Este segundo artigo da série dedicada às estratégias notariais para a prevenção de litígios judiciais volta-se ao exame da hipoteca para garantia de dívida futura ou condicionada. O art. 1.487 da legislação civil estabelece que a hipoteca poderá ser constituída mesmo que a dívida não seja ainda certa ou determinada, desde que seja fixado o valor máximo do crédito garantido.
No que concerne à possibilidade de constituição de hipoteca sem a prévia fixação do valor da dívida, cumpre salientar que, nesta hipótese, exige-se a anuência do devedor quanto ao montante da obrigação garantida e do implemento da condição estabelecida em contrato.
Caso haja divergência entre credor e devedor sobre o valor da dívida e o implemento da condição objeto da garantia hipotecária, competirá ao credor comprovar a existência e a extensão do seu crédito. Se, contudo, restar evidenciado que a resistência do devedor foi meramente procrastinatória, ocasionando depreciação do imóvel dado em garantia, este devedor poderá ser responsabilizado por perdas e danos.
Com o propósito de prevenir litígios dessa natureza, recomenda-se que, ao se formalizar contrato de mútuo, confissão de dívida ou qualquer outro negócio jurídico que envolva garantia hipotecária, o instrumento contenha as seguintes disposições:
(i) a possibilidade de execução extrajudicial do crédito atinente à hipoteca; a adoção da via extrajudicial exige que o contrato contenha cláusula expressa prevendo essa opção, fazendo referência aos §§ 1º a 10 do art. 9º da lei 14.711/23, por força de determinação do § 15 do mesmo diploma legal. Faz-se a ressalva de que a via extrajudicial tem caráter facultativo, em consonância com o preceito contido no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição da República, que prevê o amplo acesso à Justiça;
(ii) possibilidade de se depositar o valor controvertido na conta notarial;
(iii) caso o valor do crédito contestado seja depositado na conta notarial, por meio do site contanotarial.org.br, caberá ao Tabelião - na qualidade de terceiro imparcial - verificar a correção do valor depositado, de acordo com o contrato originário do crédito garantido por hipoteca.
Na hipótese de subsistir dúvida quanto à ocorrência ou não do implemento da condição ou da extensão do crédito, o Tabelião poderá atuar como árbitro, mediador ou conciliador1 - verificando o cumprimento ou o inadimplemento das condições estipuladas no contrato, por meio da ata notarial - cabendo às partes prever essa possibilidade no contrato original.
Essas inovações decorrem da lei 14.711/23 (Marco Legal das Garantias), que introduziu o art. 7º-A na lei 8.935/1994, criando a conta notarial, a ata notarial - para constatação do cumprimento ou descumprimento das condições avençadas em determinado negócio jurídico -, além de reforçar a possibilidade de atuação do Tabelião como árbitro, mediador ou conciliador.
Por sua vez, a utilização da conta notarial apresenta custo acessível, correspondendo a 0,08% sobre o valor depositado. Assim, em um depósito de R$ 30.000,00 relativo a uma dívida hipotecária, o valor cobrado seria de apenas R$ 24,00.
A conjugação entre depósito da dívida hipotecária, conta notarial, ata notarial e a possibilidade de atuação do Tabelião como árbitro, mediador ou conciliador, ou mesmo a contratação de um profissional para esse fim, constitui uma estratégia preventiva, de baixo custo e altamente eficaz.
Mais do que uma simples garantia, trata-se de um conjunto de instrumentos extrajudiciais que promove segurança jurídica, celeridade na resolução de eventuais controvérsias e fortalece a confiança e a cooperação recíprocas entre as partes.
Para a advocacia contemporânea, o movimento de extrajudicialização apresenta-se simultaneamente como desafio e oportunidade. O domínio das práticas notariais e registrais deixou de configurar um diferencial profissional para assumir a condição de requisito indispensável ao exercício da advocacia. Trata-se de competência estratégica, voltada à orientação jurídica segura, à prevenção de litígios e à formulação de soluções céleres e economicamente eficientes, em consonância com as transformações sociais e normativas que caracterizam o atual cenário jurídico.
Segue adiante uma sugestão de cláusula prevendo o manejo dos instrumentos extrajudiciais expostos neste artigo:
“As partes ajustam que o valor correspondente ao crédito hipotecário, caso haja divergência quanto à sua extensão e exequibilidade, poderá ser depositado na conta notarial, de titularidade do Colégio Notarial do Brasil - Seção Federal, incumbindo-se ao Tabelião, com base no contrato firmado entre as partes, analisar a correção do valor do crédito e do implemento da condição de exequibilidade.
Fica, ainda, convencionado que, persistindo a discordância entre as partes quanto ao exato do valor do crédito, credor e devedor designam o Tabelião xpto para atuar como árbitro, que poderá ser auxiliado por técnico, com a finalidade de dirimir a controvérsia, por meio da lavratura de ata notarial”.
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1 Os serviços extrajudiciais (cartórios) poderão contratar mediadores e conciliadores externos, desde que os profissionais estejam cadastrados no Núcleo Permanente de Mediação e Conciliação – Nupemec do Tribunal competente ou autorizados pela Corregedoria-Geral da Justiça. A orientação foi dada pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ em resposta à Consulta, julgada na 10ª Sessão Virtual, encerrada em 15 de agosto, formulada pela Corregedoria-Geral da Justiça de Mato Grosso do Sul – CGJ-MS, que questionou a possibilidade de contratação de mediadores e conciliadores judiciais por cartórios. Todavia, a contratação deve seguir a Lei de Mediação , o Código de Processo Civil, a Resolução 125/2010 e o Provimento 149/2023. Os mediadores e conciliadores não poderão atuar, ao mesmo tempo, no Nupemec e em cartórios. Além disso, precisam concluir a formação prevista pela Resolução 125/2010).