Migalhas de Peso

A Defensoria Pública como watchdog democrático

Instituição de defesa dos cidadãos fortalece a democracia ao garantir direitos, fiscalizar abusos e educar, atuando como vigilante do sistema político.

4/11/2025

Somente com a democracia um país vale a pena.

Min. Cármen Lúcia, 11/9/2025.

Outubro é o mês em que comemoramos o aniversário da Constituição Federal de 1988. Além disso, no último dia 25, celebramos o Dia Nacional da Democracia. O período nos convida a refletir sobre os desafios vivenciados no contexto de erosão democrática e, ainda, qual é o papel das instituições. Hoje, trataremos da questão sob o ponto de vista defensorial. Conforme se verá a seguir, a Defensoria Pública está intrinsecamente relacionada à democracia e pode contribuir com o desafio.

O art. 134, caput, da CF/88 com redação conferida pela EC 80/14 será o ponto de partida deste artigo. O dispositivo legal afirma que “[a] Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal”.

Na mesma direção, o art. 3º-A, inciso II, da LONDP - Lei Orgânica Nacional da Defensoria Pública, qual seja, LC 80/1994 enumera que a afirmação do Estado Democrático de Direito é um objetivo da Defensoria Pública. A redação de tal dispositivo foi conferida pela LC 132/09. O ponto de debate é: qual seria o significado da Defensoria como expressão e instrumento do regime democrático?

Pedro González anota que “expressão” e “instrumento” não são vocábulos sinônimos. Assim, é necessário apresentar os dois significados. No que diz respeito à “expressão do regime democrático”, tem-se que: “o próprio regime democrático deve ser entendido como algo dinâmico, como um processo que caminha para a concretização e aprofundamento dos seus princípios fundamentais: supremacia da vontade popular, preservação da liberdade e igualdade de direitos. A Defensoria Pública, pois, é manifestação significativa desse processo”.1

No que diz respeito ao item “instrumento do regime democrático”, tem-se que: “A democracia é um processo de afirmação do protagonismo do povo e de garantia de direitos fundamentais que vão sendo conquistados no correr da história. Essa se estrutura em três princípios (ou valores) fundamentais: (i) supremacia da vontade popular (ou soberania popular); (ii) preservação da liberdade; e (iii) igualdade de direitos. O processo democrático, então, avança conforme esses princípios vão sendo efetivados e aprofundados. Nessa trilha, ser instrumento do regime democrático é ser um meio para se obter a consolidação democrática. Para tanto, o mesmo deve buscar a concretização dos três princípios democráticos”.2 3

Ao capilarizar o atendimento de milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade, a Defensoria Pública funciona como megafone4 desta população, bem como uma instituição que tem a função precípua de educação em direitos. O cotidiano do Estado-Defensor é estar “na linha de frente” da garantia de direitos das pessoas em situação de vulnerabilidade dos mais variados recortes: encarcerados, ribeirinhos, quilombolas, pessoas em situação de rua, indígenas, população LGBTQIAPN+, pessoas idosas, população negra, mulheres em situação de violência doméstica, moradores de favelas, crianças, adolescentes, consumidores superendividados e tantos outros.

Nessa ordem de ideias, ao ser concebida constitucionalmente como “expressão e instrumento do regime democrático”5, a Defensoria Pública transcende sua função tradicional de assistência jurídica e passa a integrar, de forma estruturada, a rede de vigilância e fortalecimento da democracia, sobretudo em tempos de riscos de retrocessos. Assim, revela-se apta para ser considerada um watchdog democrático, exercendo controle em rede, conforme se verá a seguir.

O que é watchdog democrático?6

Watchdog democrático também denominado de “vigilante democrático” trata-se de ator que trabalha em rede para resguardar o adequado funcionamento da democracia. Nessa ordem de ideias, ao receber determinadas atribuições do sistema jurídico, tem a aptidão para conter comportamentos abusivos desempenhados por uma liderança autoritária. A doutrina aponta que movimentos de retrocesso democrático7 são marcados por três características principais: (i) ascensão de lideranças populistas e autoritárias, (ii) rejeição das regras do jogo por tais lideranças e (iii) corrosão da ordem democrática, por meio de atos e normas que comprometem as suas bases.

O que é particular ao padrão de retrocesso democrático é que ele não se dá por meio de um golpe com armas, mas por meio de um debilitamento progressivo do sistema, por meio de atos, ataques e normas, que, se examinados individualmente, não necessariamente tornam evidente o retrocesso. Entretanto, se compreendidos em seu conjunto, promovem consequências sistêmicas gravíssimas, que minam as bases da democracia8. O vigilante democrático atua para resguardar, justamente, o adequado funcionamento da democracia. O conjunto de watchdogs democráticos, em atuação sistêmica, forma uma rede de proteção à democracia em relação aos padrões de retrocessos. A doutrina realiza a classificação dos watchdogs em: internos e externos. Além disso, os watchdogs internos podem ser horizontais e verticais.

Os watchdogs internos horizontais correspondem a instituições, agências e órgãos que integram a institucionalidade oficial estabelecida pela Constituição e pelas leis, exercem competências e atribuições formais e, nessa medida, podem limitar o exercício abusivo do poder. São exemplos deles: o Poder Judiciário, o Poder Legislativo, a Defensoria Pública, o Procurador-Geral da República, as cortes de contas e as agências reguladoras. Já os watchdogs internos verticais são agentes que não integram propriamente a estrutura estatal, mas que exercem poder e influência na esfera pública e, por conseguinte, podem desempenhar um papel de contenção de lideranças autoritárias. Entre tais agentes encontram-se: a imprensa, os partidos políticos, a sociedade civil e os movimentos sociais.

Além dos watchdogs nacionais, atores e instituições internacionais são potenciais aliados para a contenção de retrocessos democráticos. A comunidade internacional como um todo detêm algum poder de pressão e de contenção de ações arbitrárias tomadas por parte dé lideranças autoritárias em âmbito nacional. Tem-se, assim, os watchdogs externos: sistemas internacionais de proteção de direitos humanos, imprensa e ONGs internacionais.

A democracia e os direitos fundamentais nunca estão definitivamente conquistados. São valores que precisam ser permanentemente defendidos, especialmente em contextos de “grande polarização política no país, marcada pela circulação massiva de notícias falsas nas redes sociais; por ataques à imprensa e às instituições, em especial ao STF”9 10. Nessa linha de raciocínio, a doutrina comenta que nenhum vigilante democrático dispõe de força suficiente para, individualmente, opor-se a uma liderança autoritária determinada a avançar sobre a democracia e sobre os direitos fundamentais.

Brasil a fora, defensores e defensoras públicas atuam como watchdogs e verdadeiros agentes da democracia ao garantir o pluralismo de vozes das pessoas vulnerabilizadas. Assim, a Defensoria Pública atua não apenas como garantidora de direitos no âmbito individual e em sede de tutela coletiva, mas também como agente ativo na proteção do regime democrático. A seguir, vejamos a atuação sistêmica da Defensoria.

A atuação sistêmica da Defensoria Pública na rede de proteção à democracia: três exemplos concretos de atuação enquanto watchdog democrático

Após alicerçadas as bases sobre a figura da Defensoria Pública como “expressão e instrumento do regime democrático” à luz do art. 134 da Constituição Federal e sobre o conceito de watchdog democrático, serão apresentados três exemplos concretos, quais sejam: (i) atuação nas Missões de Observação Eleitoral (MOE); (ii) atuação sistemática para garantir o “passe livre” nas eleições e (iii) atuação articulada no combate às fake news.11

As MOE - Missões de Observação Eleitoral são regulamentadas pela resolução 23.678/21/TSE A normativa anota que “[c]onsidera-se MOE - Missão de Observação Eleitoral, o procedimento sistemático de acompanhamento e de avaliação das eleições periódicas, de eleições suplementares e de outros processos que impliquem decisão política das cidadãs e dos cidadãos, como as consultas populares de caráter nacional, estadual e municipal, que seja realizado de forma independente”.

As MOE têm por finalidade contribuir para o aperfeiçoamento do processo eleitoral brasileiro, ampliar sua transparência e integridade, bem como fortalecer a confiança pública nas eleições. Por meio do Edital de Chamamento Público 01/22/TSE, foram abertas as inscrições para o credenciamento de entidades interessadas em realizar MOE nas Eleições Gerais de 2022. Assim, a ANADEP - Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos foi uma das entidades selecionadas.

Foram realizadas atividades preparatórias, como por exemplo, lacração de urnas, verificação dos sistemas de transmissão e testes de integridade. No dia das eleições, sem interferir ou auditar, os observadores e observadoras visitaram os locais de votação, especialmente as seções eleitorais, onde realizam entrevistas com eleitores/as, presidentes de seção, mesários/as, secretários/as e agentes de segurança. Ao total, quase 100 (cem) defensores/as públicos/as atuaram em 19 estados e no Distrito Federal no 1º e no 2º turno.12

O método de abordagem era por meio de aplicação de um questionário composto por variadas perguntas. Entre elas, estava: “Qual o grau de confiabilidade no sistema eleitoral brasileiro? Atribuindo-se nota variável de 0 a 10, sendo 0 nada confiável e 10 totalmente confiável”. Além da coleta de dados dos eleitores e eleitoras por meio do referido questionário, os observadores e observadoras visitaram os locais de votação e responderam perguntas sobre zerésima, instalação das cabines de votação no tocante à garantia do sigilo do voto, presença ou não dos fiscais de partidos políticos, reclamações sobre urna, entre outras.

Nos relatórios apresentados ao TSE, a ANADEP informou que entrevistas realizadas com eleitores e eleitoras em todo o país indicam alto grau de confiança da população na Justiça Eleitoral13. Por fim, ao realizar um balanço da participação de defensores e defensoras nas MOE, foi destacado que a ANADEP “reforça seu compromisso com o fortalecimento da cidadania e da democracia, assegurando que o direito ao voto seja exercido de forma consciente, livre e com total transparência. A presença de defensoras e defensores públicos nas MOE é símbolo da responsabilidade social da Defensoria Pública, que, além de garantir o acesso à justiça, atua como agente de transformação social e promotora de direitos”.14

Em relação à atuação sistemática para garantir o “passe livre” nas eleições, verifica-se uma atuação da Defensoria Pública em diversos estados. Em Goiás, a Defensoria Pública, por meio do seu Núcleo Especializado de Direitos Humanos, atuou enquanto custos vulnerabilis15 junto à Justiça Eleitoral em que se discutia a disponibilização de frota de ônibus extras para eleitores. Com o ingresso da DPE-GO nos autos, foi solicitada e garantida a gratuidade integral (“tarifa zero”). Na época, a ADPF 1.013 ainda não havia sido julgada pelo Eg. STF16. A atuação foi realizada a partir da constatação do alto índice de abstenção entre as pessoas menos escolarizadas nas eleições e do empobrecimento da população. Nessa ordem de ideias, é importante ressaltar que o público-alvo era, justamente, os assistidos da Defensoria Pública, já que o valor pago para chegar às sessões eleitorais era maior do que a multa imposta pela Justiça Eleitoral a quem não comparece às urnas sem justificativa.

 

Em São Paulo, a DPE/SP, atuou pela “tarifa zero” visando assegurar o direito constitucional à participação política a pessoas vulneráveis sem o prejuízo do próprio sustento, a atuação pautou-se em três eixos principais: tentativa de solução extrajudicial junto ao Poder Público, incidência nas ações judiciais em andamento e ajuizamento de ações coletivas e produção de material de apoio para ser replicado com suporte ativo aos defensores e defensoras públicas.17

No Rio de Janeiro, a DPE/RJ enviou recomendações para os municípios do estado que não haviam sinalizado sobre a prestação do serviço de transporte público gratuito. Na ocasião, também foi reforçada a necessidade de olhar também para a realidade dos eleitores residentes em zonas rurais, população indígena, quilombola e comunidades remanescentes18. Na Bahia, a DPE-BA realizou a campanha “Democracia Vai de Buzu19 e garantiu a gratuidade nos transportes para 6,5 milhões de eleitores. Ademais, houve atuação da DPE/PR20, DPE/AC21, DP/DF22, DPE/ES23, DPE/PI24, DPE/RN25, DPE/RS26 e DPE/SE27.

Por fim, no tocante à atuação articulada no combate às fake news, tem-se que a desinformação coloca em risco a democracia. Uma das formas de atuação se dá por meio da educação em direitos. Trata-se de função institucional da Defensoria Pública prevista no art. 4º, inciso III, da LC 80/1994. Como aponta Patrícia Kettermann, a educação em direitos é um substrato da orientação jurídica e se destina à conscientização da sociedade, de modo que todos compreendam os seus direitos e sejam capazes de exercê-los e solucioná-los de forma pacífica.28

Assim, a educação em direitos possui o escopo fundamental de garantir a aquisição dos conhecimentos, habilidades e valores necessários para que o indivíduo vulnerável possa conhecer, compreender, afirmar e reivindicar os próprios direitos. Trata-se, ainda, de difusão e conscientização sobre cidadania. Assim, vejamos atuação articulada no combate às fake news.

De início, destaca-se a atuação da DPE/AM tendo em vista que promove oficinas que aprimoram a habilidade de pessoas idosas para identificarem o padrão de fake news29. A ação ocorre na FUnATI - Fundação Universidade Aberta da Terceira Idade, na Zona Oeste de Manaus30. Na mesma linha, a DPE/MA realiza oficinas “Fato ou Fake” em Imperatriz e São Luís. A atividade discute o tema “Desinformação e Vulnerabilidades” e tem como objetivo ensinar às pessoas idosas como checar a autenticidade de uma informação e as implicações do compartilhamento de notícias falsas. Assim, as pessoas idosas analisam manchetes e aprendem como checar a veracidade.31

Em São Paulo, a DPE/SP, celebrou termo de cooperação entre o CONDEPE - Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, o MPE/SP, a DPU/SP e a OAB/SP para monitoramento de atos de violência política, violações de direitos humanos praticados contra candidatos e enfrentamentos de fake news e discursos de ódio durante as eleições.32

Na Bahia, a DPE/BA promoveu um ciclo de atividades de educação em direitos sobre o processo eleitoral e democracia com adolescentes cumprindo medida socioeducativa. Ademais, a Defensoria acompanhou os mutirões para obtenção de documentos de identificação e os trabalhos da Justiça Eleitoral relativos ao alistamento, revisão e transferências eleitorais nos estabelecimentos penais e unidades de internação. No dia da votação, a Defensoria disponibilizou colaboradores para atuar como mesários33. De acordo com o TRE/BA, 817 presos provisórios e 77 adolescentes custodiados no estado estavam aptos a votar nas eleições gerais.

Já no Rio Grande do Sul, de forma pioneira, a DPE/RS criou o Grupo de Atuação em Defesa da Democracia e do Estado de Direito34. Sob a sigla “GADD”, trata-se do primeiro Grupo de Atuação criado em Defensorias Públicas do país e tem o objetivo de acompanhar a crescente demanda de situações que envolvam ataques ao Estado de Direito ou à Democracia, com especial prejuízo para as pessoas em situação de vulnerabilidade.

No Paraná, a DPE/PR em conjunto com a UFPR enviou contribuições à ONU sobre o impacto das fake news no acesso aos direitos humanos35. Já em Sergipe, a DPE/SE em conjunto com o TRE/SE e demais instituições parceiras assinaram o Pacto Contra a Desinformação36 Vale notar, ainda, que recentemente foi criado um “Sistema de Alertas”, que trata-se da plataforma dedicada a receber, analisar e encaminhar denúncias relacionadas à desinformação eleitoral.37

Em Minas Gerais, a DPE/MG celebrou termo de cooperação com o TRE-MG para enfrentar as fake news nas eleições. A parceria faz parte do “Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação”38, que busca prevenir e enfrentar, de forma constante, a desinformação contra a Justiça Eleitoral em Minas Gerais, por meio da valorização da democracia e da divulgação de informações seguras sobre o processo eleitoral39. Registra-se que a DPE/TO também assinou termo de cooperação com o TRE/TO, com foco no combate à disseminação de notícias falsas nas eleições40. Ademais, houve atuação da DPE/ES41, DPE/MS42 e DPE/RJ43 na pauta.

Tal atuação sistemática comprova o papel fundamental da Defensoria no fortalecimento da democracia e no combate às fake news. Ressalta-se que a desinformação reduz o acesso a informações confiáveis, essenciais para decisões conscientes e também desestimula a participação política. Tais exemplos concretizam a atuação da Defensoria Pública como watchdog democrático.

O que está por vir

Vistos os exemplos concretos de atuação sistêmica da Defensoria Pública na rede de proteção à democracia, é interessante registrar dois atos de reconhecimento que reforçam que a instituição atua enquanto vigilante democrático: (i) a possibilidade de participação na lista tríplice do TSE e (ii) a presença na mesa da cerimônia de posse da Presidência do Eg. STF.

No tocante à possibilidade de inclusão de defensores e defensoras públicas na lista tríplice do TSE, será um avanço44. Nesse sentido, a ANADEP enviou ofício à Presidência da Corte e apontou que, embora a Defensoria Pública seja uma das funções essenciais à Justiça previstas na Constituição, continua sendo a única carreira ainda excluída da composição dos Tribunais Superiores. O ofício, até o fechamento do presente trabalho, aguarda resposta.

Em relação à presença da Defensoria Pública na mesa da cerimônia de posse da Presidência da Suprema Corte, trata-se de um gesto histórico e que reforça a instituição enquanto vigilante democrático e sua atuação em rede. No último dia 29/9/2025, o ministro Edson Fachin assumiu o comando da Corte e, na ocasião, defendeu a confiança entre os Poderes da República e, entre outros pontos, previsibilidade nas relações jurídicas.

À convite do ministro, pela primeira vez um membro da Defensoria Pública, o defensor público-geral Federal Leonardo Magalhães, integrou a mesa durante a posse de um presidente do do Supremo. O ato foi considerado histórico e repleto de representatividade, sendo interpretado como um “recado” sobre os rumos da gestão da Corte. Foi construída, assim, a expectativa sobre uma Justiça com mais atenção às demandas da população vulnerabilizada.45

Notas conclusivas

Como visto, Brasil a fora, defensores e defensoras públicas atuam como agentes da democracia ao garantir o pluralismo de vozes das pessoas vulnerabilizadas. Assim, tem-se que a Defensoria Pública deve ser considerada como “watchdog democrático” no cenário brasileiro, tendo em vista que atua não apenas como garantidora de direitos no âmbito individual e em sede de tutela coletiva, mas também como agente ativo na proteção do regime democrático.

Ao ser concebida constitucionalmente como “expressão e instrumento do regime democrático”, a Defensoria transcende sua função tradicional de assistência jurídica integral e gratuita e passa a integrar, de forma estruturada, a rede de vigilância e fortalecimento da democracia, sobretudo em tempos de riscos de retrocessos. Os três casos concretos apresentados reforçam tal cenário.

Ao exercer sua missão institucional com autonomia funcional, capilaridade territorial e educação em direitos, a Defensoria Pública revela-se apta a atuar como vigilante democrático, exercendo controle, denunciando abusos e promovendo a participação cidadã. Assim, tem-se a necessidade de valorização de sua função estratégica na manutenção e aprimoramento da democracia brasileira. Afinal, como dito pela min. Cármen Lúcia em 11/9/2025, somente com a democracia um país vale a pena.

__________

1 GONZÁLEZ, Pedro. A definição constitucional da Defensoria Pública como expressão e instrumento do regime democrático: para além de sua função simbólica. 2018. 214f. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Direito) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018, p. 94-95.

2 GONZÁLEZ, Pedro. A definição constitucional da Defensoria Pública como expressão e instrumento do regime democrático: para além de sua função simbólica. 2018. 214f. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Direito) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018, p. 103-104.

3 Ainda, Franklyn Roger Alves Silva e Diogo Esteves enumeram que “expressão do regime democrático” pode ser interpretada como a existência de instituição sedimentada e plenamente atuante, capaz de garantir e preservar os direitos fundamentais de caráter civil, político e social. Assim, “pode ser apontada como um relevante indicador do estágio de efetiva consolidação democrática de uma sociedade”. Lado outro, na visão dos autores, “instrumento” trata-se de do meio utilizado para obter o resultado. Dessa forma, “instrumento do regime democrático” é a Defensoria como um meio para se obter a consolidação democrática. Veja-se: ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn Roger Alves. Princípios Institucionais da Defensoria Pública [livro eletrônico]. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

4 O termo foi cunhado pela Defensora Pública Patrícia Magno (DPE-RJ). Em termos simples, tem-se que a Defensoria Pública amplifica vozes dos grupos vulnerabilizados.

5 Maurílio Casas Maia enumera que “[s]er expressão do regime democrático é, antes de tudo, ser agente plural, promover o

pluralismo de vozes na seara social, política e jurídica. Ser instrumento do regime democrático é não silenciar grupos carentes de representação democrática. É, ao contrário, falar por tais grupos e/ou emancipá-los para que falem por si” (MAIA, Maurilio Casas. Expressão e instrumento da democracia: sobre o Estado defensor e a EC 80/2014. Informativo Advocacia Dinâmica, ano 2015, nº 46, p. 620-621).

6 O presente tópico foi alicerçado a partir das bases apresentadas por Patrícia Perrone e Renata Helena no texto: MELLO, Patrícia Perrone Campos; RUDOLF, Renata Helena Souza Batista de Azevedo. Watchdogs da democracia: proteção democrática em rede. In: MELLO, Patrícia Perrone Campos; BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de (Org.). Democracia e resiliência no Brasil: a disputa em torno da Constituição de 1988, Bosch Editor, 2022, p. 101-140.

7 O processo de corrosão democrática também tem sido denominado de “constitucionalismo abusivo” e “legalismo autocrático”.

8 Por todos: (i) LEVITISKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Zahar, 2018 e (ii) SOUZA NETO, Cláudio Pereira. Democracia em crise no Brasil: valores constitucionais, antagonismo político e dinâmica institucional. São Paulo: Contracorrente, 2020.

9 BARROSO, Luís Roberto; MELLO, Patrícia Perrone Campos. A Trajetória do Constitucionalismo no Brasil: do Golpe de 1964 às Novas Tecnologias: Passado, Presente e Futuro. Revista Estudos Institucionais, vol. 10, nº 4, set.-dez./2024, p. 997-998.

10 “Faoro escreveu Os donos do poder antes da ditadura militar (1964-1985). Sob a Constituição de 1988, os militares atuaram, na maior parte do período, dentro da Constituição, como era de se esperar. No entanto, entre os anos de 2019 e 2022, houve momentos delicados, com general em palanque, uso das Forças Armadas para levantar dúvidas infundadas sobre o processo eleitoral-democrático e leniência com acampamentos e manifestantes pedindo golpe de Estado na porta de quarteis” (BARROSO, Luís Roberto. Os Donos do Poder: a perturbadora atualidade de Raymundo Faoro. RBPP, vol. 12, n.º 3, dez.-2022, p. 32).

11 Optou-se por 3 (três) casos concretos, mas é possível adentrar em muitos outros. Como, por exemplo, a atuação sistemática na pandemia de Covid-19 visando a garantia de direitos fundamentais.

12 Veja-se as fotografias na Revista da ANADEP 2023 disponíveis nas páginas 60 e 61: https://anadep.org.br/wtksite/REVISTA_ANADEP_L21_WEB_.pdf. Acesso em 03.10.2025.

13 TSE. Missões de Observação: maioria dos eleitores entrevistados pela Anadep confia no sistema eleitoral brasileiro. Disponível em:

https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Novembro/missoes-de-observacao-maioria-dos-eleitores-entrevistados-pel a-anadep-confia-no-sistema-eleitoral-brasileiro. Acesso em 04.10.2025.

14 LINTZ, Juliana. MOE: O papel da ANADEP no fortalecimento da democracia. ANADEP. 2024. Disponível em: https://www.anadep.org.br/wtk/pagina/materia?id=58866. Acesso em 03.10.2025.

15 Por todos: GONÇALVES FILHO, Edilson Santana. ROCHA, Jorge Bheron. MAIA, Maurilio Casas. Custos Vulnerabilis: A Defensoria Pública e o equilíbrio nas relações político-jurídicas dos vulneráveis. Belo Horizonte: Editora CEI, 2020.

16 Registre-se que, na época, no dia 29.09.2022, foi proferida decisão pelo Ministro Luís Roberto Barroso no sentido de ser altamente recomendável a oferta de transporte público gratuito no dia das eleições.

17 EDEPE. Menção Honrosa: Garantindo o direito ao voto nas eleições gerais de 2022: a gratuidade dos transportes públicos. Cadernos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, vol. 8, nº 35, 2023, p. 91-95. Disponível em: https://www.defensoria.sp.def.br/documents/20122/29a2a846-849c-c765-d8d3-723bab4ceb7d. Acesso em 03.10.2025.

18 Confira-se a íntegra da Recomendação emitida pela DPE-RJ: https://defensoria.rj.def.br/noticia/detalhes/20613-DPRJ-recomenda-gratuidade-no-transporte-publico-no-proximo-dia-30. Acesso em 03.10.2025.

19 DPE-BA. Democracia Vai de Buzu: Atuação da Defensoria garante gratuidade nos transportes para 6,5 milhões de eleitores. Disponível em: https://www.defensoria.ba.def.br/eleicoes-atuacao-coordenada-da-defensoria-garante-gratuidade-nos-transportes-no-2o-turno-e-beneficia-65-milhoes-de-baianosas/. Acesso em 03.10.2025.

20 A petição inicial está disponível aqui:https://www.defensoriapublica.pr.def.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/202210/acp_gratuidade_do_transporte_publico_municipal_de_umuarama.docx.pdf. Acesso em 3/10/2025.

21 A atuação da DPE-AC pode ser acessada aqui: G1. Pedido da DPE para tarifa zero no transporte público em Rio Branco no 2º turno é negado. Disponível em: https://g1.globo.com/ac/acre/eleicoes/2022/noticia/2022/10/30/pedido-da-dpe-para-tarifa-zero-no-transporte-publico-em-rio- branco-no-2o-turno-e-negado.ghtml. Acesso em 03.10.2025.

22 TJDFT. Justiça determina que DF disponibilize transporte gratuito no dia das eleições. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2022/outubro/justica-determina-que-df-disponibilize-transporte-gratu ito-no-dia-das-eleicoes. Acesso em 03.10.2025.

23 Confira-se a íntegra da Recomendação nº 058/2022 dirigida aos Municípios do Estado do Espírito Santo: https://www.defensoria.es.def.br/wp-content/uploads/2022/10/Recomendacao-058-de-2022-Transporte-Publico-Gratuito-no- dia-30-de-outubro-Assinado.pdf. Acesso em 03.10.2025.

24 DPE-PI. Defensoria recomendou gratuidade do transporte público à Prefeitura de Teresina. Disponível em: https://www.defensoria.pi.def.br/defensoria-recomendou-gratuidade-do-transporte-publico-a-prefeitura-de-teresina-no-domin go-30/. Acesso em 03.10.2025.

25 Veja a notícia sobre o PROPAC: DPE-RN. Defensoria Pública do RN firma acordo e garante 100% da frota no 2º turno das eleições. Disponível em https://www.defensoria.rn.def.br/noticias/8512/. Acesso em 03.10.2015.

26 DPE-RS. Assim como ocorreu no 1º turno, Defensoria atua para garantir passe livre nos ônibus em várias cidades gaúchas nas eleições. Disponível em: https://www.defensoria.rs.def.br/assim-como-ocorreu-no-1-turno-defensoria-atua-para-garantir-passe-livre-nos-onibus-em-v arias-cidades-gauchas-nas-eleicoes. Acesso em 03.10.2025.

27 DPE-SE. Defensoria Pública recomenda gratuidade e aumento da frota de transporte público no segundo turno da eleição. Disponível em: https://www.defensoria.se.def.br/?p=30176. Acesso em 03.10.2025.

28 KETTERMANN, Patrícia. Defensoria Pública. São Paulo: Estúdio Editores, 2015, p. 30. Veja-se, ainda, “[...] para além de mera via alternativa para o desafogo do Poder Judiciário, a solução extrajudicial de conflitos revela-se como instrumento que vivifica os processos de educação em direitos e difusão da cidadania” In: COSTA, Domingos Barroso; GODOY, Arion Escorsin de. Educação em Direitos e Defensoria Pública. Curitiba: Juruá, 2014, p. 97.

29 BARROSO, Luís Roberto. Liberdade de expressão, imprensa e mídias sociais: jurisprudência, direito comparado e novos desafios. Revista da Presidência da República, vol. 25, nº 135, jan.-abr./2023, p. 40.

30 DPE-AM. Oficina aprimora habilidade de pessoas idosas para identificar fake news. Disponível em: https://defensoria.am.def.br/2022/10/21/oficina-aprimora-habilidade-de-pessoas-idosas-para-identificar-fake-news/. Acesso em 04.10.2025.

31 DPE-MA. Defensoria realiza oficina “fato ou fake" para idosos de são luís e imperatriz. Disponível em: https://defensoria.ma.def.br/dpema/portal/noticias/7609/defensoria-realiza-oficina-fato-ou-fake-para-idosos-de-sao-luis-e-im peratriz. Acesso em 04.10.2025.

32 A íntegra do Termo de Cooperação CONDEPE nº 01/2022 está disponível aqui: https://www.defensoria.sp.def.br/documents/20122/4555591/Proc.+12268.2022.pdf/3e557050-ad77-b501-1fbf-1d71b54db92 f?version=1.0&t=1673998744339null. Acesso em 01.10.2025.

33 A garantia de voto dos presos provisórios é uma conquista na qual a Defensoria da Bahia teve participação efetiva. A pauta foi levada ao TRE-BA em 2008 e é objeto de acordo de cooperação técnica assinado em Brasília em 2010, que também estabelece a garantia do direito de voto para adolescentes em conflito com a lei privados de liberdade. Veja-se: (i) DPE-BA. Presos podem ter direito a voto. Disponível em https://www.defensoria.ba.def.br/presos-podem-ter-direito-a-voto-2/. Acesso em 04.10.2025 e (ii) DPE-BA. Acordo que garante voto de presos provisórios é assinado em Brasília. Disponível em: https://www.defensoria.ba.def.br/acordo-que-garante-voto-de-presos-provisorios-e-assinado-em-brasilia/. Acesso em 04.10.2025.

34 A Resolução DPGE 02/2023/DPERS pode ser acessada aqui: https://www.defensoria.rs.def.br/upload/arquivos/202303/06183336-resolucao-dpge-n-02-2023-cria-grupo-de-atuacao-ded.p df. Acesso em 01.10.2025.

35 Veja-se a íntegra do relatório: https://www.defensoriapublica.pr.def.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2025-03/cdh_-_input_desinformaca o_e_direitos_humanos_1.pdf. Acesso em 4/10/2025.

36 TRE-SE. Instituições parceiras celebram Pacto contra a Desinformação. Disponível em: https://www.tre-se.jus.br/comunicacao/noticias/2024/Janeiro/instituicoes-parceiras-celebram-pacto-contra-a-desinformacao. Acesso em 04.10.2025.

37 DPE-SE. Defensoria Pública e demais instituições do Pacto Contra à Desinformação do TRE-SE divulgam Sistema de Alertas à população. Disponível em: https://www.defensoria.se.def.br/?p=37144. Acesso em 04.10.2025.

38 TRE-MG. TRE firma termo de cooperação com a Defensoria Pública para enfrentar a desinformação. Disponível em: https://www.tre-mg.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Setembro/tre-firma-termo-de-cooperacao-com-a-defensoria-publica-p ara-enfrentar-a-desinformacao. Acesso em 04.10.2025.

39 TRE-MG. Enfrentamento à Desinformação. Disponível em: https://www.tre-mg.jus.br/eleicoes/enfrentamento-a-desinformacao. Acesso em 04.10.2025.

40 DPE-TO. Defensoria é parceira do TRE-TO no combate à disseminação de notícias falsas nas eleições. Disponível em: https://www.defensoria.to.def.br/noticia/defensoria-publica-e-parceira-do-tre-to-no-combate-a-disseminacao-de-noticias-fals as-nas-eleicoes. Acesso em 04.10.2025.

41 TRE-ES. Instituições capixabas assinam termo de cooperação para combater desinformação e criar rede de comunicação. Disponível em: https://www.tre-es.jus.br/comunicacao/noticias/2025/Fevereiro/instituicoes-capixabas-assinam-termo-de-cooperacao-para-co mbater-desinformacao-e-criar-rede-de-comunicacao. Acesso em 04.10.2025.

42 DPE-MS. Vamos Pensar Direito debate “Desinformação e Fake News no período eleitoral”. Disponível em: https://www.defensoria.ms.def.br/imprensa/noticias/5820-vamos-pensar-direito-debate-desinformacao-e-fake-news-no-perio do-eleitoral. Acesso em 04.10.2025.

43  DPE-RJ.  DPRJ  participa  de  reunião  sobre  plano  de  ação  contra  atos  golpistas. Disponível em: https://defensoria.rj.def.br/noticia/detalhes/22800-DPRJ-participa-de-reuniao-sobre-plano-de-acao-contra-atos-golpistas. Acesso em 04.10.2025.

44 FERNANDES, Fernanda da Silva Rodrigues. Participação da Defensoria Pública no TSE: o gesto de Cármen Lúcia e o avanço da democracia. Metrópoles. Disponível em: https://www.metropoles.com/colunas/juris/participacao-da-defensoria-publica-no-tse-o-gesto-de-carmen-lucia-e-o-avanco-da-democracia . Acesso em 04.10.2025.

 

45  BRÍGIDO,  Carolina.  Os  pobres  foram  convidados  para  a  mesa  da  Justiça.  Terra.  Disponível  em: terra.com.br/noticias/brasil/politica/os-pobres-foram-convidados-para-a-mesa-da-justica-diz-defensora-publica-sobre-posse- de-fachin,9b015eccf9b02cca549385c791447bf7aq9d6y03.html. Acesso em 4/10/2025.

Fernanda da Silva Rodrigues Fernandes
Mestre em Constituição e Sociedade pelo IDP e graduada em Direito pela UERJ. Defensora Pública/GO, atualmente exercendo a presidência da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP) e coordenando a Associação Interamericana de Defensorias Públicas (AIDEF).

Ketlyn Chaves de Souza
Mestranda em Direito Civil pela UERJ e graduada na mesma instituição. Pesquisadora em equidade social e de gênero, com ênfase em populações vulneráveis. Professora universitária. Defensora Pública/GO com atuação no Núcleo Especializado de Direitos Humanos (NUDH) e no Núcleo Especializado de Defesa e Promoção dos Direitos da Mulher (NUDEM).

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