Em uma importante decisão (acórdão 5008517-21.2023.8.09.0051 da 3ª Câmara Cível de Goiânia), o TJ reconheceu que o cliente, vítima dessa fraude, não pode ser responsabilizado. Pelo contrário: as dívidas fraudulentas foram anuladas, e os bancos foram condenados a pagar indenização.
Entenda o golpe: A falsa promessa de juros baixos
O golpe começa de forma muito convincente. O golpista, fingindo ser um intermediário de um banco, entra em contato com a vítima (o cliente) através do WhatsApp. O fator mais alarmante é que eles já possuem informações confidenciais sobre você, como seu telefone, nome e dados do seu contrato de empréstimo anterior.
A promessa é clara: "Vamos fazer a portabilidade da sua dívida para um banco com taxas de juros mais baixas, e a parcela vai diminuir".
A fraude:
- Com seus dados e documentos, as empresas fraudulentas contratam novos empréstimos em seu nome (neste caso, com o Banco do Brasil e Banco Itaú);
- O dinheiro desses novos empréstimos é depositado na sua conta;
- Imediatamente, os golpistas alegam que o depósito foi "equivocado" e pedem que você transfira o valor para as contas deles, sob a justificativa de que este dinheiro é para quitar seu empréstimo antigo;
- O dinheiro é transferido para as contas dos fraudadores, mas sua dívida antiga não é quitada, e você fica com os novos empréstimos sendo descontados de sua conta.
No caso que deu origem a esta decisão, o cliente teve movimentações atípicas de R$ 179.533,30 em apenas 10 dias.
A decisão da justiça: Por que o banco é responsável?
O TJ/GO reformou a sentença de primeira instância e julgou de forma favorável ao consumidor, responsabilizando os bancos.
1. Falha na segurança (fortuito interno)
O ponto chave da vitória foi o reconhecimento do fortuito interno. A Justiça entendeu que:
- O vazamento de seus dados confidenciais (dados do contrato anterior) para o golpista revela uma falha grave nos mecanismos de proteção de dados internos do banco;
- As fraudes e delitos praticados por terceiros em operações bancárias são riscos da própria atividade e, portanto, o banco deve responder objetivamente pelos danos causados (súmula 479 do STJ);
- O banco tem responsabilidade objetiva por defeitos na prestação de serviços, como a falta de segurança (art. 14 do CDC).
2. Dívidas anuladas e nulidade dos contratos
O acórdão declarou a nulidade dos contratos de empréstimo fraudulentos
- Isso significa que o cliente não tem mais a obrigação de pagar essas dívidas;
- Os débitos foram cancelados, e os bancos foram proibidos de incluir o nome do cliente em cadastros de restrição (SPC/Serasa).
3. Restituição e indenização
A decisão final condenou todos os bancos a pagar:
- Danos materiais (restituição): O banco deve devolver os valores que foram descontados indevidamente da conta do cliente. A restituição deve ser feita na em dobro (art. 42 do CDC);
- Danos morais: O valor de R$ 10 mil foi mantido como indenização para o cliente.
Este é um caso em que eu atuei como advogado e vejo esta decisão como uma vitória crucial que serve de base para proteger todos os consumidores contra a falta de segurança bancária.