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Plano "falso coletivo" deve seguir regras da ANS

Por maioria, TJ/SP equipara plano “falso coletivo” a contrato familiar, limita reajustes aos índices da ANS e determina devolução de valores após reajuste de 130%.

16/10/2025

Em decisão recente, a 6ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP consolidou o entendimento de que planos empresariais com número reduzido de beneficiários - especialmente quando compostos apenas por membros da mesma família - devem ser equiparados aos planos individuais ou familiares, aplicando-se integralmente a lei 9.656/1998 e o CDC.

No caso, um contrato firmado pela SulAmérica Companhia de Seguro Saúde com três vidas foi reconhecido como plano “falso coletivo”, por não atender ao princípio da mutualidade e por se tratar, na prática, de um plano familiar travestido de empresarial.

A decisão, relatada pelo desembargador José Carlos Costa Netto, reforma parcialmente a sentença de 1º grau e impõe à operadora o dever de recalcular as mensalidades pelos índices da ANS, além de restituir os valores pagos em excesso

O caso

A ação revisional 1004035-71.2024.8.26.070 foi proposta por uma empresa, representada pela advogada Aline Vasconcelos, que mantinha plano coletivo empresarial com para três beneficiários - o sócio e seus familiares.

O contrato, segundo a autora, acumulou reajustes superiores aos autorizados pela ANS, resultando em mensalidades incompatíveis com a realidade do mercado.

O juízo de primeiro grau acolheu parcialmente os pedidos, reconhecendo a abusividade dos índices aplicados e determinando a devolução dos valores cobrados a maior.

Ambas as partes recorreram.

Em segunda instância, o TJ/SP deu provimento ao recurso da autora e negou o da operadora, reconhecendo a natureza familiar do contrato e estendendo a equiparação a todos os efeitos legais, inclusive quanto às regras de rescisão previstas no art. 13 da lei dos planos de saúde

Fundamentos da decisão

O acórdão é categórico ao afirmar que contratos com número reduzido de participantes não atendem à lógica da mutualidade, fundamento atuarial que justifica a liberdade de reajustes nos planos coletivos:

Parece evidente que, em razão do número reduzido de participantes, o contrato celebrado não atende ao princípio da mutualidade, em que há socialização dos prejuízos pelos integrantes da carteira.”

O relator ressaltou que o contrato tinha “características híbridas”, devendo ser tratado como plano familiar para todos os fins, inclusive quanto à vedação de cancelamento unilateral sem justa causa (art. 13, parágrafo único, III, da lei 9.656/1998).

Para reforçar seu entendimento, o voto citou precedentes do próprio TJ/SP e o REsp 1.553.013/SP do STJ, relatado pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que reconhece a vulnerabilidade dos planos coletivos com menos de 30 vidas e a incidência do CDC nesses casos:

“Os contratos grupais com menos de 30 beneficiários possuem características híbridas, pois ostentam alguns comportamentos dos contratos individuais ou familiares (...). Diante da vulnerabilidade, deve incidir a legislação do consumidor para coibir abusividades.

Assim, o colegiado concluiu que o contrato impugnado não passava de um plano familiar disfarçado, usado para escapar do controle da ANS e viabilizar reajustes desproporcionais - prática que o TJ/SP tem reiteradamente combatido.

Reajuste abusivo e proteção do consumidor

O acórdão destacou que o aumento de mensalidades “em percentual bem superior aos divulgados pelos órgãos oficiais” viola o art. 51, incisos IX e XI, do CDC, por comprometer o equilíbrio econômico e a boa-fé contratual.

Para o tribunal, os reajustes baseados apenas em “sinistralidade” não se justificam em planos de tão pequena dimensão, pois não existe base atuarial que sustente o aumento.

Com isso, a SulAmérica deverá recalcular as mensalidades desde 2020 aplicando os índices anuais da ANS e devolver os valores pagos a maior pelos beneficiários nos últimos três anos, com correção monetária e juros de mora.

Os honorários advocatícios também foram majorados para 15% do valor da condenação, conforme o art. 85, §11, do CPC.

Conclusão

O julgamento consolida a jurisprudência sobre os planos “falsos coletivos”, reafirmando que a forma jurídica da contratação não pode se sobrepor à essência da relação de consumo.

Para o TJ/SP, a vulnerabilidade dos beneficiários e o caráter familiar do grupo impõem a aplicação das normas protetivas da lei dos planos de saúde e do CDC, com limitação dos reajustes e preservação do acesso à assistência médica.

A decisão da 6ª Câmara de Direito Privado representa um marco na defesa dos consumidores na saúde suplementar, reforçando que o direito à saúde não pode ser relativizado por artifícios contratuais.

“O que se tem é um verdadeiro plano familiar travestido de coletivo, cujo objetivo único é escapar das normas cogentes previstas na lei 9.656/1998.”

Aline Vasconcelos
Advogada especialista em Direito da Saúde, com 15 anos de experiência na defesa de pacientes contra planos de saúde e na garantia de acesso a tratamentos e direitos essenciais.

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