A provocação para a elaboração deste artigo surgiu, em razão de um convite da Sra. Ana Prado, editora do LinkedIn Notícias, direcionado para mim.
Confesso o meu ânimo, pois o tema que explorei é um desafio para todos os profissionais, independentemente de suas respectivas áreas de atuação.
Em minha opinião, a inteligência artificial é uma tendência que deverá afetar a área jurídica, com mais força, no ano de 2026. Ela deixou de ser uma possibilidade futura para se tornar uma necessidade estratégica.
Afinal, a título de curiosidade, como surgiu a inteligência artificial? Ela surgiu através da combinação de:
- Bases matemáticas e lógicas (1930 e 1940): Desenvolvidas por Alan Mathison Turing (matemático britânico, considerado o pai da computação), Warren McCulloch (neurocientista e ciberneticista norte-americano, considerado um dos pais teóricos das redes neurais artificiais e da cibernética) e Walter Harry Pitts Jr. (lógico e cientista cognitivo norte-americano);
- Nascimento oficial da inteligência artificial (1956): Deu-se na Conferência de Dartmouth, organizada por John McCarthy (cientista da computação norte-americano, conhecido como um dos pais da IA e criador do termo “inteligência artificial”), Marvin Minsky (matemático e cientista norte-americano, reconhecido como um dos pais da inteligência artificial), Claude Shannon (matemático e engenheiro elétrico norte-americano, conhecido como o pai da teoria da informação e um dos fundadores da era digital) e outros pesquisadores;
- Surgimento dos primeiros programas inteligentes: (i) Logic Theorist (1956), criado por Allen Newell (matemático e cientista da computação) e Herbert A. Simon (economista, cientista político e psicólogo), tendo por finalidade provar teoremas matemáticos; (ii) ELIZA (1966), que simulava conversas, antecipando os chatbots; e (iii) Perceptron (1957), primeiro modelo de rede neural treinável, desenvolvido por Frank Rosenblatt (psicólogo e pesquisador norte-americano, considerado um dos pioneiros das redes neurais artificiais e da aprendizagem de máquina);
- Inverno da inteligência artificial (1970 a 1990): Período de cortes de financiamento e desconfiança científica (fenômeno conhecido como “AI Winter”);
- Ressurgimento da inteligência artificial com nova abordagem (1990 a 2010): Os pesquisadores, ao invés de programar regras, passaram a treinar modelos com grandes volumes de dados;
- Passagem da tecnologia acadêmica para a tecnologia presente no cotidiano (a partir de 2012): deu-se com a revolução das redes neurais (modelos computacionais pensados no cérebro humano); e
- Surgimento da era dos modelos generativos (a partir de 2020): GPT, Gemini etc.
Observa-se, portanto, que a IA é resultado de mais de 80 anos de estudos, desenvolvimentos e continua evoluindo de forma muito rápida.
Tenho acompanhado a transformação tecnológica no setor jurídico e, olhando para o ano de 2026, é impossível ignorar o papel, cada vez mais decisivo, da inteligência artificial na nossa rotina profissional. Felizmente ou infelizmente, para os defensores e críticos da IA, eis um grande desafio para nossa adaptação.
O atual cenário exige advogados preparados para atuar em ambientes híbridos (humano + máquina), com domínio de dados, compreensão de tecnologia e sensibilidade ética. Os escritórios de advocacia e departamentos jurídicos, que souberem integrar a inteligência artificial aos seus fluxos de trabalho, tendem a se destacar pela eficiência e pela capacidade de entregar soluções mais consistentes e ágeis.
Acredito que teremos os seguintes impactos, com a utilização da IA, na advocacia e na gestão jurídica:
- Automação de tarefas operacionais: Elaboração de minutas, pesquisas jurisprudenciais e complemento de análise e revisão de documentos serão, cada vez mais, realizadas por sistemas de inteligência artificial. Com isso, os profissionais concentrarão os seus esforços em tarefas de maior complexidade, estratégia e relacionamento com clientes;
- O uso de dados e estatística para antecipar o que provavelmente vai acontecer no futuro: As ferramentas capazes de identificar padrões em decisões judiciais e prever cenários processuais ganharão confiabilidade, como instrumento de gestão de risco, auxiliando escritórios e departamentos jurídicos na definição de estratégias mais embasadas e eficientes; e
- Segurança de dados e governança: O avanço das tecnologias exigirá o uso responsável, ético e seguro da inteligência artificial, especialmente a conformidade regulatória em relação à privacidade e à proteção de dados.
As equipes jurídicas que souberem incorporar essas soluções, como aliada estratégica do Direito, estarão a um passo à frente na entrega de valor e eficiência.
No âmbito do Poder Judiciário, importante ressaltar a aprovação da resolução do CNJ 615/25, de 11/3/25, que representou um marco regulatório de redefinição da relação entre tecnologia e Justiça no Brasil.
Tal resolução define princípios de governança, segurança, transparência e supervisão humana obrigatória, para a utilização da IA na administração da Justiça.
Vale destacar que a resolução não autoriza decisões judiciais automatizadas, mas permite soluções de apoio à tomada de decisão, em razão de que tais decisões são atos humanos dos magistrados.
Entendo que a inteligência artificial poderá ser utilizada, pelo Poder Judiciário, como instrumento de apoio, tais como: classificação e triagem de processos, conforme o assunto; geração de minutas de decisões; pesquisa jurisprudencial; atendimento ao jurisdicionado (chatbots); entre outros.
No caso particular de decisões judiciais, os magistrados devem ter extrema cautela na utilização da inteligência artificial, em razão da responsabilidade civil no exercício de suas funções, observado o art. 143 do CPC/15.
O importante é que a utilização da inteligência artificial tenha, dentre outros parâmetros, a centralidade e a supervisão humana no seu desenvolvimento e na sua utilização.
Por mais avançada que pareça, é essencial lembrar que a inteligência artificial continua sendo uma ferramenta criada por pessoas e não um substituto para o pensamento humano. A decisão, o julgamento e a interpretação do mundo continuam sendo de nossas responsabilidades.
A IA funciona com a análise de grandes quantidades de dados e identificando padrões. Ela não entende sentimentos, não percebe nuances e não tem senso de Justiça ou ética.
Deixar que a máquina “pense” no nosso lugar seria abrir mão de algo que só o ser humano pode fazer, ou seja, refletir com sensibilidade, considerar o contexto e escolher com base em valores.
Por fim, a inteligência artificial é, sem dúvida, uma grande ajuda. Ela organiza informações, agiliza tarefas e oferece novas possibilidades. De qualquer forma, o essencial continua nas nossas mãos: pensar, avaliar e decidir. A tecnologia pode apoiar o raciocínio humano, mas não deve substituir a nossa capacidade de interpretar o mundo com consciência, ética e humanidade.