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Gestão da inovação e da propriedade intelectual nas empresas: Como o “timing” do registro da marca pode impactar o sucesso de um empreendimento

O registro tempestivo da marca é vital à estratégia de negócios, protegendo ativos, evitando prejuízos e garantindo vantagem competitiva.

21/10/2025

Como profissionais atuantes na área de propriedade industrial, não é raro nos depararmos com situações em que um titular posterga o registro da sua marca para depois do lançamento do novo produto ou serviço no mercado. Esse adiamento revela um descompasso entre os processos internos de gestão da inovação e gestão da propriedade intelectual nas empresas, o que enfraquece a base jurídica fundamental ao sucesso de uma estratégia comercial consubstanciada na construção e manutenção da fidelidade do cliente. Além disso, na prática observa-se um frequente desconhecimento entre as diferenças normativas e os escopos das proteções legais entre os institutos nome empresarial, nome de domínio e marca. 

O presente artigo não focará na distinção desses institutos, mas sim na importância do registro da marca no momento certo e em como negligenciar essa etapa pode ser um duro golpe aos novos empreendedores, sobretudo no que tange à perspectiva de geração de rendas em posição de mercado privilegiada e à captura de receitas empresariais dos seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

É sabido que, no Brasil, impera a burocracia e o elevado custo inicial para a legalização de novas empresas. Isso faz com que os novos empreendedores foquem seus parcos recursos financeiros na regularização contábil e tributária da nova sociedade. 

Contudo, na maioria das vezes, a marca que identificará os produtos ou serviços daquela sociedade já foi escolhida e, não raro, já foi divulgada na mídia, na Internet e/ou nas redes sociais; além de já se ter iniciado a comercialização dos produtos ou a prestação dos serviços com tal marca. 

E é aí que mora o perigo. Nessa etapa, o empreendedor já regularizou a sua empresa (protegeu o nome empresarial) e lançou seu site (protegeu o nome de domínio) e acredita não haver mais óbices para o pleno funcionamento do seu negócio.

Todavia, ele esqueceu um “pequeno detalhe”: o registro da sua marca, que identificará seus produtos ou serviços1. Tal inobservância da proteção tempestiva da propriedade intelectual  representa severos riscos ao negócio, dentre os quais se destacam as conhecidas disputas judiciais por não considerar o uso anterior do sinal por terceiros, as possíveis duplicações por concorrentes, a diluição e consequente perda de distintividade pela ausência de enforcement e custos excedentes e não provisionados com rebranding, que não raro acarretam em volumosos prejuízos de marketing e na perda de confiança do público consumidor.

Como exemplo mais comum, constata-se que a não proteção da marca no momento adequado, bem como o uso da marca sem o devido registro, deixa o empreendedor vulnerável a receber notificações extrajudiciais e/ou a ser réu em ações judiciais com a concessão de liminares para abstenção de uso de marca e/ou busca e apreensão dos produtos que contenham a marca violada. 

Além do famoso caso da Apple x Gradiente, cuja ação judicial se encontra em curso, há diversos outros exemplos de empreendedores que, após o início de suas atividades, se viram obrigados a modificar suas marcas por estarem violando marcas de terceiros previamente registradas. Eis alguns exemplos: 

SENSAÇÕES DOCES x SENSAÇÃO (https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2024/08/20/dona-da-sodie-conta-como-superou-crise-apos-conflito-com-nestle.htm): Apesar de ter iniciado seu empreendimento em 1997, usando o nome SENSAÇÕES DOCES, o pedido de registro para tal marca só foi efetuado em 2006 (processo 828859825), tendo encontrado óbice no registro da Nestlé para a marca SENSAÇÃO (registro 005004179), em 2010. 

Ao longo desses 9 anos, houve um investimento na abertura de mais de 70 lojas ao redor do país com o nome SENSAÇÕES DOCES. Após esse revés, a empresa teve que modificar o nome das lojas, incluindo a alteração de todas as fachadas, de todas as embalagens, de todos os materiais publicitários, dentre outras medidas. 

Todo esse movimento gerou um prejuízo de aproximadamente 3 milhões de reais, que poderia ter sido evitado se a marca recebesse o tratamento adequado, qual seja, de ativo econômico, vez que constitui importante pilar da estratégia de negócio e necessariamente perpassa pelo adequado processo de proteção legal. Note-se que, infelizmente, para o caso em referência, foi conferida atenção e preocupação com o nome empresarial, porém, como observa-se com certa frequência, descuidou-se daquilo que confere direito exclusivo à palavra ou símbolo que caracteriza o produto ou serviço.

SORVETE É BOM x KIBON (https://oglobo.globo.com/economia/sorvete-sem-nome-esta-de-volta-3149400): Mais antigo ainda, porém, não menos conhecido, há o famoso caso do SORVETE É BOM x KIBON. 

A Industria de Sorvete Italiano Hebom Ltda. lançou o SORVETE É BOM, tornou-se réu em uma ação ajuizada pela titular da marca KIBON, que obteve êxito na demanda. 

Como forma criativa e de protesto pela decisão judicial, a Industria de Sorvete Italiano Hebom lançou (e registrou), na década de 1980, a marca “SORVETE SEM NOME” (registro 810758296), conquistando sucesso junto ao público consumidor. Contudo, o registro foi extinto em 2005, por não ter sido prorrogado. 

Apesar de ser um ativo econômico extremamente importante, a marca ou qualquer outro direito de propriedade intelectual (como a patente), por si só, não assegura receitas e lucros oriundos de um novo produto lançado no mercado. Sob o prisma econômico, o objetivo da marca é garantir a qualidade e reduzir os custos de procura do consumidor. Contudo, é preciso assegurar a sua estratégica combinada com outros mecanismos de apropriação, sendo de suma importância a participação de ativos complementares, tais como marketing, canais de distribuição e relação com fornecedores, para então constituírem valor ao cliente.

Os casos anteriormente narrados permitem duas constatações importantes. A primeira, o quanto é relevante integrar a estratégia de propriedade intelectual à estratégia comercial da empresa, desde a fase de ideação até o lançamento do produto. Para as marcas brevemente analisadas, tal providência permitiria o prévio mapeamento de concorrentes (busca de anterioridade), segurança jurídica para comercialização dos produtos (proteção legal) e mitigação de riscos e perdas financeiras oriundas de relançamentos e da reconfiguração da estrutura de vendas e do capital reputacional conquistado. 

A segunda, igualmente importante, refere-se à importância da capacidade (processos) que uma empresa deve dispor para responder rapidamente a mudanças de cenário e adversidades, reconfigurando estruturas de ativos fundamentais à manutenção de sua vantagem competitiva e aspectos reputacionais, que resultam na continuidade da preferência do cliente pela marca, que nos casos citados foram remodeladas com a devida transferência de valor. 

Nesse contexto, destaca-se a relevância das rotinas, habilidades e ativos complementares difíceis de replicar e que constituem a verdadeira essência do produto, cujas receitas podem ser apoiadas e alavancadas por direitos de propriedade intelectual. 

Em contrapartida, há casos em que se observam resultados formidáveis, em que o lançamento do produto, após o registro da marca, garante a competitividade do titular da marca frente aos seus concorrentes, a segurança jurídica para o titular e a confiabilidade do mercado e do público em relação ao produto lançado. 

Exemplo recente dessa situação ocorreu com o carro TERA, da Volkswagen. Neste constata-se a relação positiva entre a gestão da propriedade intelectual e a gestão da inovação para alavancagem da vantagem competitiva, manutenção da liderança e expansão de mercado. 

Ao trazer a propriedade intelectual para o centro das discussões das estratégias de marketing, compartilhando a sua gestão para além do departamento jurídico, a Volkswagen fez com que o TERA atingisse o top 10 mais vendidos no Brasil, apenas 3 meses após o seu lançamento, em 2025. Neste caso, a segurança jurídica advinda da concessão do registro de marca se deu em novembro de 2024, isto é, em momento anterior ao lançamento do produto e em pleno compasso com as estratégias de inovação e de negócio da empresa no mercado brasileiro. 

(Novo SUV da Volks entra na lista dos 10 carros mais vendidos; veja ranking)4

É sabido que a maioria dos produtos e serviços novos não se tornam necessariamente um sucesso comercial e a maioria das tecnologias não chegam sequer ao mercado1. Porém, ao se adotar maior convergência entre os processos de gestão da inovação e gestão da propriedade intelectual, como observado no caso da Volkswagem, o sucesso se materializa no aumento de receitas, no crescimento, na redução de custos, no atendimento das demandas da sociedade, no cumprimento de regulações ou mesmo na atração de parcerias e financiamentos. 

É neste contexto que, acompanhando a tendência global de ampliação dos bens intangíveis que podem ser objeto de apropriação por propriedade intelectual, a recente publicação da ISO2 instituindo famílias e padrões 56000 2, com ferramentas e métodos dedicados à gestão holística da inovação, reconheceu explicitamente, por meio da NBR ISO 56005 3, o papel da PI como alavanca entre as estratégias de inovação e de negócios das organizações. Para tanto, recomenda-se atividades de gestão da propriedade intelectual específicas, por seu turno capazes de realização de valor e captura de retornos financeiros do processo de inovação.

Os casos brevemente abordados neste artigo ilustram, fundamentalmente, apenas um dos cinco eixos que sustentam uma estratégia de propriedade intelectual segundo a NBR IS0 56005: criação e proteção da propriedade intelectual, voltado à proteção legal. É por meio deste, mas não apenas, que se define os limites e contornos do bem imaterial, dotando-o dos atributos da exclusividade e transferibilidade, facilitando a sua comercialização e exploração econômica. Porém, há outras formas de potencialização do uso da propriedade intelectual para alavancagem de negócios, que permitem a geração de inovação de forma contínua, objetivando resultados consistentes, mensuráveis e replicáveis.

Para o caso de marcas, a prática de registro e proteção desde as primeiras etapas do processo de inovação garante segurança, valor competitivo e sustentação para conquistas futuras. Proteger uma marca é abrir caminho para o crescimento de negócios e para o fortalecimento de grandes histórias no mercado (vide Google, Amazon, Microsoft).

Portanto, assegurar o registro tempestivo de uma marca é proteger o investimento, fortalecer a identidade do produto e abrir espaço para que a inovação chegue ao mercado de forma segura e competitiva. Casos como o Volkswagem Tera demonstram que a proteção de marca é um passo essencial na construção de sucessos comerciais.

Por fim, vale lembrar que, embora o presente artigo tenha como foco principal o impacto econômico decorrente do registro da marca, ele também é perfeitamente aplicável aos demais direitos de propriedade intelectual (como patentes e desenhos industriais), respeitados os requisitos legais próprios de cada instituto. Interessante anotar que, ao contrário das patentes, mais custosas e trabalhosas para obtenção do direito, as marcas podem gerar rendas e efeitos comerciais significativos, com pouca ou nenhuma inovação. Para tanto, é fundamental dispor de estratégia de propriedade intelectual combinada com outros recursos de apropriação e ativos complementares, devidamente integrados às estratégias de negócio e inovação.

___________________

1 Segundo a legislação brasileira, só é proprietário da marca aquele que a registra no INPI, nos termos do art. 129, da Lei nº 9.279, de 14/05/1996. O registro é resultado de um processo administrativo no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que é iniciado com o depósito da marca. Contudo, “depositar a marca”, não significa que a marca será concedida. Há a necessidade de acompanhamento constante do processo administrativo (até mesmo após a concessão), inclusive para evitar que marcas semelhantes no mesmo segmento de mercado sejam equivocadamente concedidas. 

1 TIDD, J.; BESSANT, J.; PAVITT, K. (2008). Gestão da Inovação. 3 edição. Porto Alegre: Bookman.

2 International Standart for Organization. No Brasil, a representante ISO é a Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT. 

2 ABNT NBR ISO 56000:2021. Gestão da inovação – fundamentos e vocabulário. Primeira edição em 09.11.2021.

3 ABNT NBR ISO 56005:2023. Gestão da inovação – ferramentas e métodos para a gestão da propriedade intelectual - orientações. Primeira edição em 16.02.2023.

4 https://www.uol.com.br/carros/colunas/primeira-classe/2025/09/16/tera-entra-na-lista-dos-dez-carros-mais-vendidos-do-brasil.htm?utm_source=canaiswhatsapp&utm_medium=social-media&utm_campaign=noticias&utm_content=breaking-news

Felipe Augusto
Head de Marcas e Legal Affairs - Di Blasi, Parente & Associados.

Vanessa Oliveira
Advogada - Di Blasi, Parente & Associados.

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