A pressa em legislar é inimiga da segurança jurídica. Foi exatamente essa pressa que fez nascer, em 2020, uma lei estadual incompleta e ineficaz, que acabou servindo de base para milhares de descontos indevidos nos contracheques dos militares da Paraíba.
Em dezembro de 2019, a União editou a lei federal 13.954, que criou o Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas e fixou as alíquotas de contribuição em 9,5% e, posteriormente, 10,5%. No início de 2020, a Paraíba tentou adequar sua legislação e promulgou a lei estadual 11.812/20.
O problema é que essa norma estadual não criou alíquota própria, apenas reproduziu o texto federal. Em vez de exercer sua competência e definir a forma de custeio, o Estado simplesmente remeteu ao que já estava previsto na lei da União.
Aparentemente inofensivo, esse detalhe gerou uma consequência grave: a cobrança se tornou inconstitucional. O STF, ao julgar a ação cível originária 3396 e o agravo em RE 1.336.879/SP, foi categórico ao afirmar que a União não pode impor alíquotas previdenciárias aos militares estaduais. Essa competência é exclusiva dos Estados, que devem editar leis próprias para definir a contribuição de seus servidores militares.
Ao deixar de fixar um percentual autônomo, a lei 11.812/20 abdica do poder que a Constituição confere ao Estado, violando os arts. 42 e 142 da Carta Federal. Em outras palavras, a Paraíba abriu mão da própria competência legislativa e transferiu uma decisão financeira ao Governo Federal, o que fere o pacto federativo.
Por essa razão, todos os descontos realizados com base na lei 11.812/20 são considerados sem amparo legal efetivo. ‘Somente em 2022, com a edição da lei estadual 12.194, a Paraíba finalmente estabeleceu de forma clara a alíquota de 10,5%, regularizando a cobrança para o futuro.
O período anterior, contudo, continua juridicamente vulnerável. Entre março de 2020 e janeiro de 2022, não havia norma estadual válida que autorizasse a retenção nos proventos dos militares inativos. Assim, qualquer desconto nesse intervalo é passível de restituição judicial.
A situação revela uma falha legislativa que afetou diretamente quem já havia encerrado a carreira militar. O Estado, em vez de proteger quem serviu por décadas, acabou impondo um ônus indevido, contrariando o princípio da legalidade (art. 5º, II, CF) e o direito adquirido (art. 5º, XXXVI, CF).
A Constituição é clara: nenhum tributo, contribuição ou desconto pode existir sem lei específica. E lei específica não é sinônimo de cópia da lei federal - é o exercício autônomo do poder de legislar.
Esse precedente abre caminho para que outros militares inativos busquem a mesma correção. Afinal, a justiça não nasce de improviso: ela exige preparo, técnica e o respeito às competências constitucionais.
A lei 11.812/20 representa um exemplo de como uma norma apressada pode gerar insegurança e injustiça. Mas é também a prova de que o Direito está vivo - e pronto para corrigir os erros do próprio Estado.