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Comissões parlamentares de inquérito: Responsabilidade jurídica de parlamentares

Abusos contra advogados em CPIs revelam violações de prerrogativas, omissão institucional e uso distorcido do poder parlamentar, ameaçando o Estado de Direito.

4/12/2025

Fazia tempo que a palavra democracia não se via invocada para fins tão distantes do Direito Público e do sentido jurídico-constitucional (art. 1º, caput, da CR). Esta dificuldade semântica se mostra apenas a superfície de problema maior do país: o exercício do voto não significa o ideal na representação popular, diante da assimetria de informações entre eleitores. 

Diversos meios de burlar dados sobre candidatos e respectivas propostas prejudicam a lisura das campanhas eleitorais. Mentira, desinformação proposital e marketing político sem ética - nas redes sociais, inclusive - estão na ordem do dia do processo eleitoral. Daí, renovados os mandatos, mais pessoas têm atuações descomedidas no Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.

 Não se vai invadir o campo da ciência política, mas adotar a situação factual descrita como premissa para explicar o que se está a ver nas comissões parlamentares de inquérito: arbítrio seguido de arbítrio

Vale atenção aqui quanto a fatos recentes que envolvem o exercício da defesa técnica por advogados perante tais comissões. Com frequência, vê-se o advogado, ou a advogada, impedido de se manifestar, de se comunicar com o cliente e de realizar requerimentos pertinentes e relevantes à defesa. Em sessões no Congresso, parlamentares mandam defensores se calarem e os ameaçam, até mesmo, de restrição à liberdade de ir e vir.

Não se vai esperar que a Procuradoria Geral da República sponte própria vá requisitar aberturas recorrentes de inquérito policial contra atos de deputados Federais e senadores da República. A perda da ingenuidade não nos permite exigir comportamentos-modelo, mesmo que a fábula de cada um se alicerce no ordenamento jurídico e no poder-dever estatal.

Todavia, se tal inércia emerge produto do momento político, impressiona a omissão da Ordem dos Advogados do Brasil, instituição com escopo de defender a ordem jurídica, os direitos individuais e a advocacia (art. 44, I e II, da lei 8.906/94).

Nenhum advogado, vítima dessas práticas arbitrárias, se satisfaz com a solidariedade dos colegas e a simpatia dos nossos dirigentes. Nem sequer os desagravos exibem-se suficientes a reparar o escárnio público que defensores padecem sob os holofotes das comissões parlamentares de inquérito.

A jurisprudência do STF - veja-se, e.g., o paradigmático julgado da lavra do ministro Celso de Melo (MS 23.576-DF) - consagrou direitos dos advogados (art. 143, da CR), tais como: (i) receber tratamento compatível com a dignidade da advocacia (art. 6º, par. 1º, da lei 8.906/94); (ii) exercer a atividade própria de advogado, sem restrições indevidas (art. 7º, I, da lei 8.906/94); (iii) comunicar-se livremente com cliente (art. 7º, III, da lei 8.906/94); (iv) permanecer e/ou sair de qualquer audiência (art. 7º, VII, da lei 8.906/94): (v) usar da palavra, pela ordem, em manifestação sucinta sobre dúvida quanto a fato, documento, ou afirmação relevante (art. 7º, X, da lei 8.906/94); (vi) reclamar de ato ilegal, ou de violação ao regimento interno as casa legislativa (art. 7º, XI, da lei 8.906/94); e (vii) assistir à autodefesa (art. 7º, XX, da lei 8.906/94). 

Logo, os aludidos direitos da advocacia emergem do conhecimento dos parlamentares que devem agir em atendimento à legalidade estrita (art. 37, da CR) e aos comandos judiciais pertinentes às comissões de inquérito, em especial, os emanados pelo STF.

Assim, não há espaço para hesitação quanto à necessidade de se perquirirem, em inquérito policial, os comportamentos ilícitos dos membros do Poder Legislativo, quando se dá grave violação a direitos e prerrogativas dos defensores nas sessões públicas de comissão parlamentar de inquérito.      

Tais agentes políticos, ao obstaculizarem o exercício da ampla defesa, podem ter perpetrado, dentre outros, crimes de abuso de autoridade (e.g., arts. 9º, 15, 20, par. único, 38, da lei 13.964/19) ou mesmo de tortura (art. 1º, da lei 9.455/97). 

Não obstante o sujeito passivo direto das infrações penais seja o indivíduo que sofre com tais atos, não se pode esquecer do advogado, ofendido secundário, em situações nas quais se lhe impede de agir na defesa do cliente, ou se vê, também, intimidado.    

Além de noticiar fatos dessa gravidade ao Ministério Público, com o fim de requerer a abertura de investigação criminal em face de senadores, deputados e vereadores (art. 5º, do CPP), a Ordem dos Advogados do Brasil ainda pode elaborar pedidos de apuração no âmbito dos conselhos e comissões de ética e decoro parlamentar, das respectivas casas legislativas. 

Os abusos e a agressividade de parlamentares nas comissões de inquérito recentes devem ser coibidos, em prol do Estado de Direito e da dignidade da pessoa humana (art. 1º, caput e III, da CR). Sim, eles ostentam poder de investigar, porém, com limites na lei e na Constituição da República. E, se interpretados na perspectiva contemporânea do processo penal, de natureza acusatória (art. 3º-A, do CPP), os poderes de investigação próprios das autoridades judiciais se exibem bem menores do que acreditam tais eleitos pelo povo (art. 58, III, da CR).

A Ordem dos Advogados do Brasil precisa nos proteger de tais comissões que rememoram práxis do período do terror da Revolução Francesa, instaurado pelo Comité de Salut Public (1793-5). A advocacia, em gênero, encontra-se ansiosa por ver nossos Robespierres dos trópicos no cadafalso.

Antônio Sérgio Altieri de Moraes Pitombo
Advogado, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Advoga no escritório Moraes Pitombo Advogados.

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