No Brasil, a chance de uma companhia aérea ser processada por um passageiro é 5.000 vezes maior do que nos Estados Unidos. Ainda, conforme dados da IATA - Associação Internacional de Transportes Aéreos, no Brasil, a cada 227 passageiros, 1 processo judicial é distribuído, enquanto a média global é de 1 processo judicial para cerca de 1,2 milhão de passageiros.
Esses dados alarmantes, destacados pelo STF, denotam a importância da decisão tomada, em 26 de novembro de 2025, pelo ministro Dias Toffoli: a suspensão nacional de todos os processos judiciais sobre atrasos, cancelamentos e alterações de voos por motivo de caso fortuito ou força maior (ARE 1.560.244/RJ). A medida coloca em espera milhares de ações e lança luz sobre um problema que afeta a todos: a explosão de litígios no setor aéreo e a divergência no tratamento da matéria entre os tribunais estaduais.
A questão central que o STF precisará responder no julgamento do Tema 1.417 é aparentemente simples: qual lei deve reger a responsabilidade civil das companhias aéreas nos casos de cancelamento, alteração ou atraso de voo por motivo de caso fortuito ou força maior? O CDC, com a previsão de responsabilidade objetiva com foco na vulnerabilidade consumidor e reparação integral dos danos, ou as normas específicas do CBA - Código Brasileiro de Aeronáutica e das convenções internacionais, que estabelecem exclusão e limitação de responsabilidade do transportador aéreo nessas situações? A resposta terá relevante impacto para a aviação comercial do país.
De um lado, o CDC é pilar dos direitos dos cidadãos, garantindo a reparação de danos de forma integral. De outro, para o setor aéreo, a aplicação indiscriminada do referido código, sem considerar as particularidades da aviação, gerou um cenário de insegurança jurídica e custos imprevisíveis, que fomenta uma indústria que concentra 98,5% dos processos contra companhias aéreas do mundo, conforme dados da IATA.
Nessa linha, os tribunais têm divergido entre aplicar o CDC e o Código Brasileiro de Aeronáutica, em especial, mas não apenas, nos casos de cancelamento, alterações e atrasos de voo por caso fortuito ou força maior, como condições meteorológicas, manutenção não programada, dentre outros. A divergência entre tribunais é tamanha que um mesmo incidente - um voo atrasado por mau tempo, por exemplo - pode gerar indenizações por danos morais em um Estado e ser considerado mero aborrecimento em outro.
Essa instabilidade, segundo o ministro Dias Toffoli, abriu portas para um contexto de litigiosidade em massa (e, possivelmente, de litigância abusiva), em que escritórios incentivam passageiros a processar companhias aéreas de forma massificada, muitas vezes por inconvenientes menores, na promessa de indenizações por danos morais. Além de fomentar um mercado paralelo de empresas que atuam por meio de aplicativos, adquirindo previamente o direito de passageiros, antecipando financeiramente o valor que o passageiro receberia no futuro, por meio de um processo judicial.
Dados da ABEAR - Associação Brasileira das Empresas Aéreas revelam que apenas 20 escritórios de advocacia foram responsáveis por cerca de 10% dos 400 mil processos movidos no país em determinado período, reforçando o acerto do reconhecimento da repercussão geral do tema pelo STF, e da suspensão de todos os processos, em âmbito nacional, que versem sobre a questão submetida à julgamento no tema 1.417.
Importante destacar aqui que não são todos os processos de atrasos, cancelamentos e alterações de voos que estão suspensos, mas tão somente aqueles que tenham por motivo de cancelamento o caso fortuito ou força maior, assim definidos pelo art. 256, §3º, do CBA, como a ocorrência de restrições ao pouso ou à decolagem decorrentes de condições meteorológicas adversas; de indisponibilidade de infraestrutura aeroportuário; de determinações da autoridade de aviação civil; e/ou de decretação de pandemia ou atos de governo que impeçam ou restrinjam o transporte aéreo.
Apesar das limitações acima destacadas, vê-se que a suspensão determinada pelo STF funciona como verdadeiro freio de arrumação. É reconhecimento de que a judicialização excessiva, embora possa parecer benéfica para o consumidor individual, tem um custo coletivo. Esse custo se reflete não apenas no preço das passagens, mas também na menor oferta de voos e na relutância de novas empresas em operar no Brasil.
A decisão final do STF no Tema 1.417 é aguardada com enorme expectativa. Caberá à Corte encontrar um ponto de equilíbrio: garantir que os direitos dos passageiros sejam respeitados sem fomentar uma indústria de ações judiciais que prejudica a sustentabilidade de um setor essencial para a economia. A uniformização da jurisprudência é o primeiro passo para trazer previsibilidade, segurança jurídica e, espera-se, um ambiente de negócios mais saudável para a aviação brasileira.