Como a falta de formalização eletrônica ainda alimenta litígios em 2025/2026 - e o que advogados e empresas podem fazer a respeito
Quando comecei a acompanhar de perto o contencioso - primeiro como estagiário na magistratura, depois ao lado de empresas e empreendedores – percebi um padrão que se repete até hoje: boa parte dos litígios não nasce de uma grande tese jurídica, mas de algo muito básico que ficou pelo caminho.
Muitas vezes, o problema não é a falta de cláusula sofisticada, mas a ausência do elementar: um documento bem assinado
No papel, no cartório ou, hoje, no digital, a verdade é que ainda existe um abismo entre o que as partes dizem ter combinado e aquilo que conseguem provar. E, em 2025/2026, esse abismo tem um nome que merece mais atenção: risco jurídico sem assinatura digital.
Neste artigo, quero olhar para esse risco com lente prática: o que ele significa na vida real, por que a transformação digital dos contratos ainda não chegou a muita gente e qual é o papel da assinatura eletrônica (e da tecnologia) para reduzir, de verdade, a chance de um “depois a gente formaliza” acabar na pauta do juiz.
1. O que chamo de “risco jurídico sem assinatura digital”
Chamo de risco jurídico sem assinatura digital a situação em que um negócio existe de fato - há prestação de serviços, entrega de produtos, pagamento, troca de mensagens - mas não há um instrumento assinado com força probatória robusta, seja física ou eletrônica.
É o contrato “de boca”, o acordo por WhatsApp, o e-mail com “ok, pode seguir” que nunca foi transformado em documento assinado com trilha minimamente confiável. Do ponto de vista probatório, isso significa:
- dificuldade para comprovar quem aderiu àquele combinado;
- dúvidas sobre qual versão do documento vale (especialmente em contratos que mudam por anexos, aditivos e PDFs reenviados);
- fragilidade para demonstrar tempo e modo do consentimento (quando, em que condições, com quais limite
- plataforma de assinatura que não segue a legislação brasileira, tanto do ponto de vista técnico quanto jurídico.
Em um sistema processual que valoriza a prova documental e eletrônica - como o brasileiro, que admite expressamente documentos digitais e logs como meios de prova idôneos (CPC, arts. 369, 411 e 434), abrir mão de uma boa formalização é, no mínimo, assumir um risco desnecessário.
2. Onde esse risco aparece no dia a dia (bem longe das grandes teses)
Ao conversar com advogados de empresas, departamentos jurídicos e colegas de escritório, vejo alguns cenários que se repetem:
a) Relações de trabalho e RH
- Recibos de férias e verbas rescisórias sem aceite formal;
- Termos de confidencialidade, políticas internas, códigos de conduta e documentos de LGPD enviados por e-mail, mas sem registro claro de leitura e concordância;
- Home office e banco de horas regulados apenas por comunicados informais.
Em eventual reclamação trabalhista, a discussão sobre ciência, concordância e limites da jornada poderia ser reduzida - ou até evitada - com documentos bem assinados eletronicamente.
b) Serviços recorrentes e fornecedores
Em muitos negócios B2B, o contrato “oficial” foi assinado há anos. De lá pra cá, a relação real foi se ajustando por trocas de e-mail e mensagens: preços refeitos, escopo ampliado, prazos alterados.
Quando surge o conflito, o que vale?
- O contrato antigo, desatualizado?
- A sequência de e-mails com discussões parciais?
- Um anexo em PDF que ninguém sabe exatamente quem aprovou?
Sem uma solução mínima de formalização eletrônica, a empresa fica discutindo histórico, em vez de discutir direito.
c) Imobiliário e locações
Aqui é clássico:
- Laudos de vistoria sem assinatura de uma das partes;
- Termos de entrega e devolução “assumidos” apenas em conversa;
- Ajustes em garantia, pintura, benfeitorias e outras obrigações tratados no improviso.
Em disputas sobre danos ao imóvel ou retenção de caução, esse improviso aparece com força.
d) Saúde, estética e dados sensíveis
Profissionais de saúde, clínicas e estabelecimento de estética lidam com:
- termos de consentimento para procedimentos;
- autorizações de uso de imagem;
- consentimento para tratamento de dados pessoais sensíveis, à luz da LGPD.
Quando esses documentos não têm uma assinatura adequada (ou sequer existem), o risco é duplo: jurídico e reputacional.
3. “Mas eu já assino digitalmente, estou protegido?”
Depende do que chamamos de “assinar digitalmente”.
No Brasil, desde a MP 2.200-2/01, que instituiu a ICP-Brasil, e da lei 14.063/20, que classificou as assinaturas eletrônicas em simples, avançada e qualificada, temos um arcabouço relativamente maduro para tratar do tema. A discussão ganhou ainda mais clareza com o REsp 2.159.442/PR, em que o STJ afirmou, em síntese, que a ausência de certificado ICP-Brasil, por si só, não invalida uma assinatura eletrônica avançada, desde que:
- haja concordância das partes quanto ao uso da plataforma; e
- seja possível identificar o signatário e preservar a integridade do documento
Isso é importante por dois motivos:
- Nem tudo precisa ser certificado ICP-Brasil - há espaço legítimo para assinaturas eletrônicas avançadas, desde que tecnicamente bem implementadas;
- Nem toda “assinatura digital” de mercado é automaticamente segura - plataformas improvisadas, sem trilha de auditoria, sem critérios mínimos de autenticação e sem atenção à LGPD podem gerar um falso senso de proteção.
Em outras palavras: não basta “clicar em assinar”. É preciso olhar o que está por trás do clique.
4. O que uma boa formalização eletrônica precisa entregar
Na prática, quando falamos em reduzir o risco jurídico sem travar a operação, alguns requisitos mínimos fazem diferença:
a) Trilha de auditoria
- Registro dos eventos principais:
- quem recebeu o documento;
- por quais meios (e-mail, SMS, WhatsApp, portal);
- quando acessou;
- quando assinou;
- de qual IP/dispositivo;
- qual versão do arquivo estava sendo assinada.
Essa trilha é frequentemente apresentada em juízo como relatório técnico (PDF/A, JSON ou similar), reforçando a autoria e a integridade do documento.
b) Integridade do documento
Garantia de que o conteúdo não foi alterado após a assinatura, por meio de:
- hash criptográfico (a “impressão digital” do arquivo);
- carimbo de tempo emitido por autoridade de tempo confiável;
- bloqueio de alterações no documento assinado.
Em caso de contestação, a comparação do hash e a apresentação do carimbo de tempo ajudam a comprovar que aquele é, de fato, o documento assinado à época.
c) Autenticação compatível com o risco
Aqui entram camadas como:
- envio de token por SMS ou e-mail;
- uso de biometria (selfie, reconhecimento facial, impressão digital);
- autenticação em duas etapas.
Quanto maior o risco econômico, reputacional ou regulatório do contrato, mais robusta deve ser a autenticação.
d) Alinhamento com a LGPD
Assinatura eletrônica envolve dados pessoais (e muitas vezes sensíveis). Isso exige:
- base legal clara para o tratamento dos dados;
- políticas de retenção e descarte;
- medidas de segurança para evitar vazamentos;
- transparência para o titular sobre como e por quanto tempo seus dados serão mantidos.
Uma solução de assinatura que ignora LGPD pode, paradoxalmente, criar um novo tipo de risco jurídico.
5. Não é só tecnologia: é governança documental
É tentador imaginar que bastaria “contratar uma plataforma” e todos os riscos estariam resolvidos. Na minha experiência, isso raramente é verdade.
A tecnologia é uma perna do tripé. As outras duas são:
- Governança interna - mapear quais documentos realmente precisam ser formalizados; definir níveis de assinatura por tipo de contrato (simples, avançada, qualificada); padronizar modelos; orientar áreas como RH, vendas, compras, imobiliário, saúde etc.;
- Cultura organizacional - convencer gestores e equipes de que “formalizar” não é burocracia, mas seguro jurídico relativamente barato frente ao custo potencial de um litígio.
Sem isso, a empresa até pode ter uma excelente ferramenta, mas continuará convivendo com:
- contratos paralelos “de WhatsApp”;
- aditivos combinados de forma informal;
- recibos que nunca entram no fluxo eletrônico.
6. Um roteiro possível para advogados e empresas em 2025/2026
Para quem quer reduzir o risco jurídico sem assinatura digital, sugiro um caminho pragmático:
1. Inventário de documentos
- Levantar quais contratos, termos, recibos e políticas hoje circulam sem assinatura adequada (ou sem assinatura nenhuma).
2. Classificação de risco
- Cruzar impacto financeiro, regulatório e reputacional de cada tipo de documento.
3. Definição de níveis de assinatura
- Estabelecer quando é aceitável uma assinatura eletrônica simples, quando se exige avançada e quando a qualificada (ICP-Brasil) será regra.
4. Escolha (ou revisão) da solução tecnológica
- Verificar se a ferramenta adotada entrega trilha de auditoria, integridade, autenticação adequada e aderência à LGPD.
5. Padronização de modelos
- Criar ou revisar minutas, termos de consentimento, políticas internas, NDAs e laudos para uso recorrente.
6. Treinamento das áreas
- RH, comercial, compras, operações, unidades de negócio: todos precisam saber que “depois a gente formaliza” deixou de ser opção aceitável.
7. Monitoramento
- Revisar periodicamente indicadores como: % de contratos formalizados eletronicamente, tempo médio de assinatura, tipos de litígios relacionados à falta de documentação.
Não se trata de montar uma estrutura gigantesca, mas de estruturar o mínimo necessário para que, em eventual processo, a empresa possa dizer com segurança: “está aqui o documento, a assinatura e a trilha técnica”.
Conclusão: do improviso à prova
O direito sempre conviveu com uma margem de incerteza – faz parte do jogo. Mas uma parte dessa incerteza não é inevitável: é fruto de improviso documental.
Em uma época em que:
- o arcabouço legal brasileiro para assinaturas digitais é robusto
- as ferramentas tecnológicas estão mais acessíveis;
- e o Judiciário lida com provas eletrônicas com cada vez mais naturalidade,
- continuar dependendo de contratos “de boca” e acordos “de WhatsApp” é, em grande medida, uma escolha.
Como juristas, empreendedores ou gestores, talvez a pergunta mais honesta que possamos nos fazer seja: quanto desse risco estamos dispostos a continuar assumindo, sabendo que existem instrumentos relativamente simples para reduzi-lo?
Escolhendo uma plataforma de assinatura confiável
Por isso, é fundamental que ao adotar a assinatura digital, que certamente gera inúmeros benefícios para todos, como economiza de tempo e dinheiro, observe corretamente os requisitos legais exigidos no Brasil e que a plataforma de assinatura digital esteja adequada a isso, sobretudo aos requisitos de segurança, criptografia, armazenamento, compliance e LGPD.
Perguntas frequentes (FAQ) sobre assinatura digital e formalização eletrônica
1. Assinatura digital e assinatura eletrônica são a mesma coisa?
No dia a dia usamos os termos como sinônimos, mas tecnicamente não são iguais. Assinatura digital costuma se referir ao uso de certificado ICP-Brasil. Já “assinatura eletrônica” é um gênero mais amplo, que inclui a simples, a avançada e a qualificada, conforme a lei 14.063/20. A escolha de cada nível depende do risco e do tipo de negócio.
2. Toda assinatura eletrônica precisa, obrigatoriamente, de certificado ICP-Brasil?
Não. O certificado ICP-Brasil é exigido em situações específicas (por exemplo, alguns atos perante Poder Público ou quando a norma exigir assinatura qualificada). Para grande parte dos contratos privados, a legislação admite assinaturas eletrônicas avançadas, desde que seja possível identificar o signatário e garantir a integridade do documento.
3. Um contrato assinado por e-mail ou WhatsApp tem validade jurídica?
Em tese, sim: o CPC admite diversos meios de prova, inclusive eletrônicos. O problema é a força probatória. E-mails e prints de conversa, sem uma trilha técnica adequada, podem gerar dúvida sobre quem aceitou, qual versão do contrato vale e em que condições. A formalização eletrônica estruturada reduz bastante essa zona cinzenta.
4. Quais elementos tornam uma assinatura eletrônica mais segura em caso de processo?
Em geral, fortalecem muito a prova:
- trilha de auditoria (quem recebeu, abriu e assinou, com data, hora e IP);
- hash e carimbo de tempo do documento;
- mecanismo de autenticação compatível com o risco (token, biometria, autenticação em duas etapas);
- políticas claras de guarda e integridade do arquivo.
5. Como a LGPD impacta a formalização eletrônica de documentos?
Plataformas de assinatura lidam com dados pessoais e, muitas vezes, sensíveis. Isso exige base legal adequada, medidas de segurança, regras de retenção e descarte, além de transparência com o titular sobre como seus dados serão utilizados. Ignorar a LGPD na formalização eletrônica cria um novo tipo de risco jurídico, que se soma aos riscos contratuais tradicionais.