Dúvidas existem a respeito da legitimidade jurídica de despesas realizadas pela gestão condominial relacionadas a festividades tradicionais, pequenos adornos, itens de embelezamento e outras ações voltadas ao bem-estar comum dos condôminos, notadamente aquelas decorrentes de costumes e práticas reiteradas na vida condominial brasileira.
A dúvida exsurge especialmente em determinadas épocas do ano, e incide sobre o uso de recursos do condomínio para finalidades como aquisição de enfeites natalinos, iluminação temática, pequenos agrados de natureza moderada a funcionários e prestadores de serviços em épocas festivas, bem como para a realização de confraternizações tradicionais, tais como festa junina, natal, dia das crianças e outras comemorações análogas.
Com efeito, nos termos do art. 1.348 do CC, compete ao síndico “exercer a administração interna do condomínio”, representando-o ativa e passivamente, praticando os atos necessários à sua gestão.
A doutrina especializada é uniforme em reconhecer que, uma vez eleito, o síndico recebe um conjunto de poderes gerais de administração, que compreendem a condução ordinária da vida condominial, a realização de despesas de menor vulto, a adoção de medidas práticas e rotineiras para assegurar o bom funcionamento do edifício, bem como a promoção do bem-estar coletivo e da convivência harmoniosa.
Conforme leciona Zeno Veloso,
“o síndico é o gestor do edifício e exerce função que se aproxima da administração de bens alheios, devendo praticar todos os atos inerentes à conservação e à vida regular da coletividade condominial”.
Em igual linha, Carlos Alberto Dabus Maluf afirma que a função exige
“...prudência, razoabilidade e a capacidade de realizar gastos condizentes com o interesse comum, mesmo sem consulta assemblear prévia, quando se tratar de despesas ordinárias ou costumeiras”.
Portanto, o síndico não apenas pode, mas deve realizar atos de administração compatíveis com a rotina e com o interesse comum, desde que dentro dos limites da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade.
Entre os poderes gerais de administração inclui-se, segundo a doutrina dominante, a possibilidade de realizar pequenos gastos ordinários, necessários ou úteis ao condomínio, sem necessidade de autorização assemblear prévia, desde que voltados ao interesse coletivo, sejam rotineiros ou costumeiros, não representem vultoso impacto econômico, correspondam à expectativa majoritária dos condôminos, e guardem relação com o bem-estar e a vida comunitária.
O TJ/SP já decidiu que:
“O síndico detém autonomia administrativa para realizar despesas compatíveis com a vida ordinária do condomínio, especialmente quando relacionadas a práticas usuais, habituais e socialmente aceitas. Despesas do "caixinha", por sua natureza e valores baixos, prescindem de aprovação orçamentária e até mesmo de posterior comprovação. ” (Apelação 1018279-18.2017.8.26.0003)
Logo, despesas de pequena monta inserem-se na esfera natural de atuação do gestor condominial.
A prática de ornamentar o edifício em épocas especiais - especialmente no período natalino constitui costume amplamente aceito e observado em condomínios de todo o país, de forma que a aquisição de enfeites natalinos, pequenas iluminações, itens decorativos temporários, arranjos ou adereços alusivos a datas comemorativas, desde que adquiridos em valores módicos, representa despesa correntevoltada ao bem-estar coletivo, ao embelezamento temporário do edifício e ao fortalecimento simbólico da comunidade.
O art. 4° da lei de introdução às normas do Direito brasileiro (decreto-lei 4.657/1942) reconhece o costume como fonte subsidiária do direito, sendo amplamente aplicado em matéria condominial.
Ademais, muitos institutos da vida condominial, por exemplo, a própria AGI - Assembleia Geral de Instalação, não prevista expressamente em lei - existem e são aplicados por força do costume jurídico.
Da mesma forma, são práticas tradicionais e costumeiras concessões de pequenas lembranças de Natal a funcionários, entrega de cartões ou pequenos presentes simbólicos, assim como gentilezas moderadas a prestadores recorrentes (como coletores de lixo).
Tudo isso deve ocorrer dentro de critérios de moderação, transparência e razoabilidade.
Importante observar que até mesmo a fachada do edifício, protegida legalmente como verdadeira “cláusula pétrea” do direito condominial, admite alterações momentâneas e temporárias para disposição de enfeites natalinos, bandeiras em época de Copa do Mundo e outros adornos tradicionais, sempre de forma transitória e não permanente. Esta prática é expressamente reconhecida pela jurisprudência como não configuradora de alteração da fachada, dado seu caráter efêmero.
Festejos típicos do calendário anual - tais como festa junina, dia das crianças, confraternização de final de ano, bem como encontros comunitários temáticos têm por finalidade estimular a convivência harmoniosa, criar pontes de afeto, respeito e amizade, reduzir conflitos internos e fortalecer o espírito comunitário.
Todos esses objetivos são plenamente compatíveis com os princípios modernos da gestão condominial humanizada, hoje amplamente defendida pela doutrina e pelas administradoras profissionais.
A licitude das despesas decorre de três fundamentos: (1) interesse comum, vedada qualquer forma de destinação personalíssima, individualizada ou voltada a beneficiários específicos, (2) lastreada em costume jurídico, prática reiterada, adotada, copiada, replicada e consolidada em praticamente todos os condomínios brasileiros, e (3) desde que realizada na esfera dos denominados poderes gerais de administração, inerentes e imanentes à função do síndico.
Não há, portanto, qualquer relação com improbidade, desvio de finalidade ou uso indevido de recursos, ao contrário, desde que moderada e transparente, a prática manifesta o zelo do gestor pela convivência pacífica, pela integração social e pela boa administração da vida comunitária.