Migalhas de Peso

Notificação por edital no processo sancionador: Tema 1.329/STJ

STJ decidirá sobre notificação por edital em processos ambientais: quando a Administração conhece o endereço, pode usar edital para alegações finais? Tema afeta todo direito sancionador.

1/10/2025

Introdução

O STJ afetou recentemente ao rito dos recursos repetitivos uma questão de fundamental importância para o direito administrativo sancionador brasileiro. O Tema 1.329 busca definir se, no processo administrativo para imposição de sanções por infração ao meio ambiente, regulado pelo decreto 6.514/08, é válida a intimação por edital para a apresentação de alegações finais, mesmo nos casos em que o autuado possui endereço certo e conhecido pela Administração.

A controvérsia, embora tenha origem em processos administrativos ambientais, transcende essa seara específica e alcança todo o espectro do direito sancionador administrativo, incluindo especialmente o âmbito regulatório, em que as sanções administrativas frequentemente superam, em valores monetários, as próprias penas criminais, tornando a seara administrativa muito mais punitiva do que a própria seara criminal.

O contexto da controvérsia

A questão chegou ao STJ através dos REsps 2.154.295/RS e 2.163.058/SC, nos quais o ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e particulares divergem sobre a legalidade da notificação por edital para apresentação de alegações finais em processos administrativos ambientais.

O cerne da discussão reside na interpretação sistemática entre o art. 122 do decreto 6.514/08, que em sua redação original previa a notificação por edital, e os dispositivos da lei 9.784/1999, que estabelece as normas gerais do processo administrativo federal, especialmente seu art. 26, que determina que as intimações devem ser realizadas por meio que "assegure a certeza da ciência do interessado", reservando o edital apenas para casos de "interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido".

A importância das alegações finais no processo administrativo sancionador

Observa Talden Farias1 que as alegações finais constituem o último procedimento da instrução processual antes de a autoridade prolatar a decisão, configurando-se como instituto de existência autônoma em relação à primeira defesa e ao recurso no processo administrativo. Essa autonomia ganha especial relevância quando consideramos que, diferentemente do processo judicial, no processo administrativo federal não se aplicam os efeitos da revelia, conforme art. 27 da lei 9.784/1999.

Isso significa que, mesmo que o interessado não tenha apresentado defesa inicial, ele pode discutir todas as matérias nas alegações finais, o que torna este momento processual ainda mais crucial para a garantia do contraditório e da ampla defesa. A fase de apresentação das alegações finais é, portanto, um dos procedimentos mais relevantes do processo administrativo sancionador, seja na seara ambiental ou em qualquer outra.

Um aspecto fundamental que reforça a necessidade de rigorosa observância das garantias processuais no âmbito administrativo sancionador ambiental decorre do próprio art. 79 da lei 9.605/1998, que estabelece expressamente: "Aplicam-se subsidiariamente a esta lei as disposições do CP e do CPP". Esta norma não constitui mera formalidade legislativa, mas reconhece a natureza essencialmente punitiva das sanções administrativas ambientais, equiparando-as, em termos de garantias processuais, às sanções criminais. No processo penal, é absolutamente indispensável a apresentação de alegações finais, constituindo nulidade absoluta sua ausência, conforme consolidado entendimento jurisprudencial e previsão expressa do art. 403, do CPP, que determina que o juiz, após a instrução, abrirá prazo sucessivo para as partes apresentarem memoriais.

ratio desta exigência reside no reconhecimento de que, antes da decisão sancionatória, o acusado deve ter a oportunidade de analisar todo o conjunto probatório produzido e apresentar sua síntese defensiva final. Se no processo penal, onde existe a possibilidade de defesa técnica obrigatória, as alegações finais são indispensáveis, com maior razão devem sê-lo no processo administrativo sancionador, onde frequentemente o administrado se defende sem assistência técnica e enfrenta sanções que, não raro, superam em gravidade econômica as próprias penas criminais. A aplicação subsidiária do CPP ao processo administrativo ambiental impõe, portanto, não apenas a oportunidade de apresentar alegações finais, mas a garantia de notificação adequada para esse ato, sob pena de nulidade absoluta por violação ao devido processo legal.

A evolução normativa e os problemas da notificação por edital

Pedro Niebuhr2 destaca que a principal questão sobre o assunto diz respeito à forma como o fiscalizado é notificado acerca da fluência do prazo para apresentação de suas alegações finais. O decreto federal 6.514/08, em sua redação original, estabelecia um sistema que o autor qualifica como "bizarro", consistindo na publicação, sem periodicidade predefinida, de uma relação aleatória de processos em edital na sede administrativa ou no sítio eletrônico do órgão ambiental.

Esse sistema criava uma situação inexequível, em que os fiscalizados deveriam consultar diariamente os sites de cada órgão ambiental, percorrendo complexos caminhos de links, para verificar se havia alguma notificação em seu nome. Como observa Niebuhr, "a regra, evidentemente, não funcionava para o propósito de permitir o adequado exercício da ampla defesa e do contraditório. Parece ter sido formulada para finalidade inversa, de não viabilizar a apresentação de alegações finais pelo fiscalizado"3.

A problemática se agrava pela inexistência de um procedimento padronizado para a própria publicação do edital. Ora o edital era publicado no Diário Oficial da União, ora era meramente afixado no mural do órgão ambiental federal, criando insegurança jurídica adicional para os administrados.

A perspectiva do direito sancionador geral

O ministro Napoleão Nunes Maia Filho, do STJ, em artigo doutrinário4, oferece uma perspectiva fundamental para compreender a questão. Segundo o ministro, não há distinção ontológica entre o processo judicial e o processo administrativo sancionador, pois o art. 5º, LV, da Constituição Federal assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e ampla defesa.

Essa igualdade constitucional fundamenta o moderno Direito Sancionador, que sistematiza os métodos de asseguramento da integridade do ordenamento jurídico. Como explica o ministro Maia Filho, o Direito Sancionador tem no Direito Penal e no Processo Penal as "grandes fontes" dos seus institutos, razão pela qual as prerrogativas processuais devem atuar de modo uniforme nas diversas "províncias" sancionatórias: nos crimes (Direito Penal), nas infrações administrativas de pessoas alheias à Administração (Direito Administrativo Sancionador), nos ilícitos funcionais (Direito Disciplinar) e em quaisquer relações que tendam à aplicação de sanções.

A natureza das sanções e suas implicações processuais

Teori Zavascki5, ao analisar o caráter repressivo da ação de improbidade administrativa, traz lições valiosas para compreender a natureza das sanções administrativas. O saudoso ministro analisa as sanções de natureza civil e sanções com natureza eminentemente punitiva, destacando que estas últimas compõem o ius puniendi do Estado e sujeitam-se, entre outros, aos princípios da legalidade, da tipicidade, da individualização da pena e da presunção de inocência.

Essa distinção é fundamental para compreender por que a notificação adequada é tão crucial no processo administrativo sancionador. Quando se trata de aplicar sanções punitivas, o regime jurídico aproxima-se do processo penal, com suas garantias reforçadas. As condutas típicas são, em regra, dolosas, e a responsabilidade objetiva não é compatível com essa espécie de sanção.

Os pareceres do Ministério Público Federal

O Ministério Público Federal, através de pareceres apresentados nos recursos afetados como repetitivos6, manifestou-se no sentido de que a intimação por edital em processo administrativo é ilegal quando o endereço do autuado é conhecido, considerando o perigo que essa medida representa para o esvaziamento dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Segundo o MPF, com base na interpretação sistemática dos dispositivos legais, especialmente o art. 26 da lei 9.784/1999 e o art. 275 do CPC (aplicável subsidiariamente), a intimação por edital constitui medida residual, pressupondo a frustração da realização da cientificação do infrator por outros meios. Conclui-se, portanto, que é ilícita a intimação fictícia por edital em processos administrativos sem a demonstração do esgotamento dos meios pessoais de comunicação das partes.

A jurisprudência consolidada e as alterações normativas

A jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais e do próprio STJ já vinha reconhecendo a nulidade das notificações por edital para alegações finais quando o endereço do autuado era conhecido. O próprio IBAMA, através do despacho 11996516/2022-GABIN, reconheceu com efeitos retrospectivos a nulidade das notificações por edital realizadas sob a égide da redação original do art. 122 do decreto 6.514/08.

O decreto federal 9.760/19 alterou significativamente o sistema, passando a prever que "a autoridade julgadora notificará o autuado por via postal, com aviso de recebimento, ou por outro meio válido que assegure a certeza de sua ciência, para fins de apresentação de alegações finais". Posteriormente, o decreto federal 11.373/23 estabeleceu um sistema misto, mantendo a notificação pessoal como obrigatória, mas acrescentando também a publicação por edital como medida complementar.

Implicações para o direito administrativo sancionador

A questão em análise no Tema 1.329, apesar de ter mencionado “multas ambientais”, por certo não se restringirá ao direito ambiental. Toda a seara do direito administrativo sancionador, especialmente o âmbito regulatório, será impactada pela decisão do STJ. Nas agências reguladoras, onde as multas administrativas frequentemente alcançam valores milionários, superando em muito as penas pecuniárias criminais, a garantia de notificação adequada para apresentação de alegações finais é fundamental para a legitimidade do processo sancionador.

Como bem observa o ministro Napoleão Maia Filho7, não é tarefa fácil submeter a força do poder estatal punitivo a regras, limites e ponderações, pois "o uso do poder vicia", cria a metodologia da indiferença quanto aos procedimentos. Os juízos punitivos não se comprazem com "convicções pessoais" ou "certezas subjetivas", mas exigem que se demonstre, com provas cabais, a autoria da infração. Sem isso, a aplicação da sanção será uma demonstração de força, mas não de justiça.

Conclusão

A definição do Tema 1.329 pelo STJ representa um momento crucial para o direito administrativo sancionador brasileiro. A questão transcende a mera formalidade processual e toca o cerne das garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

A experiência com a notificação por edital demonstrou que tal prática, quando utilizada indiscriminadamente, viola frontalmente os princípios constitucionais e legais que regem o processo administrativo. A exigência de notificação pessoal para apresentação de alegações finais, quando o endereço do autuado é conhecido, não constitui formalismo excessivo, mas garantia mínima de um processo justo e equilibrado.

O reconhecimento dessa garantia pelo STJ certamente fortalecerá o Estado Democrático de Direito, assegurando que o poder sancionador da Administração seja exercido dentro dos limites constitucionais e legais, respeitando-se os direitos fundamentais dos administrados em todas as esferas do direito administrativo sancionador.

_________

1 FARIAS, Talden. Alegações finais e intimação no processo ambiental. Consultor Jurídico, 20 jun. 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-jun-20/talden-farias-alegacoes-finais-intimacao-processo-ambiental

2 NIEBUHR, Pedro. Processo Administrativo Ambiental. 3. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 280-281.

3 NIEBUHR, Pedro. Op. cit., p. 305.

4 MAIA FILHO, Napoleão Nunes. Direito sancionador. Diário do Nordeste, 25 mar. 2012.

5 ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

6 Pareceres nº 768/2025-BPS e nº 805/2025-BPS nos Recursos Especiais 2.154.295/RS e 2.163.058/SC.

7 MAIA FILHO, Napoleão Nunes. Op. cit.

Diovane Franco Rodrigues
Advogado especialista em direito sancionador ambiental, sócio Farenzena Franco Advogados. Pós-graduado em Direito Administrativo. Mestrando - UNIVALI e ex-servidor da Justiça Federal.

Lucas Dantas Evaristo de Souza
Advogado especialista em Direito Ambiental. Sócio da LDSouza Advocacia. Presidente da CMA/OABSC. Diretor Jurídico IDAM. Destaque em ambiental em 2016 e 2020 (Análise 500) e 2020-2024 (Leaders League).

Lais Loureiro
Advogada e sócia fundadora do escritório Loureiro Advocacia. Mestra em Direito Público pela Universidade Nova de Lisboa. Realizou intercâmbio acadêmico na Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

A força da jurisprudência na Justiça Eleitoral

3/12/2025

Edição gênica e agronegócio: Desafios para patenteabilidade

3/12/2025

Abertura de empresas e a assinatura do contador: Blindagem ou burocracia?

3/12/2025

Como tornar o ambiente digital mais seguro para crianças?

3/12/2025

Recuperações judiciais em alta em 2025: Quando o mercado nos lembra que agir cedo é um ato de sabedoria

3/12/2025