1. Introdução
A crescente complexidade do comércio internacional e a multiplicidade de legislações nacionais aplicáveis às transações mercantis tornaram indispensável a criação de mecanismos de harmonização das práticas contratuais e logísticas entre os diversos agentes econômicos. Nesse contexto, os Incoterms® - International Commercial Terms surgem como instrumento jurídico e técnico de padronização internacional, voltado à definição clara das responsabilidades entre vendedor e comprador quanto ao transporte, seguro, desembaraço aduaneiro e transferência de riscos.
Elaborados pela Câmara de Comércio Internacional (ICC -International Chamber of Commerce), os Incoterms® constituem atualmente a principal referência contratual para interpretação das obrigações de entrega e dos custos logísticos, aplicando-se às operações de compra e venda internacional e, em alguns casos, também às transações domésticas.
2. Origem e idealização dos Incoterms®
A primeira edição dos Incoterms® data de 1936, período de intensificação das relações comerciais globais e de ausência de uniformidade na interpretação dos contratos de compra e venda. Até então, expressões como “FOB”, “CIF” e “EX SHIP” eram utilizadas com significados divergentes entre países de tradição civil law e common law, gerando controvérsias e litígios recorrentes.
Com o intuito de promover a segurança jurídica e reduzir disputas interpretativas, a ICC - Câmara de Comércio Internacional, fundada em 1919 e sediada em Paris, designou um comitê especializado para desenvolver regras uniformes que servissem de base à interpretação contratual de termos comerciais padronizados.
3. Cronologia e evolução dos Incoterms®
Desde sua criação, os Incoterms® passaram por diversas revisões, acompanhando as transformações do comércio internacional e as inovações logísticas:
- 1936 - Primeira edição, com seis termos originais.
- 1953 - Ampliação das regras.
- 1967 e 1976 - Revisões com novos modais.
- 1980 - Inclusão da multimodalidade.
- 1990 - Reorganização estrutural.
- 2000 - Adequação tecnológica.
- 2010 - Simplificação e redução de termos.
- 2020 - Atual versão, com maior precisão sobre riscos e seguros.
4. Natureza jurídica e força normativa
Os Incoterms® possuem natureza jurídica de “soft law”, isto é, regras contratuais de adesão voluntária. Sua validade deriva da vontade das partes, conforme os princípios da autonomia da vontade e da liberdade contratual previstos nos arts. 421 a 425 do CC brasileiro (lei 10.406/02).
No plano internacional, harmonizam-se com a Convenção de Viena de 1980 (CISG). No Brasil, integram os contratos de compra e venda internacional por remissão expressa na fatura comercial, conhecimento de embarque e na DUE, conforme o decreto 6.759/09 (regulamento aduaneiro).
5. Sistemas e ferramentas de apoio à escolha do Incoterm®
A escolha do Incoterm adequado é apoiada por ferramentas como:
- ICC Incoterms® App;
- Sistemas ERP, TMS, WMS e plataformas de comércio exterior;
- SISCOMEX, que define campos específicos para indicação do Incoterm.
A correta parametrização evita divergências fiscais e litígios contratuais, devendo ser supervisionada por profissionais de comércio exterior e compliance tributário.
6. Responsabilidade pela escolha do Incoterm®
A definição do Incoterm® é decisão bilateral entre vendedor e comprador, integrando o contrato de compra e venda internacional. Geralmente é proposta pelo exportador, mas deve ser validada pelos departamentos jurídico e de comércio exterior.
A ausência ou inadequação da escolha pode gerar disputas sobre entrega, desembaraço ou pagamento, sendo essencial constar expressamente em Invoice, Packing List, B/L, AWB e DUE.
7. Fatores e cuidados na escolha do Incoterm®
Devem ser analisados:
- Transferência de riscos e custos;
- Modal de transporte;
- Controle logístico;
- Exigências aduaneiras e regimes especiais;
- Seguro e compliance logístico;
- Aspectos fiscais e contábeis.
A boa-fé contratual e o princípio da cooperação (art. 422 do CC) devem nortear a escolha, evitando litígios futuros.
8. Conclusão
Os Incoterms® representam instrumento de uniformização das práticas comerciais internacionais, garantindo segurança jurídica e previsibilidade contratual.
Sua escolha consciente deve resultar de análise técnica e jurídica integrada, assegurando adequação entre operação e regime jurídico. O domínio dos Incoterms® é essencial para otimizar custos e promover o compliance internacional.
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Câmara de Comércio Internacional (ICC): https://iccwbo.org/resources-for-business/incoterms-rules/
Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG - 1980)
Código Civil Brasileiro - Lei nº 10.406/2002, arts. 421 a 425 e 422
Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - Decreto-Lei nº 4.657/1942, art. 9º
Decreto nº 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro), arts. 77 a 83 e 102 a 104
ICC App (2020) - Official Incoterms® Digital Guide