A advocacia brasileira tem enfrentado, nos últimos anos, um tipo de ameaça que transcende as disputas processuais: o golpe do falso advogado. Criminosos têm se passado por profissionais inscritos na OAB - Ordem dos Advogados do Brasil ou por integrantes de escritórios legítimos, utilizando dados reais de processos e informações públicas para enganar clientes, solicitar depósitos via pix e prometer liberação de valores judiciais inexistentes.
O fenômeno é preocupante não apenas pelo prejuízo financeiro às vítimas, mas pelo abalo emocional e da reputação que causa à classe jurídica. O nome do(a) advogado(a), sua imagem e até o número de sua inscrição passam a ser usados como instrumentos de fraude. A cada novo caso, a confiança social na advocacia é colocada à prova.
A engenharia social por trás do golpe
De acordo com a cartilha de prevenção publicada pela OAB-SP e campanhas do TRF3 - Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o golpe ocorre em etapas bem estruturadas: o estelionatário consulta informações processuais disponíveis em sites de tribunais, entra em contato com a vítima (geralmente por telefone, WhatsApp ou e-mail) e se apresenta como advogado responsável pela ação. Em seguida, simula a necessidade de um pagamento antecipado para liberar valores de precatórios, acordos ou indenizações.
O criminoso usa nomes e números de OAB autênticos, muitas vezes de profissionais com atuação legítima, o que aumenta a credibilidade da fraude. O cliente, ao verificar superficialmente os dados, acredita estar diante de um contato verdadeiro. A sofisticação tecnológica e o domínio da linguagem jurídica tornam o golpe mais difícil de identificar.
As consequências para a advocacia real
Se, para o cidadão, o prejuízo é financeiro e emocional, para o advogado verdadeiro o dano é ético, profissional e psíquico. Ao descobrir que sua identidade foi utilizada por golpistas, muitos profissionais relatam sentimentos de impotência, raiva, vergonha e desconfiança em relação ao próprio exercício da profissão.
O impacto ultrapassa o âmbito pessoal: há risco de questionamentos éticos, reclamações infundadas e exposição pública negativa. Escritórios inteiros precisam investir em comunicação preventiva, emitir notas de esclarecimento e adotar protocolos de segurança para se protegerem de fraudes que não cometeram.
Além disso, o tempo gasto para provar a inocência, esclarecer clientes e lidar com o desgaste de imagem se soma à já intensa rotina jurídica, marcada por prazos, volume de processos e exigências cognitivas elevadas, fatores que, segundo a OAB Nacional, estão diretamente associados ao adoecimento mental na advocacia.
Um problema de segurança psicológica
O golpe do falso advogado, portanto, não é apenas uma questão policial. Ele revela a vulnerabilidade psicológica e operacional dos profissionais do Direito em um contexto de alta exposição digital, excesso de demandas e pressão por resultados.
Estudos recentes sobre saúde mental na advocacia mostram que mais de 50% dos advogados apresentam sintomas de ansiedade ou exaustão profissional, e cerca de 30% dos afastamentos médicos estão ligados a transtornos mentais. Em um cenário de insegurança e vigilância constante, a sensação de ameaça reforça quadros de estresse, insônia e perda de concentração e memória, condições que afetam diretamente a qualidade técnica do trabalho jurídico.
A chamada “economia da atenção”, impulsionada por redes e comunicações instantâneas, exige do advogado vigilância contínua, disponibilidade permanente e rapidez nas respostas, o terreno perfeito para o surgimento de golpes de engenharia social. O desgaste mental, somado à culpa e à desconfiança pós-fraude, agrava o ciclo de adoecimento.
Caminhos de prevenção e cuidado
Para enfrentar esse duplo desafio, o risco digital e o emocional, a advocacia precisa fortalecer tanto sua cultura de segurança da informação quanto sua cultura de cuidado com a saúde mental.
No campo subjetivo, é essencial reconhecer o impacto psicológico de tais situações. O advogado precisa compreender que ser vítima de fraude não é sinal de fraqueza, mas um reflexo do cenário digital de risco em que a profissão está inserida. Práticas de autocuidado, suporte emocional e espaços de troca entre colegas podem funcionar como mecanismos de defesa e resiliência.
Um chamado à responsabilidade coletiva
A OAB e as instituições do sistema de Justiça têm papel decisivo na educação digital e no suporte psicológico da classe, assim, a prevenção passa por campanhas permanentes, capacitação em segurança cibernética e políticas institucionais de acolhimento.
O golpe do falso advogado não atinge apenas o cliente, ele corrói o vínculo de confiança que sustenta a advocacia como função social essencial à Justiça. Proteger esse vínculo é, portanto, um dever ético de todos: advogados(as), entidades e sociedade. Mais do que combater a fraude, é hora de reconstruir a confiança e a autoconfiança de quem cuida da lei.