Recentemente, em 11 de setembro de 2025, foi proferido pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE/PR), o Acórdão nº 2543/25, de relatoria do Conselheiro Fernando Augusto Mello Guimarães1, em que foi apreciada a Concorrência Eletrônica nº 04/2024, com regime de execução sob empreitada por preço global, conduzida pela Prefeitura de Pato Branco, para a construção de um terminal aeroportuário naquele município2.
Ao se analisar o acórdão, percebe-se que um dos entendimentos do TCE/PR e que resultou em uma das determinações é a obrigatoriedade da adoção de matriz de riscos à obra por ele proclamada como de “grande complexidade”, com fundamento no art. 22, § 3º, da lei n. 14.133/2021.
Para o leitor, cumpre transcrever a íntegra desse dispositivo:
§ 3º Quando a contratação se referir a obras e serviços de grande vulto ou forem adotados os regimes de contratação integrada e semi-integrada, o edital obrigatoriamente contemplará matriz de alocação de riscos entre o contratante e o contratado.
O art. 6º, em seu inciso XXII, da lei de licitações e contratos administrativos, cumpre o importante papel de definir o que é uma obra, serviço ou fornecimento de grande vulto:
obras, serviços e fornecimentos de grande vulto: aqueles cujo valor estimado supera R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais)3.
É importante destacar que o STF já assentou a constitucionalidade de leis locais que reduzam este valor, adequando-o a sua realidade. Tratou-se do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 1.410.340/SP, de relatoria do ministro Dias Toffoli, no qual foi apreciada lei do município de São José do Rio Preto/SP, de iniciativa parlamentar, que instituiu um valor menor para o conceito de “grande vulto”.4 Não é o caso do município de Pato Branco, que adota o valor estabelecido pelo legislador nacional.
É interessante trazer ao leitor que, para o TCE/PR, no Acórdão nº 2543/25, “a lei nº 14.133/2021, em seu Art. 22, § 3º, estabelece a obrigatoriedade da inclusão da matriz de alocação de riscos em editais de obras e serviços de grande vulto ou de grande complexidade”.
Com o devido respeito à Corte de Contas das Araucárias, a interpretação adotada parece ir além do que está expressamente previsto na norma. Acima, o leitor pode observar a íntegra do que diz o art. 22, § 3º, da lei 14.133/21. Ao associar a obrigatoriedade da matriz de riscos à “grande complexidade”, o TCE/PR promove uma interpretação extensiva, que acaba por ampliar o escopo desse parágrafo para uma hipótese não contemplada originalmente pelo legislador.
Obra de “grande vulto”, como traçado pelo legislador, possui conceito objetivo, estabelecido na própria lei, sendo uma régua clara e incontestável. Obra de “grande complexidade” não possui definição legal e carrega um elevado grau de subjetividade. O que é grande complexidade? Complexo para quem? O que pode ser complexo para o TCE/PR pode não ser para a Prefeitura de Pato Branco. O que pode ser complexo para um engenheiro, pode deter baixa complexidade para outro.
Ao fazer prevalecer um critério subjetivo de “complexidade” sobre o parâmetro monetário objetivo da lei, a decisão do TCE/PR resulta na criação de uma nova hipótese de obrigatoriedade, não prevista expressamente pelo legislador federal.
A opção do legislador nacional em reservar a obrigatoriedade da matriz de riscos às contratações de grande vulto (previamente definidas na própria lei) deve, ao nosso sentir, ser respeitada. O valor total da contratação constante no edital da licitação do município paranaense é de R$ 38.224.878,14 (inferior a 20% do valor considerado como “grande vulto”), não se tratando de contratação integrada ou semi-integrada.
É inegável a importância da matriz de alocação de riscos como instrumento de governança. Seu propósito é nobre: trazer transparência e previsibilidade aos contratos, listando os potenciais riscos a execução de um empreendimento (geotécnicos, ambientais, de projeto, etc.) e definindo de antemão qual parte — Administração ou contratado — arcará com os potenciais ônus.
Contudo, os desdobramentos práticos da elaboração da matriz anteriormente não realizada (com guarida legal) ocasionam um impacto econômico direto, geralmente não coberto pela dotação orçamentária inicial, dentre os quais mencionamos os procedimentais e os contratuais.
A título de exemplo, mencionamos a possibilidade de contratação de consultoria especializada para elaborar tal matriz de riscos, que a lei não exige para uma obra desse valor (custo procedimental). Ademais, expressamos a preocupação com o potencial encarecimento da proposta vencedora, já que o contratado será conduzido a precificar riscos a ele alocados e que poderiam ser eficientemente geridos pela Administração.
Quanto maior o número de riscos (especialmente os imprevisíveis) atribuídos ao contratado, maior será o custo da contratação. Isso ocorre porque a licitante, ao elaborar sua proposta, irá "precificar" cada um por ela assumido. Uma matriz imposta em um contexto inadequado pode levar a um encarecimento desnecessário a todo o processo de contratação.
Compreendemos, com a devida deferência ao TCE/PR, que a determinação parece adentrar a esfera da apreciação técnica do administrador público. Caberia à equipe de planejamento da Prefeitura de Pato Branco, ao realizar os estudos técnicos preliminares, decidir se seria o caso ou não do estabelecimento de uma matriz de riscos, com a correspondente alocação, ou se outros mecanismos de controle seriam suficientes e mais econômicos.
Ao, in litteris, “determinar ao Município de Pato Branco que, antes da reabertura ou continuidade da Concorrência Eletrônica nº 04/2024: [...] (ii) elabore e inclua no edital matriz de alocação de risco, observando a complexidade da obra objeto do processo licitatório e a legislação específica, especialmente o disposto no Art. 22 da lei nº 14.133/2021”, o entendimento do Tribunal acaba por se sobrepor ao juízo técnico e administrativo que, a princípio, caberia ao gestor municipal.
Em sede conclusiva, defendemos que a prerrogativa de estabelecer ou não a matriz de riscos nas obras não contempladas no escantilhão de grande vulto (conceituado objetivamente na lei nº 14.133/2021) deve recair sobre o gestor, o qual deve analisar a necessidade e adequação da medida, não só sob os aspectos técnicos, mas também econômicos.
A análise deste caso convida a uma reflexão sobre o equilíbrio entre o indispensável controle externo e a necessária margem de apreciação técnica do administrador público. A segurança jurídica depende de critérios claros e objetivos, como os que o legislador estabeleceu na lei nº 14.133/2021 para a obrigatoriedade da matriz de riscos. A decisão sobre a aplicação de instrumentos complexos como este determinado pelo TCE/PR, em casos não abarcados objetivamente pela norma, deve, preferencialmente, permanecer na esfera do gestor, que detém a visão integral das necessidades técnicas e econômicas do empreendimento.
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1. A íntegra do acórdão pode ser acessada aqui: https://www1.tce.pr.gov.br/multimidia/2025/9/pdf/00397891.pdf. Acesso em 19 out. 2025.
2. A íntegra do edital e documentos pertinentes pode ser consultada aqui: https://patobranco.pr.gov.br/licitacao/edital-de-concorrencia-eletronica-no-04-2024-processo-no-54-2024/. Acesso em 19 out. 2025.
3. Este valor é atualizado anualmente por ato do Executivo Federal e, em 2025, é de R$ 250.902.323,87 (duzentos e cinquenta milhões novecentos e dois mil trezentos e vinte e três reais e oitenta e sete centavos), nos termos do Decreto nº 12.343/2024.
4. Para mais: ALVES, Felipe Dalenogare; SILVA, Jader Esteves da. A fixação de valores à dispensa de licitação pelos entes subnacionais. Consultor Jurídico (CONJUR), 14 jan. 2025. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2025-jan-14/a-fixacao-de-valores-a-dispensa-de-licitacao-pelos-entes-subnacionais/. Acesso em: 19 out. 2025.