no direito à saúde suplementar no Brasil.
O julgamento, apesar de declarar constitucionalidade da lei, estabeleceu critérios restritivos criando barreiras antes inexistentes para o acesso a tratamentos médicos, prejudicando diretamente os beneficiários de planos de saúde.
O STF determinou que, ainda que a lei seja constitucional, para que o plano de saúde seja obrigado a custear tratamentos fora do rol da ANS, o referido procedimento deve preencher 5 requisitos cumulativamente:
- Tratamento deve ser prescrito por médico ou odontólogo assistente;
- Tratamento não pode ter sido expressamente negado pela ANS nem estar pendente de análise para sua inclusão no rol;
- Deve haver alternativa terapêutica adequada no rol da ANS;
- Tratamento deve ter comprovação científica de eficácia e segurança;
- Tratamento deve ser registrado na Anvisa - Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Não satisfeito, além dos requisitos cima mencionados, o STF determinou que também deve ser verificado se houve pedido prévio ao plano de saúde, se já houve indeferimento de incorporação no rol pela ANS, enviar caso para o NATJUS e esperar o seu parecer e oficiar ANS
Um retrocesso para os beneficiários
Contrariando a proteção anteriormente consolidada na jurisprudência, o STF criou obstáculos significativos para o acesso a tratamentos.
Antes da decisão, bastava que o procedimento tivesse comprovação científica baseada em medicina baseada em evidências para que fosse assegurada sua cobertura pelos planos de saúde. Agora, mesmo com evidência científica robusta, o beneficiário enfrenta cinco requisitos cumulativos que funcionam como verdadeiras barreiras burocráticas.
A decisão ignora que a medicina baseada em evidências já constitui critério científico suficiente e consolidado internacionalmente para validar tratamentos. Ao exigir adicionalmente "registro na Anvisa" e "inexistência de alternativa no rol", a Corte criou empecilhos que frequentemente impedirão o acesso a terapias inovadoras e personalizadas, especialmente em casos de doenças raras ou tratamentos de ponta.
O comprometimento da autonomia médica
Uma das mudanças mais preocupantes da decisão refere-se ao significativo comprometimento da autonomia médica. O STF estabeleceu que os magistrados devem consultar obrigatoriamente o NATJUS - Núcleo de Apoio Técnico do Judiciário antes de decidir sobre procedimentos não incluídos no rol, efetivamente subordinando a avaliação médica individual a pareceres padronizados de profissionais que não conhecem o paciente e os quais não podem ser impugnados, visto que não se tem conhecimento que médico do NATJUS está avaliando aquele caso, se é especialista ou não, se está vinculado ao plano de saúde ou não.
E tem mais, o NATJUS avalia APENAS documentações, muitas vezes o médico assistente que acompanha o paciente há 5, 7, 10 anos está observando sinais clínicos, sinais esses que o medico do NATJUS não terá acesso visto que sequer há uma perícia presencial.
Esta vinculação representa um retrocesso na relação médico-paciente. O parecer do NATJUS, elaborado por médicos frequentemente vinculados a planos de saúde e sem contato direto com o caso clínico específico, passa a ter peso superior ao do médico assistente que acompanha o paciente e conhece suas particularidades clínicas.
Os prazos para obtenção desses pareceres, que deveriam ser de 5 dias, na prática estendem-se por 30, 60 dias ou mais, comprometendo tratamentos urgentes.
Impacto negativo na prática médica
Para os profissionais do direito da saúde e beneficiários, o cenário tornou-se significativamente mais adverso. A complexidade burocrática imposta pela decisão beneficia exclusivamente as operadoras, que agora dispõem de argumentos jurisprudenciais para negar coberturas que antes eram facilmente asseguradas.
O ônus da prova tornou-se desproporcional e muitas vezes impossível de ser cumprido pelos beneficiários, especialmente em tratamentos inovadores que ainda não possuem registro específico na Anvisa, mas já demonstraram eficácia em estudos internacionais de alto nível.
A realidade econômica ignorada
Enquanto os beneficiários enfrentam maiores dificuldades de acesso, as operadoras registraram lucro líquido de R$ 11,1 bilhões em 2024, demonstrando que a alegada "crise financeira" utilizada para justificar restrições não condiz com a realidade econômica do setor. A decisão do STF, na prática, chancela um modelo que prioriza a sustentabilidade econômica das empresas em detrimento do direito constitucional à saúde.
Reflexos prejudiciais na judicialização
A decisão não apenas mantém a judicialização da saúde suplementar, mas a torna significativamente mais penosa para os beneficiários. Os processos judiciais passarão a exigir comprovações burocráticas que frequentemente serão impossíveis de obter, especialmente em casos urgentes ou tratamentos inovadores.
O estabelecimento da obrigatoriedade de consulta ao NATJUS representa talvez o maior retrocesso da decisão. Magistrados que anteriormente podiam decidir com base na evidência científica apresentada pelo médico assistente agora ficam vinculados a pareceres de profissionais que não conhecem o caso específico e, frequentemente, possuem vínculos com as próprias operadoras que se pretende responsabilizar.
O compromisso da advocacia especializada
Diante deste cenário adverso, torna-se imperativo que a advocacia especializada em direito da saúde se posicione com maior técnica, estratégia e expertise. Não podemos aceitar passivamente que planos de saúde determinem unilateralmente quem merece ou não tratamento. Quando um médico prescreve o melhor tratamento disponível, nossa obrigação profissional é lutar por sua efetivação, independentemente de sua inclusão formal no rol da ANS.
A vida e a dignidade humana devem vir sempre em primeiro lugar. Por isso, nosso escritório está preparado para enfrentar esta nova fase com determinação inabalável, utilizando todos os recursos técnicos e jurídicos disponíveis para garantir que o direito fundamental à saúde seja respeitado.
Direito da saúde não se negocia: se cumpre.