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Os honorários sucumbenciais e a multa na execução invertida - Posicionamentos do STJ sobre o tema

Julgamento redefine a execução invertida ao exigir cálculos precisos e boa-fé, alertando para riscos de multa e honorários mesmo com depósito complementar.

3/12/2025

Em agosto de 2025, a 3ª turma do STJ concluiu julgamento paradigmático que pode ter implicações relevantes para a conduta dos litigantes em procedimentos de cumprimento de sentença. Trata-se do REsp 1.873.739/SP, de relatoria do min. Ricardo Villas Bôas Cueva, mas com voto vencedor lavrado pela min. Nancy Andrighi. O julgamento diz respeito à sistemática da “execução invertida”, ainda pouco utilizada, prevista no art. 526 do CPC/15.

É ponto pacífico que, para a incidência da multa e dos honorários advocatícios da fase de cumprimento de sentença, previstos no art. 525, § 1º, do CPC, é necessária a prévia intimação do devedor para pagamento, bem como o descumprimento dessa obrigação no prazo de 15 dias úteis. Essa é a sistemática mais comum, com o cumprimento se iniciando por provocação do credor, cabendo ao devedor se opor integral ou parcialmente, se for o caso.

No entanto, o Código prevê, no art. 526, uma alternativa ainda pouco explorada, segundo a qual pode partir do devedor a iniciativa do cumprimento da sentença, desde que ele deposite o montante entendido como correto, acompanhado de memória discriminada de cálculo. Nessa hipótese, o credor será intimado a falar sobre os cálculos do devedor, em prazo bem mais curto, de apenas 5 dias úteis. Se o credor não concordar, indicará a quantia que entende ainda lhe ser devida; se concordar, ou não se opuser dentro do prazo, o devedor obterá a quitação.

Trata-se de opção interessante para o devedor que, não querendo se ver prejudicado por eventual demora do credor, deposita desde logo a quantia entendida como correta, evitando um possível aumento decorrente de juros e correção monetária.

O referido artigo também pode favorecer o devedor que se encontre com bens ou direitos bloqueados e que deseje quitar a obrigação com a máxima urgência para se liberar dessas constrições.

No que diz respeito aos honorários e à multa, o art. 526, § 2º, traz norma que espelha a do art. 523, § 1º, do CPC: se o credor se opuser aos cálculos do devedor e, ao final, o juiz julgar corretos os cálculos do credor, incidirão sobre a diferença (isto é, o cálculo do credor menos o do devedor) a multa e os honorários de 10% cada.

No REsp 1.873.739/SP, o STJ julgou exatamente os limites de incidência do art. 526, § 2º, do CPC. Foram formadas duas posições distintas, ambas com bons argumentos. 

A primeira, dos min. Ricardo Villas Bôas Cueva e Moura Ribeiro, ateve-se à literalidade da lei. Segundo essa posição, se o devedor, após realizar o depósito e ver o valor ser questionado pelo credor, fizer novo depósito para complementar a diferença reclamada antes de qualquer decisão do juízo, não caberão os acréscimos. Em outras palavras, o mero equívoco do cálculo do devedor não atrairia, por si só, a incidência das penalidades, sendo indispensável uma decisão judicial atribuindo razão aos cálculos do credor.

Por sua vez, a segunda posição, capitaneada pela min. Nancy Andrighi e seguida pelos demais da 3ª turma, foi um pouco mais rigorosa. Entendeu-se que, mesmo havendo o depósito da diferença reclamada antes da decisão judicial, os acréscimos poderão incidir se (i) houver diferença significativa entre o valor depositado e o valor correto; e (ii) o devedor não tiver juntado memória de cálculo, deixando, assim, de justificar a quantia inicialmente depositada. A ministra defendeu sua conclusão afirmando: “A lei protege a boa-fé do devedor que, ao perceber erro de cálculo, complementa o valor remanescente de forma voluntária. Entretanto, a lei não protege estratégias processuais que se desviem do célere e completo adimplemento dos débitos.”

O resultado desse julgamento no STJ deve ser considerado um alerta para os litigantes e os advogados em procedimentos de cumprimento de sentença. Ele reforça a necessidade de elaboração criteriosa e com boa-fé dos cálculos das condenações judiciais, de preferência com a cautelosa avaliação do entendimento mais atualizado da jurisprudência.

Falta de atenção, por exemplo, em relação à aplicabilidade dos precedentes que fixaram a incidência da Selic às dívidas de natureza cível (REsp 1.795.982 e o Tema repetitivo 1.638) podem levar a diferenças consideráveis entre os cálculos do devedor e do credor, o que pode legitimar a multa e os honorários mesmo na execução invertida adimplida espontaneamente, conforme o entendimento vencedor da 3ª turma.

Embora ambas as posições adotadas no julgamento em questão tenham boas bases, realmente a redação bastante enxuta do art. 526 do CPC abre margem para diferentes interpretações. Por isso, é essencial o acompanhamento da evolução da jurisprudência sobre esse tema para evitar surpresas e acréscimos que podem ser significativos na fase de cumprimento de sentença.

Bianca Pumar
Sócia de Pinheiro Neto Advogados.

Daniel Andrade de Souza
Associado de Pinheiro Neto Advogados.

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