Todo candidato que ingressa em um concurso público sabe que está dando início a uma das etapas mais exigentes de sua vida. A aprovação traz consigo um sentimento de vitória e pertencimento, especialmente quando o sonho é integrar a Polícia Militar - instituição que carrega simbolismos de honra, disciplina e dedicação absoluta ao bem comum. O curso de formação representa, assim, não apenas uma fase técnica do concurso, mas uma etapa de transformação pessoal.
Entretanto, o ambiente militar, marcado por disciplina rígida, alta pressão psicológica, carga horária extenuante e exigências emocionais intensas, pode desencadear transtornos mentais em candidatos que nunca antes haviam apresentado qualquer sintoma. Crises de ansiedade, episódios depressivos, síndrome do pânico e colapsos emocionais têm se tornado cada vez mais comuns nesse contexto.
E, diante de uma crise psiquiátrica, alguns alunos, emocionalmente fragilizados, acabam pedindo o próprio desligamento do curso. Surge, então, a pergunta fundamental para o Direito Administrativo e para a proteção da saúde mental do candidato: esse pedido de desligamento é juridicamente válido?
A resposta é clara, técnica e definitiva: não, não é válido.
A doutrina, a jurisprudência e a própria lógica protetiva da Constituição Federal reconhecem que atos praticados sob sofrimento emocional grave configuram vontade viciada, ou seja, não expressam liberdade de escolha nem discernimento pleno. O aluno em crise não está tomando uma decisão consciente, autônoma ou juridicamente eficaz - está apenas reagindo ao sofrimento momentâneo.
A Constituição estabelece que a saúde é direito fundamental e dever do Estado (art. 196). No curso de formação, essa tutela é ainda mais forte: o aluno está literalmente sob guarda, rotina, disciplina e vigilância do ente público. Por isso, quando apresenta sinais de adoecimento mental, o Estado não só pode como deve intervir imediatamente para proteger, tratar e estabilizar o candidato.
Aceitar o pedido de desligamento nessas condições é:
- violar o dever estatal de cuidado;
- ignorar o direito fundamental à saúde;
- desrespeitar a dignidade da pessoa humana;
- desconsiderar o princípio da prevenção;
- praticar ato administrativo nulo por vício de consentimento.
Em outras palavras: não existe pedido “válido” de desligamento quando a vontade está afetada por sofrimento mental. O ato é nulo desde a origem.
E é por isso que diversos tribunais têm determinado a reintegração de candidatos eliminados após manifestarem desejo de sair do curso durante episódios de crise. Em decisões recentes, juízes têm afirmado que:
- a eliminação é ilegal sem avaliação psiquiátrica completa;
- é dever do Estado afastar temporariamente o candidato;
- o pedido feito em crise não possui validade;
- a Administração deve ofertar tratamento, não homologação;
- o curso de formação é ambiente que produz adoecimento, e a responsabilidade recai sobre o Estado.
Reintegrar esses alunos não é apenas um ato jurídico; é um ato de justiça. É permitir que um sonho não seja destruído pela dor. É reconhecer que a vulnerabilidade não pode ser usada contra o candidato. É reafirmar que nenhum sofrimento temporário tem força para anular anos de dedicação.
Se você ou alguém que conhece pediu desligamento do curso de formação da PM durante uma crise e teve o pedido aceito, saiba que essa eliminação pode ser revertida. Há fundamento constitucional, doutrinário e jurisprudencial para restabelecer o direito ao curso.