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Ajuste redacional na MP 1.304 é essencial para preservar a segurança jurídica para o setor elétrico

A conversão da MP 1.304/25 no PLV 10/25 moderniza o setor elétrico, mas um erro técnico no §7º do art. 16-B pode gerar insegurança jurídica. Ajustes são essenciais.

19/11/2025

A recente conversão da MP 1.304/25 no PL de conversão 10/25 (“PLV 10/25”) marcou um avanço importante no processo de modernização do marco legal do setor elétrico. Ao tratar da disciplina da autoprodução por equiparação, o texto inova em uma tentativa de trazer maior competitividade e diversificação de investimentos para o setor.

No entanto, um detalhe técnico passou quase despercebido no Congresso e precisa de correção antes da sanção presidencial. Trata-se da remissão inserida no §7º do art. 16-B da lei 9.074/1995, um ponto aparentemente menor, mas que, se mantido como está, pode gerar insegurança jurídica e interpretações equivocadas em um tema central para o equilíbrio regulatório do setor.

Ao reordenar o dispositivo, o texto atual acabou vinculando o marco temporal de 15/6/07 ao inciso I do §1º, que trata da forma de participação societária, quando, na verdade, o nexo lógico e histórico sempre esteve nas hipóteses transitórias do §5º, inciso III, alíneas “a” e “b”. São essas alíneas que disciplinam as situações em que o agente deve comprovar documentalmente, em até três meses contados da publicação da lei, seu arranjo de autoprodução junto à CCEE e concluir o processo societário em até 36 meses.

Essa estrutura foi cuidadosamente construída desde a MP 1.300/25, que criou uma janela de transição para arranjos com usinas pré-existentes, justamente para garantir previsibilidade e continuidade aos investimentos. A emenda 291, durante a tramitação da MP 1.304, manteve esse espírito. Mas, no PLV 10/25, o deslocamento da remissão, ainda que acidental, rompeu essa coerência.

Reforçando o entendimento de que se trata de mero erro material, temos que o §7º deve ser considerado como uma norma de transição, que não se destina a criar ou alterar regime jurídico novo, mas apenas esclarecer a norma pela qual os negócios jurídicos devem ser regidos. Explica-se.

Considerando que o PLV 10/25 revogou o art. 26 da lei 11.488/07, tornou-se necessário ratificar - no texto legal revogado - as condições temporais previstas na norma revogada. Caso o §7º não tivesse sido inserido, é possível interpretar que, a partir da publicação da nova lei, o critério de operação comercial das usinas envolvidas em autoprodução estaria até mais flexível do que na legislação anterior. 

Para evitar confusões, o legislador, de maneira correta, inseriu o §7º para especificar que o critério de entrada em operação comercial previsto na legislação revogada (a partir de 15/6/07) permaneceria para os novos projetos, estruturados a partir da publicação do PLV. 

Interpretar que o §7º do art. 16-B do PLV 10/25 cria regra nova justamente durante o período de transição, o qual existe exatamente para dar prazo de adaptação aos destinatários em prol da segurança jurídica, seria afronta inequívoca aos preceitos da lei de introdução ao Direito Brasileiro (decreto-lei 4.657/1942) e da declaração de direitos de liberdade econômica (lei 13.874/19).

Não se trata, portanto, de discutir o mérito da política pública, e sim de evitar um erro material de referência que pode gerar dúvidas práticas em operações em curso, análises administrativas e planejamentos de investimento. Uma simples troca de remissão no texto, substituindo “inciso I do §1º” por “alíneas ‘a’ e ‘b’ do inciso III do §5º”, é suficiente para restabelecer a lógica original e eliminar o risco de interpretações divergentes.

A própria LC 95/1998 prevê a possibilidade de corrigir erros materiais evidentes durante a fase de sanção presidencial. Essa não é uma emenda de mérito, mas um ajuste de técnica legislativa e, nesse caso, uma medida de prudência institucional.

Em um setor de capital intensivo e ciclos longos, como o de energia, a precisão jurídica é sinônimo de estabilidade. Cada vírgula mal colocada pode significar meses de incerteza, litígios e travas a investimentos bilionários. O ajuste proposto preserva a coerência normativa do art. 16-B e reforça a segurança jurídica para agentes que apostam no regime de autoprodução por equiparação como vetor de competitividade e sustentabilidade.

Para as empresas, a clareza na remissão significa previsibilidade no cumprimento de requisitos objetivos e segurança na conclusão de operações estruturadas com base na janela de transição, sendo que pequenas incertezas se traduzem em custos concretos e, nesse sentido, assegurar que o texto legal reflita com exatidão a escolha legislativa é medida de prudência institucional.

O que está em jogo vai além de uma correção formal: é a credibilidade do processo legislativo e a confiança de um setor estratégico para o país. Ao garantir que o texto reflita com exatidão a intenção do legislador, o Brasil reafirma seu compromisso com a estabilidade regulatória, condição indispensável para atrair investimentos e acelerar a transição energética.

Raphael Gomes
Sócio do escritório Lefosse Advogados.

Marcel Meni
Advogado com ampla atuação no setor elétrico desde 2008. Formado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, possui especialização em contratos (PUC-SP) além de ter cursado MBA em Regulação do Setor Elétrico (IDP). Atualmente, é Diretor Jurídico do Grupo Bolt, onde lidera temas estratégicos, a estruturação de projetos e a governança jurídica da empresa. Também atua como palestrante em temas contratuais e de regulação de energia, inclusive no âmbito do IBDE (Instituto Brasileiro de Estudos do Direito de Energia).

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