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Proteção patrimonial: Até onde vai a segurança dos bens em recuperação judicial?

A recuperação judicial permite proteger bens essenciais, garantindo a continuidade da empresa sem fraudes, conforme critérios legais e jurisprudência.

15/10/2025

Empresas em crise e proteção patrimonial

Quando uma empresa entra em RJ - recuperação judicial, surge a dúvida: quais bens podem ser protegidos de penhoras e execuções?

Usinas, aeronaves, semoventes, parques temáticos e até marcas já foram reconhecidos como essenciais pelo Judiciário. Mas a proteção não é absoluta: depende da função do bem na operação e da viabilidade do plano de recuperação.

A lei e o stay period

A lei 11.101/05, alterada pela lei 14.112/20, prevê que a RJ tem como objetivos:

O deferimento da RJ cria o chamado “stay period”, período de 180 dias em que execuções e constrições são suspensas. Durante esse período, bens essenciais recebem proteção, desde que respeitada a boa-fé, a transparência e a viabilidade econômica.

Bens essenciais x não essenciais

A definição de essencialidade é funcional: o bem deve ser indispensável à continuidade da atividade econômica.

Quadro resumo:

Tipo de bem

Protegido?

Condições de alienação

Usinas, minerodutos (Samarco)

Sim

Apenas com plano aprovado ou substituição viável

Aeronaves de companhia aérea

Sim

Somente com autorização judicial ou plano aprovado

Semoventes produtivos

Sim

Apenas se houver substituição viável

Bens fiduciários

Não

Podem ser executados pelos credores

Bens suspeitos de fraude

Não

Proteção não se aplica

Jurisprudência em destaque

STJ - Essencialidade de bens

“Compete ao juízo da recuperação judicial dispor sobre a essencialidade dos bens, mesmo em caso de alienação fiduciária.”

(AgInt no AREsp 1529808/RS, 2019)

STJ - Proteção além do stay period

“O término do stay period não autoriza automaticamente a busca e apreensão de bens reconhecidos como essenciais.”

(AgInt no REsp 2061093/SP, 2023)

TJ/PR - Continuidade da proteção

“Bens declarados essenciais mantêm essa condição mesmo após o fim do stay period, em nome do princípio da preservação da empresa.”

(AI 0023116-48.2022.8.16.0000, 2022)

Casos emblemáticos

Outros setores que tiveram bens essenciais protegidos: clubes de futebol (Cruzeiro, Coritiba), redes de restaurantes (Madero), indústrias (Dudalina), marcas de moda (Arezzo & Co), editoras (Abril) e plataformas de tecnologia (Oi S/A).

Limites da proteção patrimonial

A proteção não cobre:

A alienação de bens essenciais só é permitida se:

Síntese prática:

Tema

Limites / Requisitos

Boa-fé e função social

Proteção não cobre fraudes ou ocultação

Desconsideração da PJ

Aplicável se houver confusão patrimonial ou abuso

Prova de essencialidade

Demonstração técnica e econômica necessária

Pós stay period

Proteção pode persistir, com análise judicial

Alienação programada (UPI)

Permitida se parte de plano viável e em benefício da recuperação

Conclusão

A proteção patrimonial em RJ não é um privilégio do devedor, mas um instrumento de continuidade da atividade econômica e social.

O Judiciário atua equilibrando:

Casos como Samarco, Avianca, Varig e Hopi Hari mostram que a proteção é técnica e funcional, não automática.

O uso correto dessa proteção:

Em tempos de crise, a proteção responsável é um instrumento de racionalidade jurídica e de aposta na retomada econômica, equilibrando os direitos dos credores com a função social da empresa.

Filipe Garcia
Bacharel em Direito pela PUC-SP Pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-SP Atuação na área de recuperação judicial, insolvência e reestruturação de empresas há mais de 7 anos. Especializações em recuperação de ativos e execuções pela Enap, EVG e FGV.

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