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Do "depois a gente formaliza" ao processo: O risco jurídico sem assinatura digital

O artigo mostra como o risco jurídico de contratos sem assinatura digital robusta alimenta ações judiciais e traz um roteiro prático para advogados e empresas reduzirem disputas.

21/11/2025
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Como a falta de formalização eletrônica ainda alimenta litígios em 2025/2026 - e o que advogados e empresas podem fazer a respeito

Quando comecei a acompanhar de perto o contencioso - primeiro como estagiário na magistratura, depois ao lado de empresas e empreendedores – percebi um padrão que se repete até hoje: boa parte dos litígios não nasce de uma grande tese jurídica, mas de algo muito básico que ficou pelo caminho.

Muitas vezes, o problema não é a falta de cláusula sofisticada, mas a ausência do elementar: um documento bem assinado

No papel, no cartório ou, hoje, no digital, a verdade é que ainda existe um abismo entre o que as partes dizem ter combinado e aquilo que conseguem provar. E, em 2025/2026, esse abismo tem um nome que merece mais atenção: risco jurídico sem assinatura digital.

Neste artigo, quero olhar para esse risco com lente prática: o que ele significa na vida real, por que a transformação digital dos contratos ainda não chegou a muita gente e qual é o papel da assinatura eletrônica (e da tecnologia) para reduzir, de verdade, a chance de um “depois a gente formaliza” acabar na pauta do juiz.

1. O que chamo de “risco jurídico sem assinatura digital”

Chamo de risco jurídico sem assinatura digital a situação em que um negócio existe de fato - há prestação de serviços, entrega de produtos, pagamento, troca de mensagens - mas não há um instrumento assinado com força probatória robusta, seja física ou eletrônica.

É o contrato “de boca”, o acordo por WhatsApp, o e-mail com “ok, pode seguir” que nunca foi transformado em documento assinado com trilha minimamente confiável. Do ponto de vista probatório, isso significa:

  • dificuldade para comprovar quem aderiu àquele combinado;
  • dúvidas sobre qual versão do documento vale (especialmente em contratos que mudam por anexos, aditivos e PDFs reenviados);
  • fragilidade para demonstrar tempo e modo do consentimento (quando, em que condições, com quais limite
  • plataforma de assinatura que não segue a legislação brasileira, tanto do ponto de vista técnico quanto jurídico. 

Em um sistema processual que valoriza a prova documental e eletrônica - como o brasileiro, que admite expressamente documentos digitais e logs como meios de prova idôneos (CPC, arts. 369, 411 e 434), abrir mão de uma boa formalização é, no mínimo, assumir um risco desnecessário.

2. Onde esse risco aparece no dia a dia (bem longe das grandes teses)

Ao conversar com advogados de empresas, departamentos jurídicos e colegas de escritório, vejo alguns cenários que se repetem:

a) Relações de trabalho e RH

  • Recibos de férias e verbas rescisórias sem aceite formal;
  • Termos de confidencialidade, políticas internas, códigos de conduta e documentos de LGPD enviados por e-mail, mas sem registro claro de leitura e concordância;
  • Home office e banco de horas regulados apenas por comunicados informais.

Em eventual reclamação trabalhista, a discussão sobre ciência, concordância e limites da jornada poderia ser reduzida - ou até evitada - com documentos bem assinados eletronicamente.

b) Serviços recorrentes e fornecedores

Em muitos negócios B2B, o contrato “oficial” foi assinado há anos. De lá pra cá, a relação real foi se ajustando por trocas de e-mail e mensagens: preços refeitos, escopo ampliado, prazos alterados.

Quando surge o conflito, o que vale?

  • O contrato antigo, desatualizado?
  • A sequência de e-mails com discussões parciais?
  • Um anexo em PDF que ninguém sabe exatamente quem aprovou?

Sem uma solução mínima de formalização eletrônica, a empresa fica discutindo histórico, em vez de discutir direito.

c) Imobiliário e locações

Aqui é clássico:

  • Laudos de vistoria sem assinatura de uma das partes;
  • Termos de entrega e devolução “assumidos” apenas em conversa;
  • Ajustes em garantia, pintura, benfeitorias e outras obrigações tratados no improviso.

Em disputas sobre danos ao imóvel ou retenção de caução, esse improviso aparece com força.

d) Saúde, estética e dados sensíveis

Profissionais de saúde, clínicas e estabelecimento de estética lidam com:

  • termos de consentimento para procedimentos;
  • autorizações de uso de imagem;
  • consentimento para tratamento de dados pessoais sensíveis, à luz da LGPD.

Quando esses documentos não têm uma assinatura adequada (ou sequer existem), o risco é duplo: jurídico e reputacional.

3. “Mas eu já assino digitalmente, estou protegido?”

Depende do que chamamos de “assinar digitalmente”.

No Brasil, desde a MP 2.200-2/01, que instituiu a ICP-Brasil, e da lei 14.063/20, que classificou as assinaturas eletrônicas em simples, avançada e qualificada, temos um arcabouço relativamente maduro para tratar do tema. A discussão ganhou ainda mais clareza com o REsp 2.159.442/PR, em que o STJ afirmou, em síntese, que a ausência de certificado ICP-Brasil, por si só, não invalida uma assinatura eletrônica avançada, desde que:

  • haja concordância das partes quanto ao uso da plataforma; e
  • seja possível identificar o signatário e preservar a integridade do documento

Isso é importante por dois motivos:

  1. Nem tudo precisa ser certificado ICP-Brasil - há espaço legítimo para assinaturas eletrônicas avançadas, desde que tecnicamente bem implementadas;
  2. Nem toda “assinatura digital” de mercado é automaticamente segura - plataformas improvisadas, sem trilha de auditoria, sem critérios mínimos de autenticação e sem atenção à LGPD podem gerar um falso senso de proteção.

Em outras palavras: não basta “clicar em assinar”. É preciso olhar o que está por trás do clique.

4. O que uma boa formalização eletrônica precisa entregar

Na prática, quando falamos em reduzir o risco jurídico sem travar a operação, alguns requisitos mínimos fazem diferença:

a) Trilha de auditoria

  • Registro dos eventos principais:
  • quem recebeu o documento;
  • por quais meios (e-mail, SMS, WhatsApp, portal);
  • quando acessou;
  • quando assinou;
  • de qual IP/dispositivo;
  • qual versão do arquivo estava sendo assinada.

Essa trilha é frequentemente apresentada em juízo como relatório técnico (PDF/A, JSON ou similar), reforçando a autoria e a integridade do documento.

b) Integridade do documento

Garantia de que o conteúdo não foi alterado após a assinatura, por meio de:

  • hash criptográfico (a “impressão digital” do arquivo);
  • carimbo de tempo emitido por autoridade de tempo confiável;
  • bloqueio de alterações no documento assinado.

Em caso de contestação, a comparação do hash e a apresentação do carimbo de tempo ajudam a comprovar que aquele é, de fato, o documento assinado à época.

c) Autenticação compatível com o risco

Aqui entram camadas como:

  • envio de token por SMS ou e-mail;
  • uso de biometria (selfie, reconhecimento facial, impressão digital);
  • autenticação em duas etapas.

Quanto maior o risco econômico, reputacional ou regulatório do contrato, mais robusta deve ser a autenticação.

d) Alinhamento com a LGPD

Assinatura eletrônica envolve dados pessoais (e muitas vezes sensíveis). Isso exige:

  • base legal clara para o tratamento dos dados;
  • políticas de retenção e descarte;
  • medidas de segurança para evitar vazamentos;
  • transparência para o titular sobre como e por quanto tempo seus dados serão mantidos.

Uma solução de assinatura que ignora LGPD pode, paradoxalmente, criar um novo tipo de risco jurídico.

5. Não é só tecnologia: é governança documental

É tentador imaginar que bastaria “contratar uma plataforma” e todos os riscos estariam resolvidos. Na minha experiência, isso raramente é verdade.

A tecnologia é uma perna do tripé. As outras duas são:

  1. Governança interna - mapear quais documentos realmente precisam ser formalizados; definir níveis de assinatura por tipo de contrato (simples, avançada, qualificada); padronizar modelos; orientar áreas como RH, vendas, compras, imobiliário, saúde etc.;
  2. Cultura organizacional - convencer gestores e equipes de que “formalizar” não é burocracia, mas seguro jurídico relativamente barato frente ao custo potencial de um litígio.

Sem isso, a empresa até pode ter uma excelente ferramenta, mas continuará convivendo com:

  • contratos paralelos “de WhatsApp”;
  • aditivos combinados de forma informal;
  • recibos que nunca entram no fluxo eletrônico.

6. Um roteiro possível para advogados e empresas em 2025/2026

Para quem quer reduzir o risco jurídico sem assinatura digital, sugiro um caminho pragmático:

1. Inventário de documentos

- Levantar quais contratos, termos, recibos e políticas hoje circulam sem assinatura adequada (ou sem assinatura nenhuma).

2. Classificação de risco

- Cruzar impacto financeiro, regulatório e reputacional de cada tipo de documento.

3. Definição de níveis de assinatura

- Estabelecer quando é aceitável uma assinatura eletrônica simples, quando se exige avançada e quando a qualificada (ICP-Brasil) será regra.

4. Escolha (ou revisão) da solução tecnológica

- Verificar se a ferramenta adotada entrega trilha de auditoria, integridade, autenticação adequada e aderência à LGPD.

5. Padronização de modelos

- Criar ou revisar minutas, termos de consentimento, políticas internas, NDAs e laudos para uso recorrente.

6. Treinamento das áreas

- RH, comercial, compras, operações, unidades de negócio: todos precisam saber que “depois a gente formaliza” deixou de ser opção aceitável.

7. Monitoramento

- Revisar periodicamente indicadores como: % de contratos formalizados eletronicamente, tempo médio de assinatura, tipos de litígios relacionados à falta de documentação.

Não se trata de montar uma estrutura gigantesca, mas de estruturar o mínimo necessário para que, em eventual processo, a empresa possa dizer com segurança: “está aqui o documento, a assinatura e a trilha técnica”.

Conclusão: do improviso à prova

O direito sempre conviveu com uma margem de incerteza – faz parte do jogo. Mas uma parte dessa incerteza não é inevitável: é fruto de improviso documental.

Em uma época em que:

  • o arcabouço legal brasileiro para assinaturas digitais é robusto
  • as ferramentas tecnológicas estão mais acessíveis;
  • e o Judiciário lida com provas eletrônicas com cada vez mais naturalidade,
  • continuar dependendo de contratos “de boca” e acordos “de WhatsApp” é, em grande medida, uma escolha.

Como juristas, empreendedores ou gestores, talvez a pergunta mais honesta que possamos nos fazer seja: quanto desse risco estamos dispostos a continuar assumindo, sabendo que existem instrumentos relativamente simples para reduzi-lo?

Escolhendo uma plataforma de assinatura confiável

Por isso, é fundamental que ao adotar a assinatura digital, que certamente gera inúmeros benefícios para todos, como economiza de tempo e dinheiro, observe corretamente os requisitos legais exigidos no Brasil e que a plataforma de assinatura digital esteja adequada a isso, sobretudo aos requisitos de segurança, criptografia, armazenamento, compliance e LGPD. 

Perguntas frequentes (FAQ) sobre assinatura digital e formalização eletrônica

1. Assinatura digital e assinatura eletrônica são a mesma coisa?

No dia a dia usamos os termos como sinônimos, mas tecnicamente não são iguais. Assinatura digital costuma se referir ao uso de certificado ICP-Brasil. Já “assinatura eletrônica” é um gênero mais amplo, que inclui a simples, a avançada e a qualificada, conforme a lei 14.063/20. A escolha de cada nível depende do risco e do tipo de negócio.

2. Toda assinatura eletrônica precisa, obrigatoriamente, de certificado ICP-Brasil?

Não. O certificado ICP-Brasil é exigido em situações específicas (por exemplo, alguns atos perante Poder Público ou quando a norma exigir assinatura qualificada). Para grande parte dos contratos privados, a legislação admite assinaturas eletrônicas avançadas, desde que seja possível identificar o signatário e garantir a integridade do documento.

3. Um contrato assinado por e-mail ou WhatsApp tem validade jurídica?

Em tese, sim: o CPC admite diversos meios de prova, inclusive eletrônicos. O problema é a força probatória. E-mails e prints de conversa, sem uma trilha técnica adequada, podem gerar dúvida sobre quem aceitou, qual versão do contrato vale e em que condições. A formalização eletrônica estruturada reduz bastante essa zona cinzenta.

4. Quais elementos tornam uma assinatura eletrônica mais segura em caso de processo?

Em geral, fortalecem muito a prova:

  • trilha de auditoria (quem recebeu, abriu e assinou, com data, hora e IP);
  • hash e carimbo de tempo do documento;
  • mecanismo de autenticação compatível com o risco (token, biometria, autenticação em duas etapas);
  • políticas claras de guarda e integridade do arquivo.

5. Como a LGPD impacta a formalização eletrônica de documentos?

Plataformas de assinatura lidam com dados pessoais e, muitas vezes, sensíveis. Isso exige base legal adequada, medidas de segurança, regras de retenção e descarte, além de transparência com o titular sobre como seus dados serão utilizados. Ignorar a LGPD na formalização eletrônica cria um novo tipo de risco jurídico, que se soma aos riscos contratuais tradicionais.

Autor

Eder Fonsca Formado em Filosofia e Direito. Atua há mais de 25 anos com tecnologia, digital, inovação e empreendedorismo. Investidor. Interesse em legaltech e lawtech.

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