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Regulação responsiva e prevenção à lavagem de dinheiro nas bets

Um estudo de caso do acórdão 2.841/25-Plenário do TCU, que determinou medidas de prevenção para combater a lavagem de dinheiro relacionada ao mercado de bets (apostas de cota fixa).

15/12/2025
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O acórdão 2.841/25-Plenário do TCU, recentemente publicado, fiscalizou a atuação da SPA - Secretaria de Prêmios e Apostas, que compõe o Ministério da Fazenda, e do Coaf - Conselho de Controle de Atividades Financeiras e encontrou fragilidades relevantes no processo de autorização.

O diagnóstico institucional acerca das políticas de prevenção à lavagem de dinheiro no setor regulado apontou falta de recursos humanos, de recursos tecnológicos e de recursos orçamentário, que afetam, diretamente, a capacidade de acelerar o desenvolvimento do sistema de gestão de apostas.

A incorporação do mercado de apostas de quota fixa ao ordenamento jurídico brasileiro introduziu um setor de elevado risco ao sistema nacional de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLD/FTP).

A despeito da existência de um arcabouço normativo alinhado às recomendações internacionais, o TCU, por meio do acórdão 2.841/25-Plenário, identificou fragilidades estruturais relevantes na capacidade regulatória da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda.

A recente regulamentação das apostas de quota fixa no Brasil representa mudança paradigmática na política pública de controle de jogos e apostas. Após décadas de proibição ou tolerância marginal, o legislador passou a admitir, expressamente, a exploração dessa atividade, inclusive em ambiente digital, mediante autorização estatal e cumprimento de obrigações regulatórias específicas.

Esse movimento desloca o foco da política pública da repressão para a gestão regulatória do risco, especialmente no que se refere à lavagem de dinheiro e a crimes financeiros correlatos.

A literatura reconhece que setores intensivos em tecnologia, com alto volume de transações e existência de mecanismos de anonimização relativa, demandam modelos regulatórios adaptativos e baseados em risco.

É nesse contexto que se insere o acompanhamento promovido pelo TCU sobre a atuação da SPA - Secretaria de Prêmios e Apostas, avaliando, especialmente, a governança regulatória e analisando se o modelo brasileiro de prevenção à lavagem de dinheiro no mercado de apostas é compatível com os pressupostos da regulação responsiva.

Não obstante a existência de um arcabouço normativo formalmente robusto, as fragilidades estruturais da SPA impedem a plena operacionalização da regulação responsiva, comprometendo o escalonamento regulatório, a credibilidade do enforcement e a efetividade do sistema de PLD/FTP.

A teoria da regulação responsiva propõe um modelo de intervenção estatal baseado em respostas graduais e proporcionais ao comportamento dos regulados. Em oposição à lógica puramente sancionatória, a regulação responsiva estabelece uma pirâmide de instrumentos que vai desde a orientação e persuasão até sanções severas, utilizadas como último recurso.

O elemento central dessa abordagem é a capacidade do regulador de monitorar condutas e escalar sua atuação de forma crível. Sem informação, pessoal qualificado e instrumentos tecnológicos, a ameaça da sanção máxima perde eficácia, esvaziando os níveis inferiores da pirâmide.

Assim, a regulação responsiva depende diretamente da capacidade estatal, entendida não apenas como competência legal, mas como conjunto de recursos humanos, tecnológicos, organizacionais e financeiros disponíveis ao regulador.

A lei 9.613/1998 (lei de lavagem de dinheiro) estrutura o sistema brasileiro de prevenção à lavagem de dinheiro como um modelo cooperativo, no qual reguladores setoriais exercem função central na fiscalização das entidades obrigadas. Com a legalização das apostas, os operadores passaram a integrar esse sistema, devendo implementar políticas internas de PLD/FTP.

O TCU reconheceu que a SPA produziu um conjunto normativo consistente, especialmente por meio da portaria SPA/MF 1.143/24, alinhado às recomendações internacionais. No entanto, o Tribunal identificou lacuna relevante entre normatização e operacionalização.

Há uma grande fragilidade operacional diante da ausência de manuais operacionais e de padronização das rotinas de fiscalização comprometendo a previsibilidade e a uniformidade da atuação administrativa. Isso fragiliza a comunicação regulatória e reduz o efeito pedagógico das normas.

Outro ponto crítico encontrado refere-se ao processo de autorização das empresas, que se baseia fortemente em autodeclarações quanto à implementação de políticas de PLD/FTP. Tal modelo transfere confiança “excessiva” ao regulado e enfraquece a etapa inicial de controle, elevando riscos sistêmicos desde o ingresso no mercado.

O diagnóstico mais contundente do Acórdão reside na insuficiência de capacidade estatal da SPA. A existência de apenas três servidores efetivos responsáveis pelo tema de PLD/FTP demonstra descompasso entre atribuições legais e meios materiais disponíveis.

A deficiência tecnológica do Sigap - Sistema de Gestão de Apostas, desprovido de ferramentas analíticas avançadas, impede o uso eficaz de regulação baseada em dados, elemento essencial para o enforcement responsivo em ambientes digitais.

Sem capacidade de detecção e análise, o escalonamento regulatório torna-se pouco crível, reduzindo os incentivos ao cumprimento espontâneo das normas.

Ao determinar prazo para reforço institucional da SPA e recomendar aperfeiçoamentos estruturais, o Tribunal de Contas da União atua como indutor de capacidade estatal, extrapolando o controle meramente formal.

Diante disso, o acórdão 2.841/25-Plenário evidencia que o principal desafio da regulação das apostas de quota fixa no Brasil não reside na ausência de normas, mas na insuficiência da estrutura estatal responsável por aplicá-las.

À luz da regulação responsiva, conclui-se que a fragilidade da capacidade institucional da SPA compromete a efetividade do sistema de PLD/FTP e tende a converter o modelo normativo em regulação simbólica.

O fortalecimento do regulador constitui condição necessária para que o Estado exerça, de forma legítima e eficaz, sua função de gestão de riscos em setor sensível e em rápida expansão tecnológica, que merece maior atenção para combater desvios e lavagem de dinheiro no setor de apostas.

Autor

Anna Carolina Miranda Dantas Advogada especialista em Direito Administrativo Sancionador, Gestão Pública, Compliance e Anticorrupção.

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