O ANPP não gera condenação penal, portanto, não pode suspender direitos políticos, sob pena de afrontar o núcleo essencial da cidadania e a garantia constitucional da elegibilidade.
A Constituição Federal de 1988 prevê a suspensão dos direitos políticos como consequência de condenação criminal transitada em julgado, resguardando a integridade do processo democrático e garantindo que a participação política esteja condicionada à observância da lei. Contudo, com a introdução do ANPP - acordo de não persecução penal pela lei 13.964/19, surgiu uma questão relevante acerca da compatibilidade dessa medida com o direito ao voto e à elegibilidade.
O ANPP permite que o Ministério Público proponha ao investigado, em crimes de menor potencial ofensivo, sem violência ou grave ameaça, a possibilidade de cumprir certas condições, isto é, como reparação de danos, prestação de serviços à comunidade ou aplicação de medidas alternativas, em troca da extinção da punibilidade. Essa inovação visa à celeridade processual, à desburocratização e à ressocialização do investigado, evitando o desgaste e a morosidade do sistema judicial, conforme enfatizado por Melo e Pinto.1
Ao contrário da condenação formal, que acarreta efeitos automáticos sobre os direitos políticos, o ANPP não produz sentença condenatória, o que levanta dúvidas sobre a extensão de penalidades como a inelegibilidade e a suspensão do voto. A doutrina aponta que impor restrições políticas a quem celebra um ANPP seria desproporcional, uma vez que o instituto busca justamente alternativas à punição formal, promovendo a reparação e a reintegração social do infrator sem estigmatização.
Nesse sentido, a suspensão de direitos políticos sem condenação formal poderia ser considerada uma violação do princípio da legalidade e do núcleo essencial do direito à participação política.
O direito ao voto e à elegibilidade representa o núcleo da cidadania e da democracia, garantido pelo art. 14 da Constituição Federal. A proteção desse núcleo exige que qualquer restrição seja excepcional, proporcional e fundamentada, preservando a soberania popular e a participação ativa do cidadão.
Estudos sobre o ANPP indicam que sua aplicação nos crimes eleitorais deve ser cuidadosamente analisada, evitando que cláusulas automáticas de inelegibilidade ou suspensão dos direitos políticos transformem um instrumento de justiça consensual em uma penalidade indevida2. Ao considerar a suspensão desses direitos, é essencial observar não apenas a letra da lei, mas também os princípios constitucionais de proporcionalidade, dignidade da pessoa humana e função ressocializadora do direito penal.
A aplicação do ANPP nos crimes eleitorais demonstra a necessidade de equilíbrio entre justiça e proteção dos direitos fundamentais. A jurisprudência brasileira tem reafirmado que a suspensão dos direitos políticos deve ser medida excepcional, restrita a situações de condenação formal e transitada em julgado. Dessa forma, a imposição de restrições políticas em casos de ANPP seria incompatível com o objetivo do instituto, que prioriza a recuperação social e a conciliação entre Estado e indivíduo, evitando a estigmatização e garantindo que a cidadania não seja cerceada desnecessariamente.
Portanto, ao analisar a suspensão dos direitos políticos no contexto do acordo de não persecução penal, é fundamental que a legislação e a interpretação judicial assegurem que o núcleo essencial do direito ao voto e à elegibilidade seja preservado.
O ANPP representa um avanço no sistema de justiça brasileiro, conciliando a eficiência processual com a proteção dos direitos fundamentais, permitindo a responsabilização do infrator sem comprometer sua participação política. A harmonização entre os institutos jurídicos e a proteção da democracia fortalece o Estado de Direito, promovendo justiça, cidadania e inclusão social de forma equilibrada e proporcional.
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Referências
MELO, R.; PINTO, F. Acordo de não persecução penal e crimes eleitorais: análise crítica da Lei 13.964/2019. Revista Acadêmica do Ministério Público do Estado do Ceará, Fortaleza, v. 9, n. 2, p. 77-92, 2023. Disponível em: https://revistaacademica.mpce.mp.br/revista/article/download/277/192/762. Acesso em: 14 out. 2025.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 14 out. 2025.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Jurisprudência sobre suspensão de direitos políticos. Disponível em: https://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp. Acesso em: 14 out. 2025.
1 MELO, R.; PINTO, F. Acordo de não persecução penal e crimes eleitorais: análise crítica da Lei 13.964/2019. Revista Acadêmica do Ministério Público do Estado do Ceará, Fortaleza, v. 9, n. 2, p. 77-92, 2023.
2 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.