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Como provar a existência de bens após protetivas de afastamento do lar?

A prova dos bens após o afastamento do lar por medida protetiva é difícil e pode gerar prejuízos irreparáveis ao homem, exigindo atualização na lei Maria da Penha.

17/10/2025

1. Introdução

A aplicação de medidas protetivas de urgência, notadamente a de afastamento do lar, impõe efeitos imediatos e profundos na vida do homem que a sofre. Dentre as várias consequências, destaca-se a dificuldade - ou mesmo impossibilidade - de se provar a existência dos bens que guarneciam o imóvel comum no momento de sua expulsão do lar comum. A ausência de previsão legal para preservar a memória do acervo doméstico propicia injustiças irreversíveis e abre espaço para desvios de conduta, como a ocultação, destruição ou alienação de bens por parte da suposta vítima após o cumprimento do mandado de afastamento do lar. Diante disso, este ensaio propõe uma reflexão crítica sobre o tema e a necessidade de uma reforma legislativa pontual.

2. O problema da prova dos bens após o afastamento imediato do homem

O cumprimento de mandado de afastamento do lar costuma ocorrer com celeridade extrema. O homem, pego de surpresa e desprevenido, tem que deixar o imóvel imediatamente, muitas vezes com as roupas do corpo. Essa urgência, ainda que compreensível em casos de risco real, impede qualquer iniciativa de registro ou retirada de pertences. A partir desse momento, o acervo mobiliário e demais pertences permanecem sob a posse exclusiva da suposta vítima, criando um cenário de vulnerabilidade jurídica para aquele que foi afastado.

3. A posse exclusiva e o risco de dilapidação dos bens

Após o afastamento, a suposta vítima permanece no imóvel, usufruindo de todo o seu conteúdo. Há inúmeros relatos de situações em que bens comuns foram vendidos, extraviados ou transferidos de endereço sem qualquer prestação de contas. Como o homem não teve a chance de registrar o que havia no imóvel antes da sua expulsão, a prova dos bens torna-se extremamente difícil, na maioria dos casos, impossível. O resultado é que ele perde não só o acesso ao imóvel, mas também ao patrimônio que nele estava contido.

4. A falta de notas fiscais e documentação dos bens

A exigência de que o homem, expulso às pressas do próprio lar, apresente notas fiscais ou registros do que havia no imóvel revela-se absurda e descolada da realidade. Na maioria dos lares brasileiros, móveis e utensílios são adquiridos ao longo do tempo, muitas vezes sem documentação ou em condições informais. Pretender que ele, no momento de sua retirada, tenha a frieza de documentar bens ou de exigir provas seria penalizá-lo duplamente por um fato que sequer teve a chance de contestar com antecedência.

5. Proposta de atualização legislativa: Inventário obrigatório

Diante da grave lacuna legal, é necessária a inclusão, na lei Maria da Penha, de um dispositivo que obrigue o Oficial de Justiça responsável pelo cumprimento do mandado de afastamento a realizar, por fotos e vídeos, um inventário dos bens presentes no imóvel no momento da diligência. Isso não apenas protegerá ambas as partes contra futuras disputas, como também trará transparência e segurança jurídica ao procedimento. O custo dessa medida é inexistente.

6. Inversão do ônus da prova: Quando o Estado falha

Na hipótese de o oficial de justiça não cumprir essa função documental, e caso também a suposta vítima, que permaneceu no imóvel, não o tenha feito, é justo que se opere a inversão do ônus da prova. Ou seja, caberá à suposta vítima, por estar em posse exclusiva do imóvel e ter tido tempo suficiente, demonstrar o que havia ou não no local. Se não o fizer, deverá responder pelos bens que forem reivindicados e declarados pelo homem, presumindo-se verdadeira sua declaração.

Ao conceder medidas protetivas sem contraditório prévio, o sistema já impõe ao homem uma grave restrição. Se, além disso, ele for impedido de acessar seus bens ou mesmo de prová-los, o Estado compactuará com a possibilidade de abuso e enriquecimento ilícito. Proteger a mulher não pode significar punir, injustamente, o homem com a perda de seu patrimônio ou criação de situações nas quais seja impossível o homem provar quais os bens que se encontravam no imóvel no momento do cumprimento de mandado de expulsão do lar. A justiça, para ser justa, precisa ser equilibrada.

7. Conclusão

A atual sistemática das medidas protetivas de afastamento do lar, embora importante para a proteção da mulher em casos de risco real, precisa ser aprimorada para evitar abusos e injustiças. A ausência de mecanismos para registro dos bens existentes no imóvel no momento do cumprimento de mandado de afastamento do lar cria uma zona de sombra legal que favorece condutas ilícitas e inviabiliza a futura recomposição do patrimônio. Por isso, propõe-se a obrigatoriedade de inventário audiovisual realizado pelo Oficial de Justiça quando cumprir o mandado judicial, ou, em sua ausência, a inversão do ônus da prova em desfavor da parte que permaneceu no imóvel. Esta é uma medida de justiça, equilíbrio e coerência constitucional.

Júlio Cesar Konkowski da Silva
Advogado especializado na defesa na LEI MARIA DA PENHA e em MEDIDAS PROTETIVAS, com atuação em todo o Brasil.

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