Empresas familiares são parcela expressiva da economia brasileira e têm papel central na geração de empregos e no desenvolvimento econômico. Ao receberem investimentos, como por exemplo de fundos de private equity, passam a operar sob padrões decisórios mais sofisticados, ancorados em métricas objetivas e estruturas de governança mais complexas, que modificam substancialmente a dinâmica interna e a relação entre sócios ou acionistas. Para a família empresária, o desafio consiste em eventualmente compatibilizar a continuidade de seu legado com as exigências de investidores que buscam retorno financeiro em um intervalo de tempo definido, bem como, vantagens financeiras mais objetivas.
Para o fundo de private equity, a participação societária visa essencialmente a valorização do negócio. A lógica do investimento é pautada pela maximização de resultados e, sobretudo, pela perspectiva do way out, ou seja, a alienação futura em condições mais vantajosas em relação ao investimento inicial. Essa racionalidade conduz à profissionalização da gestão, à realização de reestruturações operacionais e em práticas de governança que atendam aos objetivos dos investidores, muitas vezes vistas pela família como intervenções que acabam por desconsiderar valores intangíveis, como a reputação construída, a cultura ou as relações comerciais mais longevas.
Nesse contraste surgem os conflitos estruturais. A busca do fundo por previsibilidade de resultados e transparência contábil e financeira muitas vezes colide com a preocupação da família em preservar ativos simbólicos ou adotar estratégias operacionais mais conservadoras, por vezes mais compatíveis com a realidade da empresa e do mercado em que atua. Aspectos como sucessão, reinvestimento, distribuição de dividendos e manutenção de cargos originam tensões latentes.
A mitigação desses atritos, por outro lado, depende de instrumentos jurídicos bem elaborados. O acordo de acionistas ou de quotistas assume papel central ao prever quóruns qualificados, hipóteses de veto e voto, regras de liquidez e distribuição de resultados, além de disciplinar cláusulas e mecanismos de solução de impasses, como arbitragem ou mediação ou, ainda, os meios jurisdicionais tradicionais. Esses meios jurídicos não apenas reduzem riscos, como também estabelecem parâmetros objetivos de governança corporativa capazes de aumentar a segurança das partes envolvidas.
Sob a ótica institucional, a adoção de conselhos de administração com membros independentes, comitês técnicos de assessoramento, políticas claras de sucessão e a vinculação da remuneração a indicadores de desempenho, que sejam razoáveis e consistentes com os riscos, servem como “pontos de equilíbrio” da gestão. Para o núcleo familiar, representam garantias contra a perda legítima de influência, além da redução do valor do negócio. Para o fundo, garantem integridade, transparência e alinhamento com padrões de mercado.
Outro aspecto igualmente sensível está na assimetria de expectativas. Enquanto a família, na maioria das vezes, avalia o negócio do ponto de vista, digamos, patrimonial e sob um horizonte de longo prazo, os investidores de mercado adotam premissas quantitativas e prazos associados com os padrões vigentes no mercado de capital e financeiro. Essa diferença de visão pode acentuar o usual desalinhamento estratégico, mas, quando debatida sob um esquadro mais racional para as partes, permite criar métricas conjuntas, como indicadores que combinem o retorno econômico com a preservação da identidade empresarial. Trata-se de uma tarefa sofisticada e recheada de riscos.
A relação negocial não precisa ser de oposição, mas sim de “entendimento negociado”. Afinal, os recursos dos investidores permitem a expansão e a competitividade da empresa e já a experiência da família garante identidade, continuidade e legitimidade junto ao mercado. Quando ambos reconhecem que o objetivo negociado garante a maior perenidade do negócio, ainda que em função de propósitos distintos, os instrumentos jurídicos podem deixar de ser limitadores de conflitos para se tornarem mecanismos de geração de valor.
O verdadeiro desafio está em transformar a tensão natural de visões diferentes em oportunidade de criação de valor para os acionistas ou sócios. A governança corporativa, nesse contexto, revela-se não apenas como requisito da transação, mas também como o elo capaz de sustentar a expansão, atrair investimentos e, sobretudo, garantir que a empresa preserve aquilo que a torna única: a sua história e o seu desenvolvimento sólido.