Como é de conhecimento geral, o Sescon impetrou Mandado de Segurança visando proteger suas empresas associadas da exigência prevista na lei 15.270/25, que condiciona a isenção do imposto de renda sobre lucros distribuídos à aprovação, no próprio exercício, dos resultados apurados. A ação requer que os lucros apurados até 31/12/25 permaneçam isentos, desde que aprovados em ata até 30/4/26.
Embora o pedido tenha sido formulado dentro de limites prudenciais, é louvável que a entidade tenha deliberado pelo ajuizamento do Mandado de Segurança. Contudo, a impetração poderia ter avançado no mérito para alcançar todas as hipóteses de inconstitucionalidade existentes, especialmente no que diz respeito à tributação condicionada à deliberação societária referente às reservas de lucros apurados até 2024, constantes das demonstrações financeiras das sociedades empresárias.
Com efeito, a inconstitucionalidade e a ilegalidade da exigência tributária não se limitam aos lucros a serem apurados em 2025, mas atingem igualmente os lucros apurados até 2024 - estoque de lucros acumulados ou a distribuir - que não podem ser submetidos à tributação prevista na lei 15.270/25, mesmo que a lei condicione a isenção à deliberação societária até 31/12/25.
Essa exigência viola diretamente o ato jurídico perfeito e o direito adquirido dessas sociedades empresárias, uma vez que tais lucros foram constituídos integralmente sob um regime jurídico de plena isenção. Assim, sua posterior tributação condicionada à aprovação societária configura retroatividade tributária indevida e ofensa ao texto constitucional.
A CF/88, em seu art. 5º, inciso XXXVI, determina expressamente:
“A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.”
O lucro já apurado, reconhecido contabilmente e juridicamente disponível (ainda que pendente de deliberação quanto à distribuição), constitui ato jurídico perfeito, porque:
- Foi formado integralmente sob legislação que estabelecia isenção plena sobre sua distribuição;
- Integra o patrimônio jurídico da sociedade e de seus sócios, representando direito adquirido ao regime fiscal vigente à época de sua constituição.
A legislação superveniente - como a lei 15.270/25 - não pode alterar a natureza jurídica, a disponibilidade ou o regime tributário desses lucros sem violar diretamente o art. 5º, XXXVI, CF/88.
A doutrina majoritária (Carrazza, Torres, Sacha Calmon, Misabel Derzi) é firme ao afirmar que o fato gerador da tributação da renda distribuída não pode retroagir para alcançar períodos pretéritos cujos resultados já se consolidaram, ainda que não distribuídos. Nesse sentido, o STF possui jurisprudência estável reconhecendo que a lei tributária nova não pode modificar efeitos já produzidos por fatos passados consumados.
Por outro lado, a revogação de isenção tributária sem respeito ao princípio da anterioridade é considerada inconstitucional pela doutrina e pela jurisprudência do STF, que entende que tal medida equivale a aumento indireto de tributo.
A CF prevê:
- Anterioridade anual (art. 150, III, “b”);
- Anterioridade nonagesimal (art. 150, III, “c”).
Ambas protegem o contribuinte de alterações abruptas, preservando previsibilidade e segurança jurídica. O STF afirma reiteradamente que a revogação de benefício fiscal aumenta indiretamente a carga tributária, razão pela qual deve respeitar a anterioridade.
No julgamento envolvendo decretos do Estado do Rio Grande do Sul que revogaram benefícios de ICMS, a Corte decidiu:
“Promovido aumento indireto do ICMS por meio da revogação de benefício fiscal, surge o dever de observância ao princípio da anterioridade geral e nonagesimal.”
Mais recentemente, no Tema 1.383 da repercussão geral, o STF consolidou o entendimento de que a redução ou supressão de benefícios fiscais deve observar a anterioridade tributária.
Além disso, deve ser privilegiada a segurança jurídica e a confiança legítima, conforme a LINDB. Após a reforma de 2018, a LINDB reforça o dever de proteção à estabilidade normativa:
- Art. 24: Exige que decisões administrativas e judiciais considerem as consequências práticas de mudanças normativas;
- Art. 30: Impede que o Estado surpreenda agentes privados com alterações retroativas e desproporcionais.
A tributação imediata de lucros acumulados, formados sob regra de isenção, viola diretamente esses preceitos.
Adicionalmente, como sustentado no Mandado de Segurança do Sescon, há conflito com a lei das sociedades anônimas. O art. 132 da lei 6.404/76 fixa prazo legal para aprovação das demonstrações financeiras pelas companhias. A lei 15.270/25 cria um descompasso entre:
- O calendário societário, e
- O calendário fiscal imposto pela nova regra.
Isso compromete a previsibilidade empresarial e viola a coerência do sistema jurídico, afetando todas as sociedades empresárias que seguem prazos deliberativos fixados por lei.
Finalizando, a ofensa mais grave: tentativa de tributar lucros acumulados até 2024 mediante condição societária. A situação atinge seu ponto máximo quando a lei:
- Condiciona a isenção de lucros acumulados até 2024,
- À sua deliberação societária até 31/12/25,
- Sob pena de tributação.
Essa solução é juridicamente impossível, pois:
- Os lucros já são atos jurídicos perfeitos, protegidos pelo art. 5º, XXXVI, CF/88;
- Condicionar sua isenção à deliberação posterior implica retroagir efeitos tributários;
- Cria-se um fato gerador fictício, artificialmente deslocado no tempo;
- Viola simultaneamente:
- Segurança jurídica;
- Confiança legítima;
- Irretroatividade tributária (art. 150, III, “a”);
- Proteção ao ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI).
Conclusão
A conjugação entre a CF/88, a LINDB e a jurisprudência do STF demonstram que:
- A tributação imediata após a revogação de isenção é inconstitucional;
- A lei não pode retroagir para alcançar lucros apurados até 2024;
- Esses lucros constituem ato jurídico perfeito e direito adquirido, blindados pelo art. 5º, XXXVI, CF/88;
- Condicionar sua isenção à deliberação posterior é violação direta da segurança jurídica e da irretroatividade tributária.
Portanto, a revogação de isenção tributária somente pode produzir efeitos após a anterioridade e nunca pode alcançar períodos já encerrados e juridicamente perfeitos, sob pena de inequívoca inconstitucionalidade.