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Flórida amplia oportunidades para médicos formados no exterior

A nova lei da Flórida (SB 7.016) cria um caminho inédito para médicos estrangeiros exercerem nos EUA sem residência americana, unindo inclusão profissional e rigor técnico.

27/10/2025

A Flórida, historicamente reconhecida pela diversidade de sua população e pela alta demanda em serviços de saúde, deu um passo decisivo rumo à modernização do seu sistema médico com a sanção da lei SB 7.016 - Live Healthy Initiative, em 21/3/24. O texto legal, aprovado quase por unanimidade pelo legislativo estadual, representa um marco para médicos formados fora dos Estados Unidos que desejam exercer a medicina no Estado.

O projeto faz parte de um conjunto de políticas públicas destinadas a fortalecer a força de trabalho em saúde, reduzir a carência de profissionais e ampliar o acesso da população aos cuidados médicos. Contudo, o ponto que mais chamou a atenção da comunidade médica internacional foi a criação de um novo caminho de licenciamento para médicos estrangeiros (foreign-trained physicians), rompendo com décadas de exigência exclusiva de residência médica americana.

A nova legislação altera o art. 458.311(8) do Florida Statutes e autoriza o Florida Board of Medicine a conceder licença plena a médicos formados fora dos Estados Unidos que ainda não tenham completado residência médica local, desde que preencham certos requisitos de qualificação e experiência profissional.

Para serem elegíveis, os candidatos deverão:

  1. Possuir licença médica ativa e sem restrições no país de origem;
  2. Ter exercido medicina de forma contínua nos quatro anos anteriores à aplicação;
  3. Apresentar comprovante de residência ou treinamento pós-graduado “substancialmente similar” a um programa americano credenciado pelo ACGME - Accreditation Council for Graduate Medical Education;
  4. Ter certificação ativa da ECFMG - Educational Commission for Foreign Medical Graduates, com aprovação nos exames USMLE Step 1 e Step 2 CK;
  5. E possuir oferta de emprego em tempo integral (full-time offer) em uma entidade de saúde licenciada na Flórida.

Após a emissão da licença, o médico deverá manter vínculo de trabalho no estado por pelo menos dois anos consecutivos, reforçando o compromisso de atuação local e o retorno social previsto pela lei.

A Flórida se torna, com essa iniciativa, o primeiro estado americano a abrir oficialmente um canal de licenciamento direto para médicos formados no exterior, reconhecendo a formação e a experiência adquiridas fora dos Estados Unidos.

Essa medida reflete um movimento global de reconhecimento de competências médicas internacionais, já adotado em países como Canadá e Reino Unido, que enfrentam a escassez de profissionais de saúde e buscam integrar talentos estrangeiros aos seus sistemas públicos e privados.

Segundo dados da American Medical Association, cerca de 25% dos médicos em atividade nos Estados Unidos são imigrantes ou graduados no exterior, e estados como a Flórida - com população envelhecida e crescente demanda hospitalar - projetam um déficit superior a 17 mil médicos até 2035, conforme o AAMC - Association of American Medical Colleges.

Embora a SB 7.016 tenha criado uma via mais acessível para o licenciamento médico, é fundamental compreender que a licença profissional e o status imigratório são processos distintos.

A obtenção da licença estadual autoriza o exercício da medicina sob a ótica regulatória, mas não substitui a necessidade de um visto de trabalho válido ou residência legal que permita a prática profissional.

Médicos estrangeiros interessados em atuar na Flórida deverão avaliar qual categoria de visto é mais compatível com sua situação  como os vistos O-1 (para indivíduos de habilidade extraordinária), H-1B (para profissionais altamente qualificados), ou EB-2 NIW e EB-1A (para residência permanente baseada em mérito profissional).

Mesmo com a nova legislação estadual, a conformidade com as normas Federais de imigração permanece indispensável, pois o exercício legal da profissão nos Estados Unidos requer não apenas qualificação técnica, mas também status imigratório compatível.

Em outras palavras, a lei estadual abre as portas, mas o visto é a chave que permite atravessá-las.

Embora a lei esteja em vigor desde março de 2024, o Florida Board of Medicine ainda está elaborando as normas complementares que definirão:

A previsão é que essas regras sejam publicadas até o final de 2025 ou início de 2026, quando o sistema de inscrição será oficialmente aberto aos candidatos.

Enquanto isso, médicos interessados podem iniciar a preparação documental, reunindo diplomas, históricos, certificados, traduções juramentadas, comprovação de prática médica e o início do processo de certificação ECFMG, para que estejam prontos quando a via estadual for regulamentada.

Sob a ótica do Direito Internacional e da Mobilidade Profissional, a SB 7.016 representa um avanço no reconhecimento de formações estrangeiras e na redução de barreiras regulatórias.

A norma equilibra o rigor técnico do sistema americano com uma perspectiva de integração humanitária e pragmática, valorizando profissionais que já comprovam trajetória ética e experiência sólida em seus países de origem.

Esse novo modelo pode, inclusive, servir de referência para outros Estados americanos, mostrando que a inclusão de profissionais internacionais não compromete a qualidade do sistema de saúde ao contrário, fortalece sua capacidade de resposta e diversidade técnica.

A aprovação da Live Healthy Initiative inaugura uma nova fase no panorama médico e jurídico dos Estados Unidos. Para médicos estrangeiros, especialmente latino-americanos e brasileiros, a Flórida passa a representar um caminho legítimo e acessível para a prática profissional, dentro da legalidade e com reconhecimento estatal.

Essa medida simboliza o início de uma política mais coerente com o mundo globalizado: um sistema que reconhece mérito, experiência e competência técnica além das fronteiras.

Ao reduzir barreiras desnecessárias e valorizar a experiência internacional, a Flórida reafirma que o verdadeiro objetivo das políticas de saúde deve ser o bem-estar coletivo  e que, para alcançá-lo, o conhecimento médico precisa circular com liberdade e responsabilidade.

Juliana Marcassa
Advogada especializada em Direito Internacional das Imigrações pela PUC. LL.M. em American & Transnational Law pela University of Dayton School. Membro da Academia Brasileira de Direito Internacional

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