A norma e o problema
A resolução BCB 501/25 foi criada para reforçar os mecanismos de prevenção à fraude no Sistema Financeiro Nacional. A intenção é legítima. O problema está na execução: ao introduzir o conceito de “fundada suspeita” sem qualquer definição objetiva, a norma transfere integralmente o risco da decisão para as instituições financeiras.
O Art. 2º-A obriga os bancos a rejeitarem transações quando houver “fundada suspeita de envolvimento de fraude”. No entanto, o §2º delega essa avaliação ao critério de cada instituição, permitindo que se baseiem em “bases de dados públicas ou privadas” - muitas vezes contaminadas.
A dupla contaminação das bases de dados
A “fundada suspeita” é um castelo de cartas, pois os dados que a alimentam são estruturalmente falhos, contaminados por duas vias principais:
1. O desacordo comercial (o estigma do inocente):
Na prática, clientes insatisfeitos com compras acionam o MED - Mecanismo Especial de Devolução do pix alegando “fraude” para forçar estornos. O que deveria ser uma disputa cível transforma-se, para fins de sistema, em uma marcação de golpe. O comerciante inocente é estigmatizado, tendo seu CPF ou CNPJ maculado. Isso gera um dano moral in re ipsa, pois a norma cria uma “pena” reputacional sem o devido processo legal.
2. A ação fabricada (a litigância abusiva):
Pior ainda, a vagueza da norma é um convite à litigância de má-fé, que já assola as instituições financeiras com números astronômicos de ações. A “fundada suspeita” pode ser fabricada. Um indivíduo pode combinar com um terceiro para que este marque seu pix como “fraude”. Armado com essa marcação, o primeiro ajuíza uma ação contra a instituição, pleiteando danos morais pelo bloqueio “indevido” ou pela “mancha” reputacional. A ferramenta de proteção do BACEN é, assim, instrumentalizada para gerar o próprio dano que fundamentará a indenização.
A armadilha jurídica da responsabilidade civil
A norma cria uma verdadeira sinuca de bico para os bancos:
- Se não rejeitam a transação e ela é fraudulenta, serão responsabilizados com base na súmula 479 do STJ (fortuito interno).
- Se rejeitam uma transação legítima - ou uma fraude fabricada - serão acionados por falha na prestação de serviço (Art. 14 do CDC) e pelos danos causados ao cliente.
A resolução não mitiga o risco de fraude - apenas o substitui pelo risco da judicialização por bloqueio indevido ou por litigância abusiva.
Conclusão
A resolução 501, ao tentar combater fraudes com um conceito vago, pode acabar punindo inocentes e armando litigantes de má-fé. É urgente que o Banco Central estabeleça critérios objetivos para “fundada suspeita” e crie mecanismos de validação rápida - como biometria, autenticação reforçada ou contato proativo. Sem isso, a norma poderá se tornar mais um vetor de insegurança jurídica do que uma solução eficaz.