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O mecanismo da UPI - Unidade Produtiva Isolada

O cenário de crise que acomete as empresas é uma realidade intrínseca ao dinamismo do mercado capitalista.

17/11/2025

Tal realidade, exige do ordenamento jurídico instrumentos hábeis a mitigar tais impactos do colapso de entidades produtivas. A lei 11.101/05 (lei de recuperação judicial e falência), instituída com a notória finalidade de preservar a empresa viável e sua função social, estabeleceu marcos jurídicos que buscam equilibrar os interesses dos credores e a continuidade da empresa, a verdadeira fonte produtora de riquezas, empregos e tributos, em consonância com o princípio basilar da manutenção da atividade econômica.

A reestruturação de uma empresa em estado de insolvência iminente ou declarada, frequentemente complexa e multifacetada, demanda não apenas a renegociação de passivos, mas, também, a otimização destes, e, em muitos casos, o redimensionamento do próprio ativo.

Neste contexto de reengenharia financeira e operacional, a “alienação de ativos” surge como uma ferramenta essencial, transmutando-se de um ato de descontinuidade para um pilar da reorganização, desde que realizada de modo estratégico e sob a égide do procedimento recuperacional.

A reestruturação de uma empresa em estado de insolvência iminente ou declarada, frequentemente complexa e multifacetada, demanda não apenas a renegociação de passivos, mas, também, a otimização destes, e, em muitos casos, o redimensionamento do próprio ativo.

A venda controlada de ativos tem o duplo propósito de gerar liquidez necessária para o cumprimento do PRJ - Plano de Recuperação Judicial e de focar a empresa devedora em seu core business, livrando-a de fardos operacionais ou de ramos de negócios deficitários.

Entre as diversas formas de alienação, a venda de UPI - Unidade Produtiva Isolada recebeu destaque especial e tratamento legislativo próprio, consolidando-se como um dos mecanismos mais poderosos e complexos à disposição do devedor e dos credores para garantir o sucesso da recuperação ou, alternativamente, maximizar o valor dos ativos em eventual falência.

A UPI, enquanto conceito, representa um complexo de bens, direitos e obrigações que, embora sejam parte do patrimônio total da devedora, constituem um ramo de atividade capaz de operar de forma autônoma e gerando receita.

A importância estratégica da alienação da UPI reside justamente na capacidade de transferir um negócio em funcionamento para um novo adquirente, garantindo a preservação da atividade econômica e dos empregos vinculados àquela unidade específica, ao mesmo tempo em que a empresa em recuperação obtém recursos vitais sem o risco de contaminar o adquirente com o passivo anterior.

Este mecanismo, fortalecido substancialmente pelas alterações promovidas pela lei 14.112/20, que buscou modernizar a legislação falimentar, é o foco central deste artigo.

Nesta toada,cumpre salientar que a lei 11.101/05 consagra a possibilidade da alienação de ativos no bojo do processo de recuperação judicial como uma das modalidades de reestruturação passíveis de serem apresentadas e aprovadas no Plano de Recuperação Judicial, conforme a autorização genérica prevista no caput do Art. 60.

Contudo, a necessidade crescente de agilidade e segurança jurídica nas transações de ativos de empresas em crise levou o legislador a detalhar e, mais importante, a blindar juridicamente a venda de unidades operacionais específicas, conferindo-lhe um tratamento diferenciado que busca superar obstáculos históricos relacionados à sucessão de dívidas.

O dispositivo fundamental que outorga a segurança jurídica para o investidor na aquisição de ativos oriundos de devedores em recuperação é o parágrafo único do Art. 60, que estabelece que o objeto da alienação estará “livre de qualquer ônus” e o adquirente “não sucederá o devedor em quaisquer obrigações”. Essa regra de exoneração, que visa atrair capital novo para a empresa em crise, maximizando o preço de venda e, consequentemente, o pagamento aos credores, é crucial da viabilidade econômica da UPI.

Sem essa blindagem, o mercado certamente relutaria em absorver tais ativos devido ao risco de responsabilidade solidária ou sucessória por passivos de naturezas diversas (trabalhista, fiscal, cível), diminuindo drasticamente o valor ofertado e inviabilizando a reestruturação.

A lei 14.112/20 aprimorou a sistemática, especialmente ao reforçar a aplicabilidade do Art. 141, inciso II, à recuperação judicial, que trata especificamente da alienação de filiais ou de unidades produtivas isoladas. Essa clareza legislativa assegura que a venda da UPI goze da prerrogativa da insucessão integral.

É essa articulação normativa que permite que a UPI seja vista como um “ativo limpo” aos olhos do mercado, transferindo a capacidade produtiva para um novo proprietário sem a bagagem das dívidas pretéritas da empresa em recuperação.

A UPI não se confunde com a simples venda de um conjunto de bens dispersos. Sua natureza reside na combinação de ativos que formam um complexo organizado e funcional, apto a gerar resultados econômicos concretos de forma independente da estrutura original da empresa devedora.

O sucesso da alienação da UPI passa, obrigatoriamente, pela correta caracterização dessa unidade como isolada e produtiva. E, quais seriam na prática, as características de tais nomenclaturas?

É isolada porque pode ser destacada do restante da empresa sem inviabilizar a continuidade da operação remanescente ou de outras unidades produtivas.

É produtiva porque representa um fluxo operacional que, sob nova gestão, é capaz de manter sua capacidade de geração de valor.

A definição precisa do escopo da UPI, é um passo preliminar de extrema complexidade e importância, exigindo detalhada perícia e aprovação judicial, pois qualquer ambiguidade pode gerar contencioso futuro sobre a extensão da blindagem da insucessão. A preservação do valor de venda depende dessa clareza e da garantia de que o novo adquirente receberá um ativo viável e sem qualquer tipo de passivo.

O grande diferencial e, simultaneamente, o ponto de maior tensão jurídica na alienação de UPI é a regra da insucessão prevista no Art. 60, parágrafo único, e reiterada no Art. 141, inciso II, da LRF.

A insucessão não é meramente um benefício ao adquirente, mas sim, um mecanismo teleológico para o atingimento dos fins da própria lei: a preservação do valor do ativo e o benefício aos credores da devedora original.

Importante também destacar que, a Alienação de UPI em recuperação judicial garante que o fisco federal, estadual e municipal não possa cobrar do adquirente os débitos tributários da empresa devedora relacionados à unidade produtiva ou anteriores à transação.

Essa previsibilidade é absolutamente determinante para a formação do preço, pois elimina o risco contingente de passivos fiscais desconhecidos ou subavaliados, permitindo que a UPI alcance seu valor máximo de mercado.

A destinação prioritária dos recursos obtidos com a venda para o pagamento de credores, incluindo o fisco (se previsto no PRJ, ainda que com restrições), legitima essa blindagem, pois o objetivo é realocar o capital produtivo e não simplesmente extinguir a responsabilidade fiscal.

A amplitude da insucessão abrange quaisquer obrigações do devedor, o que engloba de forma categórica as obrigações cíveis, contratuais, ambientais e as decorrentes do direito do consumidor.

Para que a UPI funcione como um veículo de reestruturação eficaz, é imperativo que o adquirente não herde o passivo litigioso histórico da devedora.A solidez dessa não sucessão é essencial para que o mercado perceba a alienação de UPI como um processo juridicamente estanque e seguro.

O caminho processual para a venda de uma UPI exige o cumprimento rigoroso de etapas que visam garantir a transparência, a maximização do valor e a paridade de tratamento entre os credores. Portanto, a complexidade do procedimento justifica a necessidade de um acompanhamento judicial aprofundado, que se inicia muito antes da formação do edital de venda.

E como funciona normalmente o processo? Normalmente, este começa com a proposta de alienação, geralmente inserida no PRJ - Plano de Recuperação Judicial. A devedora deve detalhar minuciosamente a composição da UPI, os ativos e passivos que serão destacados, as condições operacionais e a justificativa econômica da venda. Ato contínuo, o Administrador Judicial desempenha um papel fiscalizador vital nessa fase, garantindo a lisura do processo.

A aprovação da venda, quando inserida no PRJ, cabe à AGC - Assembleia Geral de Credores, que delibera sobre o plano como um todo, aceitando ou rejeitando a estratégia de alienação. A aprovação da maioria dos credores presentes, nas classes e quóruns estabelecidos pela LRF, confere legitimidade ao processo e vincula a minoria dissidente, reforçando o caráter soberano da AGC.

O Art. 142 da LRF elenca as modalidades de alienação que devem ser observadas pelo juízo recuperacional - no caso da UPI, o leilão, a proposta fechada ou o pregão.

A regra norteadora em todas essas modalidades é a busca pela maior vantagem para a massa de credores, conjugada com a celeridade. A realização por meio de leilão ou pregão público garante a máxima publicidade e competitividade, minimizando o risco de conluio ou subavaliação.

A ampla divulgação do processo competitivo é vital para que a venda não seja vista como um negócio fechado entre as partes, mas sim como resultado de um certame transparente.

Os recursos obtidos com a alienação da UPI constituem uma fonte de capital fresco e crucial para a execução do PRJ, e, a correta aplicação desses recursos é fiscalizada pelo Administrador Judicial.

A venda permite a reestruturação financeira da devedora, oferecendo aos credores a certeza de que a parcela produtiva da empresa foi monetizada de forma eficiente, contribuindo diretamente para o aumento do percentual de satisfação de seus créditos, inclusive, muitas vezes, possibilitando a manutenção e o investimento na unidade remanescente da empresa devedora. Esse fluxo de capital permite que a empresa em recuperação honre compromissos imediatos e consiga demonstrar viabilidade para o seu segmento restante.

A eficácia da alienação de UPI, apesar de sua robustez legal, não está isenta de desafios de implementação e controvérsias jurídicas que exigem a intervenção prudente e técnica do Juízo Recuperacional.

Portanto, conclui-se que a Unidade Produtiva Isolada representa, inegavelmente, um dos avanços mais significativos da legislação de insolvência empresarial, atuando como um poderoso vetor para a reestruturação e preservação do valor dos ativos em crise. Sua concepção, que alia a capacidade produtiva à blindagem jurídica contra o passivo pré-existente, é a chave para a circulação de ativos e o princípio da preservação da fonte produtora.

O adquirente, especialmente, tem a certeza de comprar um ativo “limpo” de passivos, o que maximiza o valor da venda, enquanto a empresa em recuperação obtém recursos cruciais para satisfazer seus credores e tentar viabilizar suas operações remanescentes.

A efetividade desse mecanismo depende da estrita observância das formalidades legais, da transparência no processo competitivo e da vigilância constante do juízo recuperacional e do administrador judicial para garantir que a alienação da UPI sirva ao propósito maior da lei: a recuperação da empresa viável e a proteção dos interesses dos credores, evitando-se o desvirtuamento do instituto por meio de simulação ou fraude.

A alienação de UPI, quando bem executada, é a demonstração jurídica de que o mercado pode ser o principal agente de resgate da função social da empresa em situação de crise.

Juliana Prado Galvão Machado
Mestranda, Pós-Graduada em Direito Empresarial Avançado e Direito Digital e Compliance (IBMEC); Direito Processual Civil (Mackenzie) e possui curso em Falências e Recuperação de Empresas (FGV).

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