A disputa comercial em torno das tarifas impostas pelo governo Trump ganhou um novo capítulo, agora no foro supremo do sistema jurídico norte-americano. Em 9 de setembro, a Suprema Corte decidiu analisar se o Presidente pode recorrer à IEEPA - International Emergency Economic Powers Act, de 1977, para impor tarifas generalizadas sobre importações. A controvérsia é técnica, mas seus desdobramentos são de relevância para empresas brasileiras que exportam aos Estados Unidos. Em jogo está a própria arquitetura do comércio internacional: até que ponto o Executivo norte-americano pode manejar tarifas unilaterais, sem respaldo específico do Congresso?
O pano de fundo ajuda a dimensionar o problema. As tarifas impostas sob a IEEPA são distintas de outros mecanismos já conhecidos, como a Seção 301, utilizada desde 2018 contra produtos chineses. Enquanto a 301 incide sobre origens e produtos determinados no código tarifário, a IEEPA foi usada para impor tarifas sobre praticamente todo o livro tarifário, sob o argumento de que emergências nacionais - como o combate ao fentanil ou o déficit comercial - justificariam medidas excepcionais.
Se validada pela Suprema Corte, a interpretação abriria espaço para que qualquer futura administração invoque emergências, de natureza econômica ou política, para alterar unilateralmente tarifas. A consequência seria o aumento da incerteza regulatória, desorganizando contratos e cadeias de suprimento globais.
O calendário processual é apertado. A administração norte-americana apresentou seu memorial em setembro. Os amicus curiae em apoio ao governo tiveram prazo até o dia 23/9. Já os estados e empresas que contestam as tarifas apresentarão suas respostas em outubro, seguidos por amicus até o dia 24/10. A audiência oral será na primeira semana de novembro e a decisão final deve sair ainda este ano. A IEEPA nunca havia sido usada para impor tarifas tão abrangentes. Ao reinterpretar o alcance de uma lei de 1977, a administração Trump inovou ao ponto de suscitar dúvidas sobre a constitucionalidade da delegação legislativa ao Executivo.
Nesse cenário, cabe observar também o papel da fiscalização aduaneira. O CBP - Customs and Border Protection intensificou seu “modo de enforcement”, aproveitando revisões tarifárias para exigir comprovações adicionais de origem ou de benefícios de acordos comerciais. Empresas têm relatado aumento de auditorias, pedidos de documentação e maior rigor em reembolsos de tarifas.
Para exportadores brasileiros, há o alerta. Setores que dependem de previsibilidade nos custos de acesso ao mercado norte-americano devem considerar três frentes de ação. A primeira é jurídica: acompanhar de perto o caso e avaliar a possibilidade de apresentar memoriais como amicus curiae, em conjunto com associações setoriais, para ilustrar os impactos sobre cadeias de valor integradas.
A segunda é de compliance. Documentação robusta sobre classificação tarifária, origem e preços torna-se indispensável em um ambiente de maior fiscalização. O CBP já aproveita brechas para validar informações e recuperar receitas.
A terceira é estratégica. Empresas precisam simular cenários de manutenção, aumento ou reversão das tarifas, ajustando contratos, incluindo cláusulas relacionadas ao resultado do caso e às projeções de margens. Além disso, a articulação institucional com associações empresariais norte-americanas será fundamental para influenciar o debate regulatório.
O tema também traz lições para o Brasil. A dependência de medidas unilaterais por parte de grandes parceiros comerciais reforça a necessidade de diversificação de mercados e de negociações que ampliem a segurança jurídica. Mais do que nunca, previsibilidade é ativo estratégico para quem investe e exporta.
A decisão da Suprema Corte poderá limitar o alcance de poder presidencial ou consolidar um poder quase ilimitado de manejar tarifas. Em ambos os casos, o recado é inequívoco: o direito do comércio internacional está em transformação acelerada, e os exportadores que melhor se prepararem juridicamente e institucionalmente terão vantagem competitiva.