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Como atuar em negativas de tratamento oncológico após o AgInt no AREsp 2.842.229/RJ

STJ, no AgInt no AREsp 2.842.229/RJ, reafirma a abusividade da negativa de cobertura de tratamento oncológico por plano de saúde e reconhece dano moral pela recusa indevida ao beneficiário.

28/11/2025

Análise do AgInt no AREsp 2.842.229/RJ, de relatoria do ministro Moura Ribeiro

A discussão em torno da natureza do rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS, se taxativo, exemplificativo ou “taxativo mitigado”, tem ocupado espaço relevante na jurisprudência e na doutrina.

Entretanto, a recente julgado do STJ em casos envolvendo tratamento oncológico revela um movimento de esvaziamento prático desse debate, ao menos quando se cuida de medicamentos antineoplásicos prescritos pelo médico assistente.

Em acórdão proferido em agravo interno em recurso especial, envolvendo operadora de plano de saúde e beneficiária em tratamento de câncer, a 3ª turma do STJ manteve decisão que: (i) reconheceu a abusividade da negativa de cobertura; (ii) determinou o custeio do tratamento; e (iii) fixou indenização por dano moral em valor compatível com a jurisprudência consolidada.

O quadro fático-processual

No caso examinado, a beneficiária, diagnosticada com neoplasia maligna, teve negada a autorização para procedimento indicado pelo médico assistente, diretamente vinculado ao tratamento oncológico já em curso.

O contrato previa cobertura para tratamento de câncer, e a documentação constante dos autos demonstrava a pertinência do procedimento em relação à patologia e à terapêutica já adotada.

A operadora, por sua vez, buscou justificar a recusa com base em restrições contratuais associadas ao rol da ANS, sustentando inexistir obrigação de custear o procedimento e, por conseguinte, afastando o dever de indenizar.

O Tribunal de Justiça local afastou tais alegações, reconheceu a ilicitude da negativa e fixou compensação por dano moral. A controvérsia chegou ao STJ por meio de recurso especial e subsequente agravo interno, ambos desprovidos.

O papel do rol da ANS em matéria oncológica

O aspecto mais sensível do acórdão reside na leitura conferida ao rol da ANS em hipóteses de tratamento de câncer.

A 3ª turma reafirma entendimento segundo o qual, nesses casos, a discussão abstrata sobre a natureza do rol perde centralidade, diante da existência de diretrizes regulatórias específicas que conferem proteção ampliada aos beneficiários.

Em síntese, o Tribunal assenta que:

Dano moral: Ilicitude qualificada pela gravidade do quadro clínico

No tocante aos danos morais, o acórdão reforça a orientação consolidada no sentido de que a recusa indevida de cobertura, em contexto de doença grave e necessidade urgente de tratamento, não se qualifica como mero inadimplemento contratual.

O Tribunal destaca, em especial:

A partir dessa moldura fática, a 3ª turma reconhece a configuração do dano moral in re ipsa, isto é, decorrente diretamente da conduta ilícita, dispensando a demonstração probatória específica do abalo.

O valor arbitrado pelas instâncias ordinárias foi mantido, em observância ao entendimento segundo o qual a intervenção do STJ no quantum indenizatório somente se justifica em hipóteses de evidente irrisoriedade ou exorbitância.

Repercussões práticas para a advocacia em saúde suplementar

A partir do julgado, algumas consequências práticas podem ser destacadas para a atuação de advogados em demandas envolvendo planos de saúde e tratamento oncológico:

  1. Em matéria de câncer, a discussão sobre a natureza do rol da ANS cede espaço à análise da indicação médica e da coerência do procedimento com a cobertura contratual. Insistir na tese de “rol taxativo” como argumento central tende a ser pouco eficaz.
  2. A adequada instrução probatória (com documentos que evidenciem a negativa, a prescrição médica, a urgência do tratamento e a regularidade do vínculo contratual) é determinante tanto para o reconhecimento do dever de cobertura quanto para a configuração do dano moral.
  3. A indenização por danos morais, nesses contextos, não pode ser tratada como acessório eventual, mas como resposta jurídica a um agravamento concreto da situação de vulnerabilidade do beneficiário.

É dizer, julgado reafirma a centralidade da boa-fé objetiva, da função social do contrato de plano de saúde e da tutela da dignidade do paciente, deslocando o eixo da discussão de debates abstratos sobre o rol para a análise concreta da finalidade do pacto assistencial.

Manasses Lopes
Advogado e professor universitário. Especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), em Brasília.

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