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O papel do STJ como balizador para um crescimento saudável do setor de seguros no Brasil

Segurança jurídica e precedentes do STJ são essenciais para o crescimento sólido e confiável do mercado de seguros no Brasil.

1/10/2025

O presente artigo tem por objetivo abordar um tema de extrema importância para o setor de seguros, qual seja, a questão da segurança jurídica.

A relevância do assunto se dá por uma questão lógica: O mercado de seguros depende, necessariamente, de riscos premeditados para o seu funcionamento regular .

Como se sabe, o risco, inerente ao contrato de seguro, deve ser previsível, calculado, ou, ao menos, estimado. 

Do ponto de vista estatístico, ele está relacionado, diretamente à variância, volatilidade e à variação do que daquilo se espera. 

Nessa linha, o risco nem sempre é negativo, mas ele deve, necessariamente, ser esperado. 

Assim, defende-se que para se entender o risco deve-se avaliar, especialmente, quatro pontos característicos: Sua natureza, a probabilidade de sua ocorrência, as características da população que está exposta a ele e a magnitude de suas consequências.

Assim, em que se pese de tratar de um contrato aleatório,  que tem, por elemento essencial, a existência de acontecimentos incertos, que independem da vontade das partes, para a fixação do cálculo atuarial,  é fundamental que as partes saibam, previamente, quais riscos encontram-se efetivamente cobertos e qual o valor do prêmio a ser recebido. 

E, diga-se, essa previsão é uma garantia para ambas as partes, já que visa não só possibilitar a ciência prévia dos custos, mas também proteger o segurado do risco de uma insolvência.

Sobre a área característica do contrato de seguro, Rúben Stinglitz disserta: 

“(...) cabe señalar que no deve confundirse la aleatoriedade del seguro con el contrato de seguro. El primero, visualizado em su concepciõn técnica, requiere para su explotación comercial y sua Administración de una empresa cuya función consiste en aliminar o diminuir las consecuencias del azar. En cambio, el contrato de seguro, por esencia, consituye un contrato aleatório, al que es inherente el azar. Y el modo de eliminar los efectos derivados del alea se alcanza mediante el agrupamento de una multitud o mutualidad de assegurados que contribuírán proporcionalmente con cada uma de sus respectivas cotizaciones o premios a un fondo común de una misma empresa. De dicho fondo se extrerán las sumas de dinero com las que se afrontarán los siniestros, en beneficio de los integrantes de la mutualidade.”

Deve ser possível, então, para a garantia do setor de seguro, que se saiba, de forma antecipada, quais são os riscos segurados e qual a massa de usuários que estaria coberta por esses riscos. É imprescindível, para a precificação do seguro, que seja possível se estimar os riscos, viabilizando-se um cálculo atuarial consistente, em especial diante dos longínquos prazos que se aplicam para este tipo de contrato. 

O problema está justamente aqui. A judicialização massiva das relações securitárias vem gerando grave instabilidade no setor como um todo, provocando insegurança e fragilizando o mercado de seguros.

Dados do CNJ demonstram que, atualmente, tramitam mais de 400 mil processos em todo o país envolvendo o setor securitário. E a tendência ainda é de crescimento dessa judicialização. 

Nessa linha ganha relevância a nova lei 15.040, de 2024, que instituiu o ‘Marco Legal dos Seguros’. A lei teve origem no PL 2.597, de 2024, de autoria do ex-deputado federal José Eduardo Cardoso. 

A nova lei nasce como marco para o setor de seguros, visando garantir-se, de um lado, o direito dos segurados, que hoje tanto se discute, mas, de outro também, a delimitação concreta das obrigações das seguradoras, criando-se um ambiente saudável para o pleno funcionamento, organização e crescimento do mercado segurador. 

Apesar do grande avanço, ao  nosso ver, na sua promulgação, a interpretação que será conferida às novas normas é de extrema relevância e merece grande prudência por parte de todos os envolvidos. 

Neste período, de acomodação do novo regramento jurídico, o papel do STJ, na qualidade de guardião das regras infraconstitucionais, ganha ainda mais relevância que o habitual. Caberá, assim, à Corte Superior pacificar o entendimento e as controvérsias surgidas a partir da nova lei, em consideração às peculiaridades e especificidades do setor.

Esse papel, inclusive, já vem sendo feito em diversos julgamentos de grande relevância, tais como o do ROL DA ANS, os julgamentos sobre o agravamento de risco nos seguros de vida e de automóvel, sobre as regras especiais nos Contratos Coletivos, entre tantos outros. Entretanto, em relação à nova lei, a atuação da Corte terá especial relevância, seja pelos impactos, seja pelo vácuo de regulação hoje vigente. 

Como se sabe, o já não tão novo CPC/15 buscou reforçar e ampliar o chamado sistema de precedentes no Brasil. Dentre os inúmeros institutos trazidos pelo CPC, ressalta-se a possibilidade de julgamento pela improcedência liminar do pedido, a viabilidade de concessão de tutela antecipada, o julgamento parcial e os entraves restritivos de recurso, demonstrando uma verdadeira tentativa do legislador ordinário de conferir estabilidade à jurisprudência. 

Com o novo Código, portanto, o precedente ganhou considerável relevância, passando a ser entendido pela maioria da doutrina como fonte primária do direito, vinculado à própria norma. 

A ideia precípua é criar uma regra abstrata, aplicável aos casos futuros que versem sobre a mesma matéria. Como disserta Taruffo “O precedente fornece uma regra (‘universalizável’, como se disse) que pode ser aplicada como critério de decisão no caso sucessivo em função da identidade ou, como acontece em regra, da analogia entre os fatos do primeiro caso e os fatos do segundo caso. Naturalmente, a analogia das duas fattispecie concretas não é determinada in re ipsa, mas é afirmada ou excluída pelo juiz do caso sucessivo conforme este considere prevalentes os elementos de identidade ou os elementos de diferença entre os dois casos. É, portanto, o juiz do caso sucessivo que estabelece se existe ou não existe o procedente e desta forma - por assim dizer - ‘cria’ o precedente.”.

Nessa linha, o papel das Cortes Superiores passou a ter cada vez mais destaque, em especial nos julgamentos pelo rito dos recursos repetitivos e de repercussão geral, diante do caráter vinculante da tese fixada, em observância estrita aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da segurança jurídica, que, conforme lição de Humberto Ávila, deve ser compreendida como cognoscibilidade, confiabilidade, calculabilidade e efetividade do Direito. 

Cabe, então, ao processo civil propiciar dois papeis fundamentais, o da prolação de uma decisão justa para o caso concreto e o de “formação e respeito ao precedente judicial para a sociedade como um todo”. 

E essa será exatamente a fundação precípua do STJ nessa fase de implementação da nova lei: o de ser um garantidor da justiça e um formador inveterado de precedentes justos e formados diante de uma participação ampla da sociedade.  

Neste momento, então, de “assentamento” do entendimento jurisprudencial sobre o novo Marco Legal dos Seguros, espera-se do STJ uma atitude ainda mais proativa, como pacificador dos futuros conflitos, mas também como um balizador da conduta para a estabilidade do sistema de seguros. 

E vale sempre lembrar que, conforme palavras de Vera Helena de Mello Franco, “o risco não se transfere para a seguradora. A seguradora não assume o risco, já que isto daria lugar a um novo risco, a saber: o da insolvência da seguradora. Ela apenas garante que as consequências do eventual sinistro (ocorrência do risco) que se quer evitar serão compensadas economicamente. A sua prestação é uma prestação de segurança, de garantia.” 

Com um cenário mais seguro e confiável, acredita-se que o mercado de seguros no Brasil só tende a expandir e a se modernizar. A coibição aos atos de fraudes, os investimentos e a celeridade nos processos internos, a delimitação precisa de riscos, a clareza quanto às nulidades contratuais e outros, a nosso ver, tendem somente a estimular ainda mais o crescimento e avanço sustentável de todo o sistema de seguros no país, viabilizando investimentos externos e ampliando a competição no setor.

Ana Tereza Basilio
Sócia fundadora do Basilio Advogados. Foi juíza do TRE-RJ, de dezembro de 2010 a julho de 2015. Presidente da OAB-RJ, eleita para o triênio 2025 - 2027.

Paula Menna Barreto Marques
Doutoranda em Direito pelo IDP. Mestre em Direito Processual pela UERJ. Stage Internacional - Ecole de Formation Professionnelle des Barreaux de la Cour D'Appel de Paris (EFB). Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela PUC-Rio. Sócia do Basilio Advogados.

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