A economia solidária é um modelo de organização econômica baseado na cooperação e na autogestão, em que os participantes gerem coletivamente as atividades econômicas e distribuem os resultados de forma justa e solidária. Exemplos incluem cooperativas de reciclagem; associações de agricultores; cooperativas de crédito; feiras e coletivos ecológicos; funcionários de empresas recuperandas.
Esse modelo diferencia-se da economia de mercado em relação à organização da produção e da distribuição de bens e serviços. Enquanto a economia de mercado baseia-se na competitividade, no individualismo, na hierarquia, na maximização de lucros e na distribuição entre proprietários, a economia solidária apoia-se na cooperação, na satisfação de necessidades comuns, no coletivismo e em resultados produtivos participativos e democráticos.
Na prática, as empresas orientadas pela economia de mercado são focadas no lucro, sendo controladas por seus proprietários, que absorvem os resultados das atividades. Por outro lado, os empreendimentos de economia solidária focam na sustentabilidade e são controlados integralmente por seus membros, que recebem os frutos da atividade de forma equitativa e proporcional.
Até recentemente, esses empreendimentos careciam de um reconhecimento legal específico. Contudo, a promulgação da lei 15.068/24 busca formalizar a qualificação dos empreendimentos de economia solidária, conferindo-lhes status legal, assim como institui a Política Nacional de Economia Solidária e cria o SINAES - Sistema Nacional de Economia Solidária.
Para enquadrar-se como empreendimento de economia solidária e usufruir dos benefícios ofertados pela Política Nacional de Economia Solidária, o empreendimento deve atender aos seguintes requisitos:
- Organização autogestionária: A gestão deve ser feita coletivamente pelos próprios membros, de forma democrática e transparente, baseada na soberania da assembleia por meio da singularidade de votos.
- Envolvimento dos membros: Os membros devem estar diretamente ligados às atividades, participando ativamente de sua gestão.
- Prática comercial: As relações comerciais devem ser baseadas em princípios de justiça e solidariedade.
- Distribuição dos resultados: Os lucros devem ser distribuídos de forma equitativa entre os membros, conforme deliberado em assembleia, considerando a participação de cada um nas atividades.
- Destinação dos resultados: Os recursos financeiros devem ser utilizados para fortalecer a própria organização, auxiliar outros empreendimentos similares e promover o desenvolvimento da comunidade e de seus membros.
Nessa mesma linha, as condutas do empreendimento devem ser norteadas por diretrizes fundamentais, garantindo que sejam geridos de forma democrática, equitativa e sustentável, contribuindo para o desenvolvimento social e econômico da comunidade, mas, em suma, acabam se traduzindo na aplicação prática das características tratadas anteriormente.
Os empreendimentos enquadrados nessa classificação e que sigam as diretrizes de gestão, deverão ser identificados pelo Cadastro Nacional de Empreendimentos Econômicos Solidários e poderão beneficiar-se de planos e ações, que visem fomentar e fortalecer a economia solidária, ofertadas por meio da Política Nacional de Economia Solidária.
A Política Nacional de Economia Solidária será elaborada e avaliada, periodicamente, na Conferência Nacional de Economia Solidária, a qual será precedida de conferências estaduais e municipais que apresentarão propostas a subsidiar a pauta da Conferência Nacional.
O SINAES terá a função de promover e implementar a Política Nacional de Economia Solidária, coordenando e integrando ações dos diferentes níveis de governo e da sociedade civil para o desenvolvimento da Economia Solidária.
A lei representa um marco importante para a Economia Solidária, propiciando grande visibilidade nos mais diversos setores da sociedade e criando condições favoráveis para sua expansão, mas sua implementação e os impactos a longo prazo ainda são incertos, pois os termos são amplos e abstratos e carecem de regulamentação própria, o que se dará, provavelmente, após a efetiva implementação do SINAES e, consequentemente, da elaboração da Política Nacional de Economia Solidária.
Contudo, é possível antever alguns impactos advindos da implantação, tais como: fortalecimento institucional; acesso a crédito e financiamento com condições diferenciadas; benefícios governamentais a produtos e serviços oriundos da Economia Solidária; consolidação e incentivo à criação de redes cooperativas.
É importante ressaltar que, apesar de a lei ter alterado o art. 44 do CC para incluir o empreendimento de economia solidária no rol de pessoas jurídicas de direito privado, há discussão sobre o tema que ainda precisa ser melhor desenvolvida. Argumenta-se que essa alteração é tecnicamente equivocada, sendo mais adequado considerá-la uma qualificação jurídica atribuída a outras formas existentes, como associações ou sociedades cooperativas, desde que cumpram os requisitos da lei 15.068/24. Isso, inclusive, pode ser extraído da própria lei, já que em seu §1ª do art. 4º prevê que a caracterização do empreendimento como de economia solidária independe de sua forma societária. De todo modo, esse ponto certamente ainda será objeto de debate para a devida regulamentação.
Inobstante isso, tem-se que o empreendimento de economia solidária já era uma proposta de organização econômica alternativa à tradicional economia de mercado, pretendendo o desenvolvimento social e sustentável por meio de práticas voltadas ao cooperativismo e coletivismo. A lei 15.068/24 oferece uma base legal para esse modelo, definindo características próprias que servirão para identificá-los e propiciar que se beneficiem de programas de apoio voltados ao fomento e desenvolvimento de negócios de economia solidária. Como isso se dará na prática ainda carece de ações concretas a serem implementadas, mas é possível identificar que a lei serve como preparação de um ambiente favorável que possibilite a órgãos, entes estatais e sociedade civil a implementar políticas públicas que fortaleçam a identidade, criação e desenvolvimento da economia solidária.
Assim, por se tratar de uma legislação preparatória que carece de medidas a serem definidas pelos órgãos instituídos por ela, como a criação de normas regulamentadoras, a alocação de recursos e a construção de parcerias entre os diferentes atores envolvidos, cabe-nos o acompanhar a evolução da aplicação da lei diante das ações dos órgãos governamentais, da sociedade civil organizada e do retorno frente aos empreendedores que buscarem se adequar a este modelo de produtividade econômica visando a construção de uma sociedade mais justa e equitativa.