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Execução de honorários: Prerrogativa de não adiantar custas da citação

Para o STJ, citação postal é “custas”; para o TJ/SC, é “despesa” que deve ser adiantada pelo advogado. Entenda por que esse entendimento é equivocado.

28/11/2025

Neste ano de 2025 foi promulgada a lei 15.109/25, que acrescentou o § 3º ao art. 82 do CPC para dispensar o advogado do adiantamento das custas processuais nas ações de cobrança e nas execuções ou cumprimentos de sentença de honorários advocatícios. A advocacia comemorou, com razão, a conquista: pela primeira vez, o próprio CPC reconheceu que o advogado não deve pagar para tentar receber o que já lhe é devido.

Embora essa prerrogativa não conste do EOAB, ela nasce, na prática, como uma prerrogativa processual do advogado: o direito de acionar o Judiciário para cobrar honorários sem ser compelido a financiar, de saída, o custo da máquina judicial, especialmente porque as custas iniciais muitas vezes inviabilizam a demanda. O objetivo é evitar o “duplo prejuízo”: a inadimplência do cliente somada às custas que o advogado jamais recupera quando a execução se frustra.

Na prática, porém, vem surgindo em alguns tribunais estaduais uma hermenêutica equivocada: decisões administrativas e jurisdicionais têm estreitado o alcance de “custas processuais” ao mero sinônimo de taxa judiciária, exigindo adiantamento de todas as demais rubricas, sobretudo a citação postal, justamente o primeiro passo da execução de honorários.

Em Santa Catarina, por exemplo, a circular 152/25 da CGJ/TJ/SC comunica aos magistrados e servidores que a dispensa prevista no art. 82, § 3º, do CPC está restrita à taxa de serviços judiciais e não abrange as despesas.

A razão de decidir assenta-se em três premissas encadeadas: (i) uma leitura semântica do art. 82 segundo a qual os §§ 1º e 2º tratam de “despesas”, enquanto o § 3º fala em “custas processuais”, de modo que o diferimento alcançaria apenas a taxa judiciária; (ii) a norma estadual (lei 17.654/18) que separa a TSJ das “despesas processuais” e, destas últimas, exclui itens como AR e diligências de oficial de justiça; e (iii) a resolução CM 3/19, que impõe o recolhimento prévio dessas despesas. A partir daí, conclui-se que a lei 15.109/25 apenas desonera o ingresso (custas/TSJ) no ajuizamento das execuções de honorários, sem afastar a regra de antecipação das despesas operacionais do ato citatório e dos primeiros atos executivos.

Não se trata de entendimento apenas administrativo: decisões jurisdicionais do próprio TJ/SC têm adotado a mesma interpretação restritiva, mantendo o adiantamento das despesas de AR e diligências e limitando o § 3º do art. 82 à taxa judiciária. A 4ª Câmara de Direito Civil, no AI 5044125-51.2025.8.24.0000 (relatora Erica Lourenço de Lima Ferreira, julgado em 25/9/25), indeferiu o recolhimento das despesas ao final por entender que a lei 15.109/25 dispensa o advogado apenas do adiantamento das custas, não das demais despesas processuais.

Na mesma linha, a 8ª Câmara de Direito Civil, no AI 5044045-87.2025.8.24.0000 (relator Emanuel Schenkel do Amaral e Silva, julgado em 22/7/25), afirmou a inaplicabilidade da circular CG 152/25 para dispensar diligências e reafirmou a obrigatoriedade de recolhimento imediato das despesas previstas na lei estadual 17.654/18, ausente autorização judicial específica.

Em síntese, o próprio TJ/SC tem proferido julgados que preservam a taxa como objeto do § 3º e mantêm adiantadas as despesas dos atos executivos iniciais.

Essa hermenêutica, que limita “custas processuais” à taxa judiciária e remete AR e diligências à categoria de “despesas”, reaviva uma dicotomia antiga já enfrentada pelos Tribunais Superiores.

No plano infraconstitucional, o STJ, a partir do Tema 1.054, qualifica a citação postal como custas do ato citatório, e não como despesa antecipável.

No plano constitucional, o STF emprega “custas dos serviços forenses” em sentido amplo, abarcando a taxa e as rubricas não tributárias ligadas à prática de atos processuais.

O vício metodológico está em decidir como se tais balizas não existissem, dissipando a coerência sistêmica e a hierarquia normativa. Com isso, ressuscita-se debate superado e cria-se assimetria: a mesma carta com aviso de recebimento passa a ter natureza diversa conforme o sujeito ativo. Além de anti-isonômica, essa solução esvazia a finalidade do § 3º justamente onde ele deveria operar - nos custos iniciais indispensáveis para pôr o processo em marcha.

Nos tópicos seguintes, retomaremos o entendimento do STJ, a taxonomia do STF e a mens legis para demonstrar que o diferimento legal também alcança as custas do ato citatório, inclusive AR e diligências necessárias à citação.

O que o STJ já decidiu sobre custas relativas à citação postal

A 1ª seção, no Tema 1.054 (REsp 1.858.965/SP, relator ministro Sérgio Kukina), fixou tese segundo a qual, à luz do art. 39 da LEF, a citação postal integra as “custas relativas ao ato citatório” e não pode ser exigido o seu adiantamento pela exequente, devendo o valor ser recolhido apenas ao final, se vencida.

No mesmo acórdão, reconheceu-se a ilegalidade do provimento CSM 2.292/15 do TJ/SP por versar matéria processual de competência privativa da União (CF, art. 22, I), justamente por tentar restabelecer, por ato local, um preparo prévio afastado pela disciplina federal.

O acórdão também sistematiza a taxonomia aplicada pelo STJ: custas (preço da prestação jurisdicional pelos serviços cartorários) versus despesas (gastos alheios à atividade cartorária, como honorários periciais e diligências de oficial de justiça). E reafirma, com amplo lastro precedente REsp 443.678/RS; EREsp 464.586/RS; EREsp 449.872/SC; EREsp 506.618/RS), que a citação postal pertence ao primeiro grupo (custas do ato citatório), e não ao segundo.

sa ratio decidendi aplica-se diretamente ao caso ora debatido. Embora o Tema 1.054 tenha se assentado sobre o art. 39 da LEF, a questão de fundo enfrentada pelo STJ foi precisamente a natureza jurídica e o regime de adiantamento da citação postal, interpretando dispositivo que menciona “custas” e qualificando o AR como custas do ato citatório.

Trata-se, portanto, do mesmo objeto e do mesmo vocábulo normativo. Se o § 3º do art. 82 do CPC dispensa o advogado do adiantamento de “custas processuais”, alcança, pelo mesmo critério classificatório adotado pelo STJ, as custas do ato citatório (AR e diligências correlatas). A diferença de sujeito ativo (Fazenda/advogado) não altera a natureza do ato nem autoriza, por direito local, exigir adiantamento onde a disciplina Federal já o diferiu.

Não obstante, a circular 152/25 da CGJ/TJ/SC e os pareceres que a sustentam não enfrentam a tese repetitiva nem a qualificação jurídica firmada sobre as custas da citação postal, operando como se “custas” fossem sinônimo de taxa judiciária e como se normas locais pudessem exigir o adiantamento da AR.

Age-se, em suma, como se existissem dois conceitos de “custas”: para a Fazenda, por causa do Tema 1.054/STJ, as “custas” abrange a citação postal; para o advogado que executa honorários, “custas” não abrangeria o mesmo ato.

Isso é anti-isonômico e conceitualmente incoerente. Qual a lógica de o mesmo ato (a citação via AR) mudar de natureza conforme quem demanda? O envelope não troca de qualificação contábil porque o exequente é a Fazenda ou um advogado. À luz do STJ, o que há são custas do ato citatório diferidas por comando Federal (pela LEF para a Fazenda e pelo CPC para o advogado). Um ato local não pode exigir o adiantamento onde a lei Federal superveniente o afastou.

Pela mesma razão, salvo melhor juízo, a resolução CM 3/19 do TJ/SC, na parte em que exige recolhimento prévio de AR e diligências para a citação, incorre no mesmo vício que levou o STJ a declarar ilegal o provimento CSM 2.292/15 do TJ/SP: trata-se de ato local que contraria a norma Federal de processo e a ratio da tese repetitiva, devendo ser tido por incompatível e, no ponto, por derrogado.

Mens legis e natureza de prerrogativa processual do advogado

O § 3º do art. 82 não cria isenção, e sim diferimento legal, objetivo e automático. O advogado permanece sujeito às custas, mas não as antecipa: o desembolso é postergado para o final e recai sobre quem deu causa à ação. Essa é a opção política do legislador, retirar do credor de honorários o ônus de financiar os atos inaugurais do processo que busca justamente satisfazer sua remuneração.

A exposição de motivos do PL 4.538/21 foi inequívoca: pretendeu-se evitar o “duplo prejuízo” da advocacia (inadimplência do cliente somada a desembolso inicial irrecuperável) e viabilizar a cobrança de honorários sem impor ao advogado o custeio imediato dos atos que colocam o processo em marcha.

Por isso, a mens legis não se limita à taxa de ingresso: alcança, necessariamente, os custos indispensáveis ao impulso inicial, notadamente a citação postal e as diligências diretamente vinculadas ao ato citatório. Exigir AR antecipado esvazia o núcleo de proteção e transforma o § 3º em letra morta, reerguendo a mesma barreira econômica que a lei derrubou.

A distinção estadual entre TSJ e “despesas” pode organizar a arrecadação em geral, mas não pode redesenhar o alcance do § 3º no seu microambiente normativo. Como disciplina Federal de processo, o § 3º derroga qualquer ato local que reintroduza preparo prévio para AR e diligências necessárias à citação em cobranças e execuções de honorários.

Em síntese, respeitar a mens legis é dar efetividade à prerrogativa processual da advocacia de diferimento dos atos inaugurais.

Conclusão

Postas todas as peças no tabuleiro, o quadro é: o art. 82, § 3º, do CPC instituiu verdadeira prerrogativa processual do advogado: não adiantar custas processuais para cobrar honorários próprios.

À luz da jurisprudência consolidada do STJ, “custas relativas ao ato citatório” abrangem a citação postal. Sob a ótica do STF, “custas dos serviços forenses” compõem um conjunto que inclui taxa judiciária e custas em sentido estrito (rubricas não tributárias vinculadas aos atos processuais).

Daí decorre que restringir a dispensa do § 3º apenas à TSJ, como faz a interpretação administrativa e jurisdicional de Santa Catarina: (i) esvazia a prerrogativa criada pela lei 15.109/25; (ii) cria assimetria injustificável entre a Fazenda (que não adianta custas de citação por causa do Tema 1.054/STJ) e o advogado (que teria de adiantar o mesmo AR); e (iii) contraria a coerência constitucional que prestigia a advocacia como função essencial à Justiça (CF, art. 133) e o acesso efetivo à jurisdição (CF, art. 5º, XXXV).

Em termos práticos, a solução conforme à Constituição e aos precedentes é: diferem-se também as custas do ato citatório (AR e diligências diretamente vinculadas à citação) nas cobranças e execuções de honorários, com recolhimento ao final pelo vencido.

Atos normativos locais que imponham preparo prévio cedem diante da disciplina Federal de processo e da ratio da tese repetitiva do STJ, do mesmo modo que já se reconheceu a ilegalidade de ato paulista que pretendia exigir o adiantamento do AR nas execuções fiscais.

Não se trata apenas de disputa semântica. Trata-se de efetividade normativa, isonomia e coerência sistêmica. “Custas processuais” não podem significar uma coisa quando a exequente é a Fazenda e outra quando o exequente é o advogado.

À luz da mens legis e da ratio decidendi firmada pelos Tribunais Superiores, impõe-se aplicar o § 3º como concebido: diferimento objetivo das custas necessárias para pôr o processo em marcha, inclusive da citação postal.

Por conseguinte, a circular 152/25 da CGJ/TJ/SC merece ser revista e tida por sem efeito, no ponto em que restringe o alcance do dispositivo à taxa judiciária, assim como os precedentes que adotam esse entendimento restritivo devem ser revisitados - em juízo de retratação ou na oportunidade processual cabível - para se adequarem à disciplina Federal de processo e à jurisprudência das Cortes Superiores.

Eduardo Baldissera Carvalho Salles
Advogado, doutor pela PUCRS e pela Universidad de Sevilla (Espanha). Faz pós-doutorado na PUCRS. Conselheiro Estadual da OAB/SC.

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