A imposição, pela Receita Federal do Brasil, de um limite temporal de cinco anos para a utilização integral de créditos tributários reconhecidos por decisões judiciais transitadas em julgado tem gerado intenso debate jurídico. Trata-se de uma restrição prevista no art. 106 da IN RFB 2.055/21 e na solução de consulta COSIT 239/19, que diverge do entendimento consolidado pelo STJ e pelos TRFs. Para estes, o prazo quinquenal diz respeito exclusivamente ao pleito inicial, à habilitação do crédito, e não à sua utilização completa.
A discussão ganhou relevância após o STF, ao julgar o Tema 69 (RE 574.706/PR), firmar que o ICMS não integra a base de cálculo do PIS e da COFINS. No caso concreto analisado, um contribuinte que atuava no comércio atacadista e na importação e exportação de produtos, inclusive médico-hospitalares e suplementos, recolhia indevidamente essas contribuições com a inclusão do ICMS no preço de venda. O reconhecimento da ilegalidade e inconstitucionalidade dessa cobrança, por violação ao art. 195, I, “b”, da Constituição Federal, levou à concessão de mandado de segurança assegurando o direito de restituição/compensação dos valores recolhidos indevidamente nos cinco anos anteriores à ação. Como o entendimento do STF tem aplicação imediata, não há necessidade de aguardar o trânsito em julgado do leading case. Após a decisão definitiva favorável ao contribuinte, iniciou-se o procedimento administrativo de habilitação do crédito; contudo, já durante as compensações, o sistema da RFB passou a bloquear a continuidade da utilização do saldo remanescente, sob o argumento de suposta extinção do crédito.
Esse impedimento administrativo decorre da interpretação conferida a atos infralegais da Receita Federal, segundo os quais as declarações de compensação (PER/DCOMP) estariam sujeitas ao prazo de cinco anos contados do trânsito em julgado da decisão judicial. O art. 106 da IN RFB 2.055/21, acompanhado pela solução de consulta COSIT 239/19, prevê que a declaração de compensação pode ser apresentada nesse período, entendimento que a Fazenda Nacional tenta ampliar para exigir não apenas a habilitação, como também a utilização integral do crédito dentro do mesmo intervalo. A imposição, contudo, é ilegal, pois atos normativos secundários só são válidos quando permanecem dentro dos limites fixados por normas primárias. Ao extrapolar tais limites, incorrem em vício de ilegalidade.
A legislação superior trata a matéria de forma distinta. O art. 146, III, “b”, da Constituição Federal reserva à LC o tratamento da prescrição e decadência tributárias. O CTN, que possui status de lei complementar no tocante às normas gerais tributárias, disciplina a recuperação de créditos e determina, em seu art. 168, que o direito de pleitear a restituição se extingue após cinco anos, contados do momento em que a decisão judicial se torna definitiva. Enquanto isso, a lei 9.430/96 autoriza a utilização, por compensação, dos créditos reconhecidos judicialmente sem impor qualquer prazo para sua utilização integral, apenas para a formalização do pedido. No caso específico, a habilitação ocorreu dentro do prazo: a decisão transitou em julgado em 16/4/2019 e o pedido foi formalizado e deferido em 2023, superando, portanto, a exigência de início da compensação dentro do período quinquenal.
A jurisprudência do STJ reforça essa interpretação ao determinar que o prazo de cinco anos previsto nos arts. 165, III, e 168, I, do CTN deve ser observado para pleitear a compensação, não para concluí-la. Assim, uma vez iniciado o procedimento dentro do prazo legal, não há limitação normativa para a utilização integral do crédito. A tentativa da Receita Federal de impor tal restrição por meio de IN ou solução de consulta contraria normas superiores e introduz indevidamente regra sobre prescrição, matéria reservada à lei complementar. Os TRFs acompanham esse entendimento: o TRF da 4ª Região, por exemplo, reconhece que a habilitação interrompe a prescrição e que, iniciada a compensação, não há prazo máximo para sua finalização. Basta, portanto, que o contribuinte respeite o prazo de cinco anos para formalizar o pedido de habilitação para assegurar o uso integral do crédito até o completo esgotamento do saldo.
Diante disso, a limitação temporal imposta pela IN RFB 2.055/21 e pela solução de consulta COSIT 239/19 viola o princípio da legalidade previsto no art. 150, I, da Constituição Federal e afronta o regime prescricional do CTN. O contribuinte tem direito líquido e certo ao aproveitamento integral do crédito devidamente habilitado, e a criação de barreira temporal administrativa distorce o alcance da decisão judicial, afeta o fluxo de caixa e reduz a efetividade da prestação jurisdicional. A dinâmica se assemelha a um túnel: a LC (CTN) estabelece o prazo para ingressar no túnel, a habilitação do crédito, mas os atos infralegais tentam impor tempo máximo para sair dele, ainda que o direito de passagem já tenha sido validado. No ordenamento jurídico, uma entrada válida assegura a plenitude do percurso.