1. Introdução
A lei Maria da Penha, em seu objetivo de proteger mulheres vítimas de violência doméstica, permite ao juiz determinar uma ampla gama de medidas protetivas, adequando-as ao caso concreto. Essa flexibilidade, embora positiva sob o ponto de vista da proteção, também traz desafios e riscos, especialmente quando se trata do crime de descumprimento de medida protetiva. Na prática forense, observa-se que a esmagadora maioria das prisões preventivas por descumprimento está relacionada a violação de duas medidas protetivas específicas: a proibição de contato e a proibição de aproximação da vítima. Essas restrições, aplicadas de forma rígida e sem distinção de contexto, podem levar à criminalização de condutas que, embora tecnicamente enquadradas na lei, não carregam efetivo potencial ofensivo.
2. Principais causas que levam ao descumprimento de medidas protetivas
As medidas protetivas previstas na lei Maria da Penha não têm número fechado e podem assumir formas variadas, a depender do caso concreto. Essa característica atípica permite ao juiz criar soluções sob medida para a proteção da vítima.
O legislador delegou ao juiz a responsabilidade de definir, com base nas circunstâncias do processo, quais medidas são mais adequadas. Esse desenho normativo reconhece que cada caso é único e demanda uma resposta proporcional.
O descumprimento das restrições que proíbem o contato ou a aproximação com a suposta vítima são as principais causas de decretação de prisão preventiva por violação das protetivas. Trata-se de restrições de fácil violação, seja por iniciativa do homem intimado ou até por provocação da própria vítima, o que aumenta exponencialmente os riscos.
A legislação não diferencia o contato amoroso ou cordial - como um “oi” ou um “eu te amo” - do contato hostil, ameaçador ou violento. Isso significa que qualquer aproximação, mesmo que consentida ou pacífica, pode configurar descumprimento e ensejar a prisão preventiva.
O tratamento uniforme de qualquer contato como ilícito desconsidera a complexidade das relações humanas e pode gerar prisões desproporcionais. A ausência de critérios mais objetivos contribui para a insegurança jurídica.
A experiência prática mostra que, em alguns casos, a vítima pode, de forma contraditória, incentivar ou permitir o contato para, posteriormente, denunciar o descumprimento, o que coloca o homem intimado em situação de insegurança jurídica.
Para evitar distorções, seria recomendável estabelecer parâmetros mais claros para diferenciar contatos de baixo risco daqueles que efetivamente ameaçam a integridade da vítima. Isso reduziria a incidência de prisões preventivas desnecessárias.
3. Conclusão
As medidas protetivas são instrumentos essenciais de proteção de vítimas de violência doméstica, e sua flexibilidade é uma vantagem no combate a esse tipo de crime. No entanto, a predominância das restrições de contato e aproximação como principais causas de prisão preventiva por descumprimento expõe falhas na aplicação prática da lei. A ausência de distinção entre contatos amistosos e contatos hostis cria um cenário de insegurança jurídica e aumenta o risco de prisões preventivas que não correspondem à gravidade real da conduta. A busca por um equilíbrio entre a proteção efetiva da vítima e a preservação dos direitos fundamentais do homem intimado é imprescindível para garantir que a lei seja instrumento de justiça e não de arbitrariedade.