A cobrança do ITBI - Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis é uma etapa obrigatória em transações imobiliárias no Brasil, e sua base de cálculo deve refletir o valor real de mercado do imóvel.
No entanto, é comum que municípios adotem valores de referência próprios, muitas vezes superiores ao valor declarado na escritura, o que gera controvérsias entre contribuintes e a Administração Tributária.
Uma situação recente envolvendo a controvérsia citada foi julgado recentemente pelo Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Barra Velha, em Santa Catarina, no qual era exigido o pagamento suplementar de ITBI com base em valor arbitrado unilateralmente pela prefeitura.
No caso, o contribuinte adquiriu um imóvel pelo valor de R$ 250.000,00, conforme escritura pública. O município, ao realizar o lançamento do ITBI, desconsiderou esse valor e notificou o contribuinte com base em uma estimativa de mercado, alegando que o preço informado não condizia com a realidade.
A controvérsia girou em torno da legalidade desse lançamento complementar, feito sem a instauração de processo administrativo específico, uma vez que não houve qualquer justificativa pelo ente público, apenas o envio de guia para pagamento suplementar.
A legislação municipal aplicável, especialmente a lei 1.328/13 e o decreto 1.305/19, estabelece que a base de cálculo do ITBI deve corresponder ao valor venal do imóvel em condições normais de mercado, podendo ser arbitrada pela autoridade administrativa apenas quando as declarações do contribuinte forem omissas ou não mereçam fé.
Contudo, essa prerrogativa está condicionada à instauração de processo administrativo regular, com observância do contraditório e da ampla defesa, conforme previsto no art. 148 do Código Tributário Nacional.
Na decisão, o juiz reconheceu que o município não apresentou prova da instauração de processo administrativo apto a justificar o arbitramento do valor do imóvel.
Embora tenha mencionado a existência de procedimento interno, não houve juntada de documentos que demonstrassem o cumprimento dos requisitos legais.
Dessa forma, prevaleceu o valor declarado na escritura pública, que goza de presunção relativa de veracidade, conforme entendimento consolidado pelo STJ no REsp 1.937.821/SP (Tema 1113).
Tema 1.113 - Tese Firmada: a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN); c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.
O magistrado destacou que o valor da transação declarado pelo contribuinte se presume condizente com o valor médio de mercado, presunção que somente pode ser afastada mediante procedimento administrativo específico, no qual se assegure ao contribuinte o contraditório e a ampla defesa.
A adoção de valor de referência estabelecido unilateralmente pelo município, sem o devido processo legal, configura ilegalidade e afronta aos princípios constitucionais da legalidade, segurança jurídica e propriedade.
Além disso, a decisão afastou a alegação de inconstitucionalidade dos dispositivos do decreto 1.305/19, entendendo que sua aplicação é legítima desde que respeitado o devido processo legal. Também foi reconhecido que as declarações prestadas perante o Cartório de Registro de Imóveis não podem servir como fundamento exclusivo para lançamento complementar do ITBI, pois são voltadas à cobrança de emolumentos e taxas cartorárias, não sendo fontes fidedignas para fins tributários sem respaldo em processo administrativo.
Por fim, foi determinada a restituição do valor pago a maior, devidamente corrigido conforme os índices legais aplicáveis, incluindo o INPC e, após a EC 113/21, a taxa Selic.
Vale salientar que o TJ/SC tem proferido decisões no mesmo sentido, a exemplo do julgamento recente do recurso inominado 5001342-81.2025.8.24.0020/SC, o qual reforça que, na ausência de processo administrativo, deve preponderar a quantia declarada pelo contribuinte1.
As decisões reafirmam a importância da legalidade e da observância do devido processo legal na atuação da Administração Tributária, especialmente em matéria de lançamento de tributos, protegendo os direitos dos contribuintes e garantindo a segurança jurídica nas relações fiscais.
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Referências
Processo judicial 5006295-33.2025.8.24.0006
1 EMENTA: RECURSO INOMINADO. JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. AÇÃO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO DA QUANTIA PAGA A MAIOR REFERENTE AO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BEM IMÓVEL -ITBI. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DO MUNICÍPIO DE CRICIÚMA.TESE DE REGULARIDADE DA COBRANÇA. INSUBSISTÊNCIA. BASE DE CÁLCULO QUE NÃO PODE SER ARBITRADA UNILATERALMENTE PELA MUNICIPALIDADE. AUSÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO PARA DESCONSTITUIR O VALOR DO IMÓVEL. NECESSÁRIA OBSERVÂNCIA DO TEMA 1.113 DO STJ. PREPONDERÂNCIA DA QUANTIA DECLARADA PELO CONTRIBUINTE, LEVANDO EM CONTA A MONTA QUE PAGOU PELA AQUISIÇÃO DO BEM. RESTITUIÇÃO DEVIDA. PRECEDENTES DAS TURMAS RECURSAIS. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, RCIJEF 5001342-81.2025.8.24.0020, 1ª turma recursal, relatora para acórdão ANDREA CRISTINA RODRIGUES STUDER, julgado em 9/10/2025)