Após quatro anos da entrada em vigor da lei 14.230/21, completados no último dia 25 de outubro, o país começa a colher os frutos de uma reforma que transformou para melhor o sistema de responsabilização de agentes públicos e privados por atos de improbidade. A chamada nova lei de improbidade administrativa não foi apenas uma atualização normativa, mas a tentativa de reconstruir o elo de confiança entre o gestor público e o Estado.
Durante décadas, a administração pública brasileira conviveu com o medo. Gestores bem-intencionados chegavam a evitar tomar decisões, e cargos estratégicos ficavam vazios diante da possibilidade de punições severas por simples falhas burocráticas. Esse imobilismo, conhecido como “apagão das canetas”, corroía silenciosamente a capacidade de governar.
A nova legislação nasceu do enfrentamento a esse quadro. Ao exigir dolo específico para caracterizar atos de improbidade e ajustar as sanções à gravidade das condutas, o legislador procurou distinguir o erro procedimental da fraude e da má-fé. O resultado foi a construção de um sistema mais racional e equilibrado, capaz de proteger o interesse público sem destruir reputações por engano. O novo modelo trouxe maior segurança jurídica, previsibilidade e proteção ao bom gestor, que se via inúmeras vezes penalizado, de forma injusta e desproporcional por atos dotados de boa fé.
Essa transformação não aconteceu de forma isolada. Advogados e estudiosos tiveram papel decisivo ao longo de todo o processo legislativo. Um marco nesse percurso foi a pesquisa conduzida no IDP - Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, sob nossa coordenação, que analisou mais de 700 acórdãos do STJ. O levantamento revelou distorções na aplicação da antiga lei de improbidade (lei 8.429/1992), sobretudo nos casos de condenações baseadas em culpa. O estudo ajudou a embasar o projeto de reforma e foi reconhecido pelo relator, deputado Carlos Zarattini, como contribuição essencial para qualificar o debate público.
O Poder Judiciário teve importância crucial no caminho em direção ao aprimoramento legislativo. Antes mesmo da promulgação da nova lei, no julgamento da ADI 6.678, o STF suspendeu a aplicação da sanção de suspensão de direitos políticos em casos de menor gravidade e condutas culposas. Essa decisão antecipou o espírito da reforma, ao reservar as punições políticas para situações dolosas e de efetiva lesividade ao erário.
Da mesma forma, a advocacia especializada participou ativamente dos debates que moldaram o texto da lei. Foram produzidos estudos técnicos, pareceres e contribuições normativas que se tornaram referência para o Parlamento. A advocacia já vinha há muito destacando a falta de coerência da jurisprudência na seara da improbidade administrativa e segue demandando ativamente a correta aplicação das inovações legislativas.
Toda essa trajetória é registrada na revista “Defesa Especializada em Ações de Improbidade Administrativa”1. A revista reúne artigos, entrevistas e estudos empíricos que demonstram como a técnica e a responsabilidade da Advocacia podem aprimorar a gestão pública e proteger a confiança legítima nos atos estatais.
A defesa especializada em improbidade tornou-se um instrumento indispensável à governança pública responsável. Em um cenário em que as sanções podem significar perda de função, inelegibilidade ou danos irreversíveis à imagem do gestor, é essencial separar a irregularidade administrativa do verdadeiro ato ímprobo. Essa distinção preserva não apenas a defesa individual do particular, mas a credibilidade do próprio Estado.
No momento em que a nova lei de improbidade completa quatro anos, a experiência comprova que proteger o bom gestor e punir o mau agente não são propósitos opostos, mas faces complementares de um mesmo compromisso - o de construir um Estado que valoriza a probidade sem abrir mão da justiça.
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1 https://carneiros.adv.br/2025/11/10/defesa-especializada-em-acoes-de-improbidade-administrativa/