A 3ª turma do STJ decidiu, por unanimidade, que a redução do limite do cartão de crédito sem comunicação prévia ao consumidor não gera, por si só, dano moral presumido (in re ipsa). O entendimento foi firmado no REsp 2.215.427/SP, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, julgado em 8 de outubro de 2025.
A controvérsia
No caso concreto, a consumidora ajuizou ação indenizatória contra instituição financeira alegando que o limite de seu cartão fora reduzido sem aviso prévio, o que violaria o dever de informação previsto no art. 6º, III, do CDC e configuraria dano moral presumido. O TJ/SP, entretanto, negou o pedido de indenização, entendendo que a simples redução do limite não comprovava abalo moral efetivo, sendo necessário demonstrar prejuízo concreto.
A decisão da ministra Nancy Andrighi
Ao julgar o recurso, o STJ reconheceu que a ausência de prévia comunicação ao consumidor constitui falha na prestação do serviço, conforme o art. 14 do CDC e as resoluções BACEN 96/21 e 365/23, que impõem a obrigação de notificar o cliente com antecedência mínima de 30 dias.Ainda assim, a Corte afastou o dano moral presumido, destacando que o fato, isoladamente, não viola a honra, a imagem ou a dignidade do consumidor, traduzindo apenas “mero dissabor decorrente da relação contratual e da autonomia da instituição de rever os limites de crédito segundo critérios objetivos de risco”
ACÓRDÃO STJ-RESP 2.215.427/SP
Segundo a relatora:
“Apesar da falha na prestação do serviço, não se presume a ocorrência de violação a direitos da personalidade pela simples redução do limite do cartão de crédito sem prévia comunicação à consumidora.”
A ministra ressalvou, contudo, que situações excepcionais, em que a redução cause humilhação pública, constrangimento ou exposição vexatória, podem ensejar reparação moral - desde que comprovadas nos autos.
Entre o ilícito administrativo e o dano civil
Um dos pontos mais relevantes do voto é a distinção entre a falha administrativa e a responsabilidade civil indenizatória.O descumprimento das normas do Banco Central - especialmente o dever de comunicação prévia - pode sujeitar o fornecedor à fiscalização e sanção administrativa, mas não implica automaticamente o dever de indenizar.
Essa diferenciação reforça a necessidade de proporcionalidade na responsabilização e evita que o Poder Judiciário se torne um espaço de indenizações automáticas por descumprimento formal, sem prova de dano real.
Racionalidade e combate à banalização do dano moral
O julgado dialoga com uma tendência recente do STJ: restringir a presunção de dano moral a hipóteses verdadeiramente excepcionais, como protestos indevidos, inscrição irregular em cadastros de inadimplentes ou uso indevido de dados pessoais.
O afastar o automatismo indenizatório, a decisão preserva o instituto do dano moral e fortalece a segurança jurídica, especialmente em um cenário de judicialização massiva de relações bancárias.
Na prática, a decisão desestimula ações padronizadas que exploram falhas de comunicação como fundamento genérico para pedidos de indenização, contribuindo para o enfrentamento da litigância abusiva, fenômeno que sobrecarrega o Judiciário e distorce a finalidade do processo judicial.
Impactos para o setor bancário
Para as instituições financeiras, o acórdão consolida o entendimento de que a gestão de risco de crédito é legítima - desde que fundamentada em critérios objetivos e acompanhada da transparência devida ao consumidor. O voto da ministra Nancy Andrighi reconhece a autonomia da instituição para rever limites de crédito conforme políticas internas de prevenção de inadimplência, desde que não haja abuso ou falta de comunicação reiterada.
Um passo além da controvérsia
O precedente traz uma mensagem importante: a falha no serviço pode gerar sanção administrativa, mas o dano moral exige prova do abalo efetivo.
A decisão marca um ponto de equilíbrio entre proteção do consumidor e racionalidade do sistema jurídico, reforçando que o direito não pode ser usado como instrumento de enriquecimento sem causa.
Mais do que um julgamento pontual, o REsp 2.215.427/SP sinaliza a maturidade do STJ em separar o erro de procedimento do dano à personalidade - e reafirma que a responsabilidade civil deve servir à integridade, e não à repetição mecânica de demandas.