O projeto de anistia em curso perante a Câmara dos Deputados sofreu pressões do STF que antecipou a inconstitucionalidade da proposta.
Diante disso, Michel Temer, Aécio Neves, Paulinho da Força e o ministro Gilmar Mendes costuraram um projeto substitutivo que chamou de dosimetria da pena, isto é, ao invés de anistia buscou encurtar o prazo do cumprimento das penas impostas.
Dosimetria, na verdade, corresponde à etapa da sentença penal condenatória e tem como objetivo individualizar a pena, isto é, ajustar a pena às circunstâncias do fato e às condições pessoais do condenado, a fim de assegurar a proporcionalidade e a justiça.
O critério para a dosimetria está previsto no art. 68 do CP que adota o sistema trifásico.
Na primeira etapa o juiz parte do mínimo legal da pena para o crime previsto. Avalia as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP como culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime, e comportamento da vítima.
Como base nesses elementos o juiz poderá aumentar ou diminuir a pena-base.
Na 2ª fase o juiz examina as circunstâncias que agravam ou atenuam a pena (arts. 61 e 65 do CP), por exemplo: agravante = crime cometido por motivo torpe; atenuante = confissão espontânea.
Na 3ª fase o juiz examina as causas de aumento e diminuição da pena aplicando as majorantes e minorantes previstas no CP, ou leis especiais como lei de drogas, lei Maria da Penha.
Exemplo: Aumento de 1/3 se o crime foi cometido por mais de uma pessoa. Diminuição 1/6 a 2/3 se houver apenas a tentativa de crime.
A dosimetria busca evitar penas arbitrárias respeitando-se o princípio constitucional da individualização da pena prevista no art. 5º, XLVI da CF, a fim de assegurar a proporcionalidade entre o crime cometido e a pena aplicada.
Examinaremos um caso concreto, de furto simples previsto no art. 155 caput do CP.
A pena básica (1ª fase) tem início com o mínimo legal de 1 ano de reclusão. Depois de analisadas as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP fixa-se a pena-base em 1 de reclusão e multa mínima.
Na 2ª fase o juiz verifica se há agravantes ou atenuantes (art. 61 e art.65 do CP, respectivamente).
Verificando-se que o réu confessou voluntariamente o crime praticado o juiz reduz a pena para 10 meses de reclusão à vista de não existência de agravante.
Na 3ª fase o juiz verifica as causas majorativas ou minorativas previstas em lei.
Não havendo causas majorativas e minorativas o juiz mantém a pena de 10 meses de reclusão e, tendo em vista que a pena é menor que 4 anos e o réu é primário, o juiz fixa o regime inicial aberto (art. 33, § 2º, c do CP).
Pode, no caso, o juiz substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos como, por exemplo, a prestação de serviços à comunidade (art. 44 do CP).
De todo o exposto conclui-se pela absoluta impropriedade de o Poder Legislativo proceder a dosimetria da pena, matéria cabente tão somente ao Poder Judiciário. Não há como o Legislativo, que sequer conhece os corréus e nem participou da instrução probatória, pretender a individualização da pena.
Este projeto legislativo em exame na Câmara dos Deputados peca pelo vício de inconstitucionalidade ab initio ao invadir seara de atribuição cabente ao Poder Judiciário.
O presidente do Senado, David Alcolumbre, já sinalizou que o Senado irá rejeitar a iniciativa da Câmara dos Deputados.
Deveria a Câmara prosseguir com o projeto de anistia como originalmente proposto, agindo cada um em sua quadra. O STF esgotou a sua missão ao condenar os réus de 8 de janeiro fixando a pena a cada correu. Conceder ou não a anistia é prerrogativa do Congresso Nacional. Nisso se resume a independência e a harmonia dos poderes proclamada no art. 2º da Constituição Federal.