Recente decisão judicial oriunda da 5ª vara cível de Belo Horizonte (MG) declarou nulas as cláusulas da convenção de condomínio de uma edificação no bairro Lourdes, na capital mineira, que se referiam à cobrança diferenciada para as unidades de cobertura de despesas ordinárias de natureza administrativa, operacional, de pessoal e de conservação e manutenção de áreas comuns.
De acordo com a decisão, os critérios de rateio proporcional à fração ideal devem ser mantidos apenas para as despesas relativas ao seguro da edificação, ao fundo de obras e às benfeitorias estruturais, que variam conforme o valor ou o tamanho do bem ou que valorizam o imóvel proporcionalmente, bem como despesas de consumo de água e gás, enquanto não houver medição individualizada desses serviços.
A despeito da reverberação sobre o polêmico conteúdo da citada decisão, tem-se que a mesma, ainda que eventualmente proferida por Tribunal, não constitui entendimento consolidado, tampouco representa orientação majoritária da jurisprudência pátria. Trata-se de pronunciamento episódico, restrito ao caso concreto, sem força normativa.
No sistema jurídico brasileiro, somente possuem caráter institucional e vocação vinculante as súmulas vinculantes do STF (art. 103-A da CF), as decisões da Suprema Corte em controle concentrado de constitucionalidade, bem como os precedentes qualificados previstos no art. 927 do CPC (IRDR, IAC, recursos repetitivos do STJ/STF).
Fora dessas hipóteses, qualquer pronunciamento jurisdicional é decisão isolada, que não cria dever de observância compulsória.
Nos termos do art. 926 e 927 do CPC, apenas os precedentes qualificados possuem obrigatoriedade para os demais órgãos jurisdicionais. Os julgados avulsos, como no caso em análise, não vinculam terceiros e tampouco obrigam que o mesmo critério seja replicado em condomínios distintos.
A doutrina nesse tocante é uníssona. Fredie Didier Jr., por exemplo, ensina que o precedente obrigatório exige “formação qualificada”, sendo inaplicável a decisões pontuais sem multiplicidade de casos ou ausência de tese jurídica vinculante.
Nelson Nery Jr., por seu turno, reforça que decisões singulares, ainda que por tribunais superiores, atuam como “persuasão racional”, jamais como imposição.
Assim, o julgado mencionado não impõe obrigação ao condomínio nem aos demais tribunais, servindo apenas como referência argumentativa, desprovida de força coercitiva.
O CC, em seu art. 1.336, I, estabelece que a fração ideal é o critério padrão e legal para o cálculo das contribuições condominiais:
“Contribuir para as despesas do condomínio, na proporção das suas frações ideais [...]”.
Ou seja, o critério matriz determinado pelo legislador é a proporcionalidade, sendo este o regime jurídico típico do condomínio edilício.
O STJ possui reiterados julgados confirmando que a regra geral é a fração ideal, como vemos:
“A fração ideal é o critério legal para distribuição das despesas, salvo disposição expressa em sentido contrário. ” (STJ, REsp 1.081.404/SP)
Portanto, qualquer decisão isolada que afaste o critério legal deve ser lida como exceção, aplicável somente quando a convenção se expressa em sentido diverso.
De ser observado, que o diploma civilista admite outros critérios, desde que previstos expressamente na convenção, como demonstra a redação do art. 1.334, IV:
“A convenção determinará a forma de contribuição para as despesas do condomínio. ”
Portanto, o condomínio pode adotar rateio por unidade, por uso, por tipologia, por blocos, por coeficiente técnico, por critério híbrido, bem como por qualquer outro, desde que previsto expressamente na convenção.
A doutrina confirma a opção legislativa, como aponta Sílvio de Salvo Venosa: “A convenção pode afastar a fração ideal, desde que o faça de forma clara e inequívoca.'' O mestre ainda ensina que “a autonomia privada permite ao condomínio disciplinar o modo de divisão das despesas, podendo afastar a fração ideal desde que o faça de forma cristalina e convencionada.''
Caio Mário da Silva Pereira segue na mesma esteira: “O condomínio tem autonomia privada mitigada para definir critérios diversos de rateio, desde que aprovados conforme a lei e incorporados à convenção.”
O mesmo autor assegura que a fração ideal é o critério legislativo padrão, mas admite a flexibilização por convenção:
“A regra geral é o rateio pela fração ideal. Nada impede, porém, que o condomínio adote critério diverso, desde que conste na convenção e respeite a vontade qualificada dos condôminos.”
Assim, o regime jurídico é claro: a regra é fração ideal; a exceção depende de convenção expressa.
Carlos Roberto Gonçalves leciona: “A convenção tem força normativa interna. Pode definir qualquer critério de rateio desde que não contrarie a lei; a lei admite expressamente essa maleabilidade.”
Decisões emanadas do STJ apontam a fração ideal como regra, como vemos:
- “Critério legal é a fração ideal, salvo convenção expressa em contrário”. (REsp 1.081.404/SP).
- “Condenação reformada porque não havia convenção afastando a fração ideal”. (AgInt no REsp 1.846.055/SC).
- A convenção é soberana para definir critério diverso; se omissa, prevalece a fração ideal. (REsp 1.111.247/PR).
Os tribunais estaduais, em escalada jurisprudencial conformam a tendência da posição dominante:
“A fração ideal é o critério legal. Critérios alternativos somente se aplicam quando expressamente previstos.” (TJ/SP, Apel. 100-22.2018.8.26.0100)
“Convenção que estabelece rateio igualitário deve prevalecer sobre a regra legal, dada a autonomia condominial.” (TJ/RS, Apel. Cível 70060966121)
“Cláusula expressa autorizando rateio por unidade afasta a fração ideal.” (TJ/MG, Apelação 1.0024.11.140987-7/002)
Assim e, à guisa de conclusão, podemos inferir que a decisão judicial que houve decretar ilegal a cobrança de taxas de condomínio diferenciadas para unidades de cobertura se apresenta como absolutamente isolada, desprovida de caráter vinculante, de modo que não tem o condão de obrigar outros julgadores ou condomínios a adotarem mencionada interpretação.
Por seu turno, o CC determina a fração ideal como critério-base, admitindo critérios diversos, desde que expressamente previstos na convenção, o que é amplamente aceito na doutrina e na jurisprudência.
O arcabouço doutrinário e jurisprudencial pátrio revela que a autonomia condominial prevalece, e decisões isoladas não modificam o regime legal nem a força normativa da convenção.